terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O (des) encontro do Direito com o " imaginário" (e a Justiça)




“As tecnologias do imaginário são dispositivos de cristalização de um patrimônio afetivo, imagético, simbólico, individual ou grupal, mobilizador desses indivíduos ou grupos. São magmas estimuladores das ações e produtores de sentido. Dão significado e impulso, a partir do não-racional, a práticas que se apresentam também racionalmente. Tornam real o sonhado. Sonham o real.” (Juremir Machado da Silva – “As tecnologias do imaginário”).

1. Imaginar é projetar, pensar, refletir, enfim, buscar a (des) construção de um sentido.
2. Imaginar é dispor de capacidade mais alargada para encontrar soluções inteligentes para algum problema, para administrar o sentido de alguma coisa que não está muito evidente (...) a imaginação se apresenta como capacidade para elaborar mentalmente alguma coisa possível, algo que não existiu, mas que poderia ter existido, ou que não existe, mas que poderá vir a existir" (Marilena Chauí)
3. O “imaginário” é, definitivamente, a territorialidade maior da cultura, expressão e medida da história e do horizonte de futuro de cada povo, de cada “ser-aí-no-mundo” (Heidegger).

4. É no imaginário que reside a criatividade, a potência transformadora das coisas, as inscrições da ordem do simbólico, a taxonomia dos valores e a essência das intenções e dos desejos próprios da subjetividade de cada existência.

5. A transformação do mundo e a obtenção de maior enlace, a busca de maior solidariedade tribal (Maffesoli) também passa pela forma e pelo conteúdo de estruturação de um renovado imaginário coletivo, que precisa ser constituído de verdadeiro mosaico da diversidade, da aceitação da tolerância, da diferença, da pluralidade...

6. Num sistema-mundo que exige cada vez mais capacidade de reação (e indignação) frente ao que nos é dado como conseqüência inexorável dos novos tempos, talvez o único espaço para sonhar com uma verdadeira e radical transformação da realidade resida justamente no “imaginário”, fonte capaz de inspirar um novo projeto de sociedade no qual o “viver junto” seja menos traumático e sobretudo menos conflituoso;

7. Daí a importância do encontro do Direito na visão em paralaxe (Zizek) do seu “imaginário”;

8. Um sistema de normas voltado a estruturação da convivência precisa pensar não apenas na coação como instrumento de ordenação social, não apenas num conjunto de prescrições e proibições determinantes de direitos e garantias, mas especialmente na edificação de um "imaginário" compatível com o que se espera obter a partir do valor Justiça.

9. Antes mesmo de “crenças” falsas, da ideia ilusória de que a estruturação do Direito possa ser assepticamente neutra e não propriamente valorativa, a capacidade de realização da Justiça como ideal buscado por cada sistema jurídico depende da forma como se dá a relação do Direito com o imaginário. Não basta ter memória, perceber, simplesmente reproduzir, é preciso criar, inovar, buscar interferir na busca de um outro futuro.

10. Direito sem imaginário constitui autêntica norma vazia de “potência”, emaranhado de regras incompatíveis e inservíveis aos seus maiores e melhores objetivos, conjunto de princípios dissociados e desarticulados, expressão de indesejável incoerência sistêmica.

11. A relação existente entre os homens e a natureza pode ser apenas um fragmento exemplificativo do quão distante vai o Direito de seus pretensiosos e necessários objetivos, da dificuldade de nele encontrarmos os elementos que compõem o “imaginário” do “imaginado” valor Justiça;

11. Quando os problemas que mais importam e preocupam a sociedade contemporânea parecem escapar das malhas do Direito como instrumento reconhecidamente tido e funcionalizado como “controle” de condutas e comportamentos, é chegada a hora de repensar os métodos e os rumos da caminhada...

12. Entre o compasso objetivo e subjetivo do ainda indevassado “imaginário” do Direito, é de se imaginar que a leitura e o estudo das normas jurídicas exija do sujeito verdadeiro interpretar hermenêutico pendular capaz de revelar e ao mesmo tempo distorcer sentidos ditos dominantes a partir da lógica e da arma da argumentação, do contraditório, da relação dialógica (e dialogal) que precisa existir entre direito e a vida no seu estado mais bruto (e cruel).

13. Uma vez assentada a importância do imaginário para o Direito (muito mais pelo questionamento do que pela capacidade de explicação e compreensão racional), resta saber se a “técnica” hoje utilizada pelo universo jurídico transformou o sujeito intérprete no “artista” ou no “escravo” da suposta técnica;

14. Entendimentos ditos majoritários, súmulas vinculantes aprisionadoras de sentidos, prevalência da “regra” sobre o princípio por conta de uma (de) formação positivista simplificadora, busca incessante do julgamento quantitativo de demandas individuais em detrimento de adequada prestação jurisdicional sobre direitos coletivos, esses apenas alguns dos muitos suportes problemáticos e indicativos da falta de uma verdadeira “tecnologia do imaginário” (Juremir Machado da Silva) para o Direito;

