segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Coréia do Norte, depois da morte de Kim Jong Il…


1. A divisão da Coréia, ocorrida em 1948, pós II Guerra Mundial, decorrência da invasão japonesa, deixou a face norte sob comando da então União Soviética (URSS) e o sul aos cuidados americanos, primeiro exemplo de divisão de um país como decorrência do cenário histórico conhecimento como "Guerra Fria".

2. Desde a Guerra das Coréias (1950/1953) fala-se na reunificação da península coreana, situação ainda ilusória na realidade atual.

3. O fato é que a Coréia do Norte tem sido palco para déspotas desde o seu surgimento, em 1948.

4. O último “governante”, o excêntrico Kim Jong-il, filho do fundador do país (Kim II-sung – falecido em 1994), morreu no último 17 de dezembro de 2011, dia de número idêntico à quantidade de anos que esteve no poder.

5. Diante do ocorrido, mais uma vez, é de se questionar qual o futuro do país e até que ponto a aliada China tem uma certa parcela de responsabilidade por subsidiar e apoiar a particular prática política atualmente vigente em solo norte-coreano. Que dizer, então, da política de relações externas da Rússia, do Japão e até mesmo da Coréia do Sul, outros países vizinhos que circundam a espremida Coréia do Norte.

6. Até que ponto a Coréia constitui um “eixo do mal”, um espaço de permanente violação de direitos humanos, de perpetuação do isolamento, de seqüestros, campos de concentração, desnutrição e miséria, é assunto que precisa ensejar maior informação e reflexão.

7. Que estamos diante de uma sociedade brutalmente militarizada e homogênea (e de certa forma fanática), disso não resta dúvida. As imagens das apresentações perfiladas e de cega disciplina do temível Exército Popular da Coréia são brutalmente significativas, bem demonstrando, não por acaso, o que seria o quinto exército do mundo, contendo mísseis, arsenal nuclear e, segundo se estima, um milhão de leais e hierarquizados recrutas. Um milhão: o mesmo número aproximado de pessoas que teriam morrido devastados pelo caos de fome e miséria que, no colapso do sistema de distribuição de alimentos, varreu o país em meados dos anos 90 por conta do “regime” já em curso, o que ocorreu após a morte do “pai” de uma nação que, nas suas palavras, haveria de ser forte e próspera (“strong and prosperous nation”).

8. Até que ponto a influência da não religião ou mesmo uma origem confucionista ou budista tem algo a ver com o contexto norte-coreano é um palpite ainda difícil de arriscar. A existência de liberdade religiosa na Coréia do Norte é assunto um tanto quanto controvertido. Aqui não cabem muitas das irresponsáveis afirmações feitas em relação ao demonizado Islã.

9. Por falar em liberdade, o país ocupara o penúltimo posto para exercício da liberdade de imprensa, perdendo apenas para a Eritréia, conforme relato do Repórteres sem Fronteiras. Exemplo disso decorre do fato de que a morte do “grande líder” somente foi divulgada oficialmente à imprensa mundial (e local?) somente após dois dias depois do fato acontecido.

10. A respeito de tudo isso, o fato é que a Coréia do Norte e seu futuro segue sendo um mistério e, incrivelmente, um território “de exceção” (Agamben) de certa forma distante da malha da globalização, um espaço onde o mundo externo parece pouco influenciar na dinâmica interna das coisas, exceto nas bordas e nas fronteiras do país, onde a sedução pelo capitalismo sul-coreano e pelo “mercado” chinês certamente existe e exerce sua pressão.

11. Apesar de tudo, o copioso choro desesperador e massivo nas ruas da capital Pyongyang revelado na mídia internacional em decorrência da morte do “dear leader” (segundo muitos, em proporção substancialmente menor à morte do “grande líder” anterior em 1994), cômico, caricato e aparentemente patético, pode ser legítimo e verdadeiro, sendo explicável pelo “viciado” ambiente, opinião de alguns especialistas que examinaram as imagens que causaram perplexidade (ou risos) ao “mundo ocidental”. O fanatismo e a ignorância, sabemos, muitas vezes andam lado a lado. Não se olvide também do medo e do culto à personalidade que qualquer ditadura embute, especialmente quando há controle da comunicação e de observadores externos de parte do Estado. Qualquer semelhança com a China de Mao pode não ser mera coincidência.

12. Enquanto a “primavera” não chega no rígido inverno democrático norte-coreano, resta aguardar e acompanhar como será a estabilidade ou não da dinastia da terceira geração da família no poder, no caso, o governo de Kim Jon Un. Será que há espaço para algum tipo de movimento de abertura reformista ou, ao contrário, deverá sobrevir uma radicalidade ainda maior? Será que o tempo de estudo na Suíça trouxe algum tipo de diplomacia diferente ao “great sucessor Young Kim” ou Pak Un (como era conhecido no tempo de escola) ou, ao inverso, ele irá administrar ao estilo explosivo que teria como apaixonado e competitivo jogador de basquete apaixonado pela NBA e com menos de 30 anos de idade? Que tipo de produto social e político o regime norte-coreano continuará gerando, só mesmo o tempo vai dizer.

13. Uma coisa é certa, diferentemente de outras ditaduras ruídas em 2011 por mobilização popular, o mesmo não deve acontecer com a sucessão natural e nepotista, ao melhor estilo “founding family” na distante Coréia do Norte. No próximo mês de abril, data de comemoração do centésimo aniversário do criador do país, será uma oportunidade para presenciar como estará, na “totalidade” do duplo sentido, a situação da Coréia do Norte e seus aproximadamente 24 milhões de habitantes.

14. Até agora tudo o que sabemos é que do binômio “força” e “prosperidade”, lema da nação norte-coreana, a primeira expressão está representada no arsenal militar nuclear e bélico, já a segunda ainda espera uma descoberta ou revelação consistente, exceção feita ao presumível convencimento de uma supostamente consistente (e complacente) elite local que, por certo, tem muito a lucrar e se beneficiar com a perpetuação do atual regime. Não são poucos os minérios da Coréia do Norte, assim como muitos "pagam", outros além da família Kim e dos lideres militares certamente ganham, e muito, com tudo isso.

15. O mais importante de tudo, nesse contexto, é que a Coréia (e seu regime) possam ser pensados a partir dos fatos históricos e de uma perspectiva crítica que cuide com as armadilhas sempre perigosa do senso comum, inclusive midiático, por mais que o medo seja realmente desconhecido. A leitura do reconhecido livro de Bradley K. Martin (Loving Care of the Fatherly Leader), ao trazer recortes informativos sobre a dinastia dos “Kim” (para muitos o que há de melhor na leitura da Coréia do Norte), pode ser um começo...what is next?