segunda-feira, 3 de março de 2014

"La grande bellezza" na Roma de Paolo Sorrentino: che cosa è? dove è?





“Le cinéma est avant tout un art, un spetacle artistique. Il est aussi un langage sthétique, poétique ou musical – avec une syntaxe et un style – une écriture figurative eu aussi une lecture, un moyen de communiquer des pensées, de véhiculer des idées, d’exprimer des sentiments” (O cinema é antes de tudo uma arte, um espetáculo artístico. Ele é também uma linguagem estética, poética ou musical – com uma sintaxe e um estilo – uma escritura figurativa e também uma leitura, um meio de comunicação de pensamentos, de veiculação de ideias e de exprimir sentimentos” Gérard Betton

1. Um escritor reflexivo, crítico e bem humorado diante da vida: Jep Gambardella (interpretado por Toni Servillo). Um sedutor “dandy” sexagenário, amante das festas, cercado pela vizinhança geográfica da religiosidade, que nem por isso deixa de ser um intelectual, um crítico, implacável e criterioso jornalista capaz de perturbar o entrevistado com indagações e perguntas sobre o sentido do que, atualmente, se tenta vender e passar como  uma “arte” inautêntica, que muitas vezes, sabemos, não passa de verdadeiro "lixo cultural".

2. Um autor de um único livro; um amante de um amor perdido no passado da juventude em meio a um presente que busca respostas para um futuro de angústia, de espera. Uma vida de solidão de um "notívago" confesso, temperada pela companhia de uma empregada fiel, calibrada à animação de festas e baladas altamente sofisticadas.

3. A estética na roupa sempre elegante e impecável, de cores marcantes, tem seu simbolismo e não pode passar despercebida. A sedução da droga e seu poder de sublimar a realidade num mundo que, cada vez mais, está em busca de sentido; a religião e a busca de sentido para a vida, a busca da ‘santidade”, a mudança do papel social da Igreja. Todas essas são questões lançadas e trabalhadas com originalidade por Sorrentino.

4. Um sofá-cama cercado de livros e um teto no qual se imagina o mar. Na imensão de suas águas quem sabe reside toda a lembrança do passado, do “tempo de memória” já lembrado e escrito por outro italiano, Norberto Bobbio.

5. Uma homenagem constante à cidade “santuário” de Roma, aos seus monumentos, fontes límpidas e história, por maior que sejam os excessos, a extravagância e, claro, a corrupção do “vizinho” (e aqui o tom da era Berlusconi aparece com toda a força), esse é o cenário exaltado nas andanças descobridoras de Jep.

6. Nostalgia, melancolia e presença-ausência. Cruzando a linha da ficção com a realidade, entre diversas incertezas, eis que a decadência do presente está bem representada na cena em que o personagem mira o casco virado do navio Costa Concordia, cena de múltiplos significados, podendo representar tanto uma metáfora da biografia do personagem, da sociedade italiana, quando não do próprio país.

7. Coliseu e destroços de um tempo glorioso vistos de um belo e espaçoso terraço, corroídos por uma sociedade a quem se imputa a impregnação de um culto excessivo e estereotipado à sexualidade e aparência, sufocada, por vezes, num mundo “sedimentado sobre a fofoca, o rumor, no qual são escassos, ausentes e inconstantes os  momentos de verdadeira beleza” (nas palavras do personagem, “è tutto sedimentato sotto il chiacchiericcio ed il rumore ed in cui sono sparuti ed incostanti gli sprazzi di vera bellezza”.  O filme sugere um contraste entre a bela Roma e o que nela acontece, será? Isso, afinal, não vale para toda e qualquer grande cidade contemporânea?

8. Vida e morte (qual o sentido, afinal, dos funerais?). Tudo e nada (não por acaso a lembrança de Flaubert na sua reflexão sobre um livro sobre o nada aparecem no filme). Sacro e profano. Realidade e magia. Muitos são os binômios e as antíteses da misteriosa “grande beleza”, de Paolo Sorrentino, filme que exitosamente escapa das linhas do óbvio, criando uma atmosfera equilibrada, que interroga e questiona sem deixar de ser contemplativa.

9. Onde estará afinal a “grande beleza”? Numa fotografia? No mar, no fluxo do rio? Na contato com o plano espiritual? Nas festas mundanas da vida e na atração sexual? Enxergar esta grande beleza é estar preparado para o desligamento da vida? Arrisca-se imaginar que, dentre tantas coisas possíveis, a “grande beleza” está nas coisas simples, nos bons momentos da vida, na primeira conversa do dia, na música que embala, na dança que aproxima e cativa, nas amizades capazes de dizer as maiores verdades e, claro, nas boas e eternas lembranças. Sempre é tempo de viver, esta pode ser uma outra lição de Sorrentino, evidentemente e assomadamente influenciado por Fellini.


10. Um filme de linguagem aberta e plural. Não por acaso os tantos prêmios recebidos, inclusive a escolha de melhor filme estrangeiro do Oscar de 2013.