segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pietà: obra-prima de Kim Ki-Duk





Apesar do nome, não se trata de um filme sobre a arte de Michelangelo, mas a história bem tramada é capaz de comover e sensibilizar. O roteiro impressiona.
O cenário é o distrito de Cheonggyecheon, arrabalde de Seul, local de industrialização crescente numa Coréia do Sul contrastada pelos arranha-céus e devastada por uma pobreza comovente.
Num prédio antigo, quase abandonado, vive um cobrador de dívidas de agiotagem  desprovido de qualquer sentimento de humanidade, particularmente perverso. Seu ofício é trabalho dos mais sujos e repetitivos. Seu nome é Lee Kang-do. Todo dia ele desperta para caçar de forma cruel e impiedosa todos os devedores. Direta ou indiretamente a cobrança proporciona mutilações sangrentas para pagamento de prêmios dos seguros, única forma do trabalhador quitar seu débito com o sistema e seus altíssimos juros. A máquina que um dia deu o sustento já não serve para sobreviver, mas para mutilar. Aqui os “acidentes” do trabalho são a única saída para pagar o que se deve ou, quem sabe, a expectativa para criar um filho. A que ponto chega o desespero da miséria canibal-capitalista.
Inveja de quem foi abandonado, de quem nunca teve mãe. Resultado: distúrbios de toda ordem, inclusive sexuais. Na desumanidade sempre há um tanto de desamor, faz sentido.
Até que um dia esse cobrador descobre uma mulher que se apresenta como sua mãe que o abandonou desde criança e que se diz disposta a pedir desculpa e a se redimir.  Reencontro de ódio, drama e amor.
O que começa como dúvida logo se dissipa por algumas provas de alguém que, mesmo na maldade que parece nata de Lee Kang-Do,  acima de tudo quer acreditar que não está sozinho. É a partir disso que seu personagem, aos poucos, aprende a enxergar o que é alteridade.
Gradualmente a vida solitária de Lee Kang-Do começa a mudar no caminho do remorso e da redenção.A notícia do primeiro aniversário, a busca de informações pela história, os primeiros sorrisos, a infância de quem não teve.  Aparecem os traços do humano. Eis a chance e oportunidade.
Contudo, o preço do passado atormenta. Nada pior do que ver seu familiar perseguido, maltratado, ameaçado...Agora Lee-Kang-Do adquire consciência das múltiplas maldades que já fez. Suas vítimas rondam sua existência como fantasmas e passam a ameaçá-lo. Na roda da vida a vingança chega à vida de Lee Kang-Do, também recheada dos mesmos juros exorbitantes. Conviver com o ódio e a ira das muitas famílias destruídas do que um dia pensou ser uma profissão, eis o empréstimo a ser quitado.
Na tela já estão todos os ingredientes para uma reflexão caleidoscópica. Do que é capaz uma mãe que tem que conviver com a perda do filho nos braços;  que desumanidades podem advir do abandono de um filho e, sobretudo, como o dinheiro pode destruir as relações humanas.
A importância da família e do amor no processo de socialização.
A miséria humana gerada pelo capitalismo, pela preocupação do maldito dinheiro.
Abandono, solidão, crueldade, reencontro, amor e vingança.
Esses alguns elementos da história do extraordinário filme de Kim Ki-Duk.
Pietà (2012, 104min) mereceu, com sobras, o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza.
Pode chegar tranquilamente ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Vale a pena cada minuto de poltrona.
Para além de Psy, felizmente, a Coréia tem Kim Ki-Duk.