15. Some-se isso a um processo ainda muito deficiente de acesso à Justiça, à falta de informação, sensibilidade e conscientização crítico-transformadora de parte dos seus muitos “operadores” jurídicos “domesticados" e "robotizados" no melhor espírito de rebanho “(Nietzsche) e se verá que a falta de busca de um genuíno “imaginário” para o Direito pode ser uma das explicações racionais para o sentimento disseminado de tanta “injustiça”...Como ensina Gaston Bachelard, o imaginário é a capacidade de encontrar o pensamento de dizer não a teorias existentes e proopr novas...(ah, como o Direito por vezes carece de reflexão, de sede do novo!)
16. Até quando se bastará a “crença” da técnica positivista” no Direito em detrimento das interpretações fundamentadas de "vida própria"? Quantos ainda crêem ingenuamente no Direito como sistema eminentemente fechado? Até que pondo o Direito segue sendo apenas “poder” esvaziado de “vontade de potência”? Será mesmo o homem “sujeito” marginal de operação instrumental do Direito ou tem-se aqui mais um caso de “objeto” relevante ao destino da humanidade que continua sendo manipulado de modo totalitário ao sabor dos interesses dominantes na espera dos necessários “choques perceptivos”? Direito é puro e simples controle ou também deve ser possibilidade de emancipação? Qual o “grau de irrigação” e a capacidade de abstração do imaginário jurídico nos dias de hoje? Como são mesmo os processos de ensino e formação dos profissionais do Direito no Brasil? E os meios de comunicação, o que fazem e revelam do Direito? Enfim, se o Direito é produto eminentemente cultural, cadê o seu imaginário?

17. A impressão da verdade é que o imaginário do Direito (e o seu valor Justiça) ainda são “territórios desconhecidos”(Warat) em busca de sentido...navegar nesses territórios definitivamente não ser “preciso”, mas é sempre necessário, lição de Juremir Machado da Silva.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Maffesoli(ando)...na América Latina (de Torres Garcia)


“De fato, são poucos os acadêmicos, jornalistas, políticos que tentam escapar ao peso intelectual de suas castas e que recusam o mimetismo dos preconceitos estabelecidos. Poucos, pois é difícil, até mesmo perigoso, não ter o cheiro da matilha”. Michel Maffesoli


1. Fugir do sedante e monolítico Pensamento Oficial. Sentir-se um pouco fora da “onda”, nadar contra a corrente, mesmo correndo o risco de sentir-se estranho, alheio ao pertencimento do senso comum panfletário, quando não propriamente excluído da tribo global pós-moderna: essas algumas ideias centrais vinculadas à grande figura intelectual do estudioso francês Michel Maffesoli.


2 Estigmatizado por ideias originais (e ousadas), Maffesoli é a prova mais pura e simples de que ser autêntico e preocupar-se com o “viver junto” é um dos grandes desafios da sociedade contemporânea, um tanto quanto à deriva.


3. Pensar “diferente” antes de tudo é refletir criticamente sobre o mundo, por mais que muitos disso tenham medo, especialmente quando vige um “conformismo lógico”.


4. Em tempo de desagregação e perda de referenciais, a capacidade subversiva de Maffesoli pode ser um grande e espetacular prisma para se obter outras e novas perspectivas...Je regarde.....


5. Particularmente interessante é compreender que a existência passa não só pela vivência no mundo, mas pelo que nele experimentamos e, sobretudo, transformamos! O poder e os instrumentos, mais ou menos visíveis, estão ao nosso alcance. Restar querer deles fazer uso, aventurar e descobrir.


6. Em tempo de superaquecimento global, destruição contínua do meio ambiente, idolatria do “Deus” invisível mercado, de incerteza política quanto ao lado que se quer seguir, pensar na vida como algo que precisa valer a pena para melhorar a vida “do outro” que me espera ali do lado pode ser proveitoso e regenerador caminho para a humanidade.


7. Humanidade cotidianamente testada com a frivolidade e com a brutalidade da indiferença, marcas de um corpo social heterogêneo que não sabe o que quer, nem mesmo pensa e reflete sobre onde (não) está conseguindo chegar.


8, Ler (e sentir) o texto áspero e cru de Maffesoli significa aceitar confirmações sutis e duvidar de planas verdades, é despertar para a vida e acordar na percepção lúcida de que “cada um de nós precisa urgentemente fazer o melhor de sua parte”. Os tempos são extraordinariamente difíceis...é preciso inventar uma nova forma de “ser” e “fazer”...


9. Basta olhar para o lado para perceber que a luta contra o poder econômico e a grande imprensa é justa, necessária, porém absurdamente difícil e desigual...Qualquer pequena tentativa de mudança (revolução) transformação que deixe de lado interesses econômicos para valorização da força popular são sufocadas e abafadas com estocadas midiáticas permanentes de um sistema-mundo cada vez mais “domesticado” que não aceita ciclo-reverso.


10. Ou alguém acha que é por acaso que a “vala dos dois mil cadáveres” da Colômbia não rendeu notícia para “correr o mundo”...Que dizer do “discernimento” do povo colombiano que ainda tem Uribe como solução de futuro pela sua popularidade...Que os venezuelanos possam fazer (e mostrar) diferente...Na América Latina idealizada pelo artista plástico Torres Garcia, resta saber se “o sul é realmente o norte”...



11. Definitivamente, para entender o que pasa entre a Venezuela e a Colômbia, entre o conservadorismo “vendido” ao estrangeiro e o sonho de mudança popular enraizado, só mesmo “maffesoliando”, cada um à sua maneira, no melhor da subjetividade e na autenticidade, qualidades passíveis de serem satisfeitas e preenchidas no caminho simples cada um exercitar o melhor do seu “eu”, do seu imaginário, verdadeiro “lençol freático” da alma.. Afinal, como também ensina Maffesoli: a experiência do pensamento só tem sentido quando coletiva, afinal de contas, nada pode fazer calar a fala necessária. E você, fino leitor, o que acha?