sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Pinheirinho...um caso para (não) esquecer!



“Se o senhor não tá lembrado, dá licença de contá...(...) que aqui onde agora está...(...) mais um dia nóis nem pode se alembrá, veio os homi com as ferramenta e o dono mandô derruba (...) que tristeza nóis sentia, cada tauba que caia”

Adoniran Barbosa

É difícil de acreditar que o corporativismo e uma disputa mesquinha de competência federativa entre Justiça Estadual e Federal, entre outros fatores irracionais impensáveis (ou simplesmente ainda não descobertos), tenham inspirado o Tribunal de Justiça de São Paulo a cumprir tão mal e perversamente sua “missão cívica de “distribuir justiça” como ocorreu há menos de uma semana.

“Pinheirinho” representa tudo, menos o diminutivo do seu próprio nome. Simboliza a expressão de um Estado (e de um povo) sem Justiça.

Um canetaço vindo (e “sob comando, risco e responsabilidade”) da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo em meio a uma “consulta” (e outras coisas mais) e uma postura lamentável do Juízo de origem serviu para envergonhar um Poder Judiciário já um tanto pressionado e acossado como instituição nos últimos dias.

A pretexto de uma “reintegração de posse”, no ritmo de balas de borracha, bombas, gás e muita violência (que não poupou mulheres e crianças), moradias e sonhos foram destruídos em meio a uma parafernália de máquinas e de uso desproporcional de uma força policial que pode ser tudo, menos comunitária. USP e “cracolândia” que o digam...

Vai ver é a “celeridade” (rapidez seletiva), a “modernidade” (no que tiver de mais liquido e pior) e “acessibilidade” (só se for aos interesses patrimoniais capitalistas), valores e características que constam no “planejamento estratégico” da Corte Paulista. Nem a mais terrível “improvisação” poderia ser tão nefasta à essa ação arquitetonicamente “planejada”. Muitos e incalculáveis são os seus resíduos e entulhos.

A comunidade estava ocupando apenas parte de um gigantesco terreno, simplesmente vivendo e, segundo consta, inclusive respeitando o meio ambiente. Prova da vida e atmosfera comunitária existente é que até biblioteca havia no local...Mas isso, claro, não interessa ao mundo dos negócios e da mega especulação imobiliária. Há muito mais em jogo...siga la pelota, como diria um conhecido narrador de futebol.

Decisão da justiça não se discute, se cumpre? Na, na, na (ji) na(ja), nada disso Senhor Governador, pelo menos não nesse caso. A “jogada” parece ter sido mais do que ensaiada. A curiosa e constrangedora declaração dada “tendo em vista o noticiário sobre o episódio do Pinheirinho”, dizendo que o “Executivo do Estado, como era dever constitucional seu, limitou-se à cessão do efetivo requisitado pelo Tribunal de Justiça” fala por si só.

Para definir o que houve não há outra palavra a não ser barbárie. Barbárie praticada, veja só, justamente por uma das instituições que deveria resguardar o Estado Democrático de Direito. Isso tudo quando as notícias dão conta de um acordo que teria sido entabulado envolvendo os “proprietários” interessados e representantes governamentais.

Até agora não consigo entender a postura esdrúxula do Tribunal Paulista no episódio Pinheirinho, em São José dos Campos-SP, capaz lembrar das atrocidades históricas dos piores e mais violentos bandeirantes. Um dano moral coletivo à imagem do Poder Judiciário como esse é de proporções difíceis de calcular.

E olha que no já referido “mapa estratégico”, no planejamento do Judiciário paulista, a missão é “ser reconhecido como instrumento efetivo de justiça, equidade ou paz social”... até parece brincadeira.

Um Judiciário que nega e ignora solenemente direito fundamental e constitucional de moradia para atender a interesse de especulação imobiliária ou mesmo que seja para “reafirmar sua autonomia” merece o desprezo e a repulsa firme da sociedade, quando não dos meios de comunicação social (que só para variar informam muito pouco sobre o histórico do caso), por mais desarticulada que essas instâncias ainda estejam.

É impressionante como, por vezes, o Judiciário resolver ser protagonista exatamente naquilo que não lhe cabe. É o verdadeiro “ativismo” às avessas. A propósito, gostaria de saber quantas decisões a Corte Paulista já emitiu para serem cumpridas de surpresa em pleno repouso dominical, seguida de heterodoxa declaração oficial de “isenção de responsabilidade” dos órgãos de segurança pública do Estado.

Se um Secretário de Articulação Nacional representante do Governo Federal chegou a sentir na pele a violência, imaginem as violações que não foram praticadas com as famílias que se encontravam no local resistindo em legítima “desobediência civil”.

A forma patológica como algumas situações se repetem no higienismo paulista precisa ser estudada em laboratório. Vai que este mal tem cura..

Não esqueçamos da co-responsabilidade que o Superior Tribunal de Justiça assumiu neste caso. Tratou um conflito de competência simplesmente ignorando o que havia no fundo, descumprindo papel conciliatório e integrador que se espera de um Tribunal que se diz da “cidadania”.

E o sempre barulhento e costumeiramente midiático Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não fará nada? Será que para este tipo de postura alienada poderá ensejar o surgimento extravagante de uma nova “meta”? Olha que a competência originária do CNJ foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal na data de hoje. Como bem diz o magistrado Gerivaldo Alves Neiva, ah se fosse um juiz singular o responsável por esta grotesca violação de direitos humanos...certamente a essas horas já estaria sendo preparado e exportado para os trinta graus negativos da Sibéria, quem sabe ganhando uma “aposentadoria compulsória”...

Em tempo, estou tentando descobrir, também, qual foi a medida adotada pelo Ministério Público paulista no episódio (se alguém souber, me avise).

Por enquanto, a esperança tem abrigo, mais uma vez, no papel das Cortes e Organizações Internacionais, as mesmas que repudiaram Belo Monte, Anistia aos torturadores da Ditadura e muito mais, sem que isso não tenha provocado mudança alguma...prova de um país ainda torto e sem projeto, exemplo de uma nação que por vezes (muitas vezes) não sabe o que faz em nome dos seus poderes de Estado e da sua soberania. Prova de uma internacionalização que somente serve ao mercado...