Chega
o último dia de 2014 e, com ele, os tradicionais votos de próspero ano novo e
desejos de saúde. Para além do cuidado com o corpo e o bem-estar físico à cargo
de cada um, é sempre tempo de celebrar o fato de termos, como política pública,
“o maior plano de saúde do mundo”, o
Sistema Único de Saúde – SUS, que atende potencialmente todos os brasileiros e,
mais especial e preferencialmente, cerca de 170 milhões de brasileiros que, em
geral, não têm condições financeiras de acesso particular e também não podem
custear, como consumidores, os conhecidos planos de saúde.
Definido
constitucionalmente (artigo 196 da Constituição de 1988) de modo a estabelecer
a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, regido pelas Lei Orgânicas
da Saúde - 8.080/90 e 8.142/90 e complementado recentemente pela Lei
Complementar 141/2012, melhorar o Sistema Único de Saúde (SUS) seria a maior
conquista e desejo para todo e qualquer ano prestes a iniciar.
Infelizmente
– e os meios de comunicação social em todos os formatos têm grande parcela de
culpa nessa desinformação, muitos brasileiros desconhecem o fato de que o SUS,
no seu largo acesso, é integral e gratuito, de modo que, juridicamente, tudo
que for prescrito deve ser assegurado e disponibilizado – medicamentos,
consultas, cirurgias, exames, fórmulas nutricionais etc, ainda que fora de
padrão ou protocolo clínico, desde que haja a devida justificativa
técnico-terapêutica e que o paciente, o usuário do SUS, observe os caminhos e o
fluxo regular do sistema. Esse trajeto começa na unidade básica de saúde
próxima de sua residência, podendo envolver tratamento fora de domicílio em
centros especializados e hospitais a partir de uma lógica de referência e
contrarreferência, percurso que deveria ser em linha reta, claro e
transparente, mas que pode se tornar um labirinto se houver, como muitas vezes
acontece, a desorganização de gestão e falta de resolutividade entre os entes
federados, situação que muitas vezes provoca a sensação equivocada de que o
sistema apresenta mais problemas que soluções.
Evidentemente
que, como toda política pública básica que envolve a necessidade de realização
de um direito de dimensão fundamental (artigo 6o da Constituição),
existem dificuldades do SUS de toda a natureza, especialmente de ordem
administrativa, operacional e financeira.
Um
dos maiores problemas, ao lado da insuficiência do financiamento e do custeio:
o SUS ainda é um sistema que gasta na média e alta complexidade todos os
recursos que deviam investir de modo prioritário na atenção primária ou na
atenção básica à saúde! Enquanto isso continuar acontecendo a ideia de um
sistema, que filosoficamente é a estratégia para redução de complexidades,
continuará obtendo resultados aquém dos necessários.
Admitindo-se
que o SUS ostenta a imagem de uma grande e pesada máquina, não é aceitável que
esta funcione arriscando e esperando o momento da parada para troca de motor ou
adoção de medidas urgentes,somente quando sobrevier uma pane ou falência geral,
quando o mais inteligente a fazer seria garantir a manutenção e revisão devida de todo aparelho para, no
tempo certo para manter a renovação de seus óleos lubrificantes e das encaixe
das demais engrenagens capazes de impedir o mal e a despesa maior. Falta conscientização e educação para a
importância da prevenção em saúde.
Enquanto
os gestores não tiverem a visão de que
melhorar a saúde da população é compromisso de médio a longo prazo,
exigindo adoção de medidas planejadas e corajosas, e continuarem a preferir o
investimento para “apagarem incêndios”, por exemplo, no fluxo de urgência e
emergência ou na sintomática falta dos leitos, muitas vezes para um ganho
político de caráter imediato ou próximo, para uma captação do sufrágio tida
como ilícita por alcance o indivíduo como se favor fosse e não o coletivo
tratando e reconhecendo como direito, continuaremos assistindo à inversão das
prioridades: unidades básicas de saúde desequipadas, abandonadas, sem recursos
humanos e o problema de saúde do usuário agravado. Isso faz com que gaste-se
mais e pior na “ponta final” para uma atenção à saúde com menor chance de
recuperação e incremento da vida como bem a ser protegido..
Um Sistema Único de Saúde como o brasileiro
que, além de focar na prevenção, ao mesmo tempo em que precisa celebrar os
benefícios paliativos do Programa “Mais Médicos” (em verdade um curso de
pós-graduação importante para mostrar que a saúde do brasileiro não pode estar
a mercê de interesses econômicos ou de classe), precisa enfrentar talvez o seu
segundo maior obstáculo para uma gestão profissional e responsável, a
terceirização ilegal de necessidades permanentes quando a regra de ingresso na
carreira pública é a realização de concurso público na forma do artigo 37, II
da Constituição. A saúde como política pública, evidentemente, necessita de uma
carreira estruturada e adequada não só para médicos, mas para todos os demais
profissionais da saúde, notadamente enfermeiras, auxiliares de enfermagem,
técnicas de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais
e, claro, a base da pirâmide e de todo o sistema, as decisivas, principais e mais numerosas peças que deveriam
mover todo o xadrez do tabuleiro do SUS – os agentes comunitários de saúde, que
recentemente, em fato pouco comentado, deixaram de ganhar o pior e mais baixo
salário de todos, o mínimo. Sem remuneração digna, estrutura e condições de
trabalho, não teremos uma política mais adequada de saúde.
Em
tempo de balanço, inclusive de composição de Ministérios por critérios
predominantemente de “governabilidade”, nada melhor do que refletir para, como
ensina Boaventura de Sousa Santos, alargar o presente e encurtar o futuro do
nosso SUS que, apesar de tudo, ainda é um extraordinário e pretensioso modelo
de atenção à saúde. Conhecer suas premissas de funcionamento para exigir
cumprimento do que preconiza e Constituição e a legislação sanitária, mais do
que missão das instituições do regime democrático, em especial ao Ministério
Público que cabe zelar pela saúde como serviço de relevância pública (artigo
129, II, da Constituição), é dever de todo cidadão, especialmente considerando
que uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde é a participação da comunidade
(artigo 198, III da Constituição), hoje assegurada, mais formal do que materialmente,
é bem verdade, pelos encontros periódicos para discutir as políticas de saúde
(Conferências) e pelas reuniões mensais dos conselhos municipais de saúde como
instâncias de fiscalização e controle social (Conselhos Municipais, Estaduais e
Nacionais de Saúde). Que o ano de 2015 traga saúde administrativa e financeira
para o SUS. O constituinte e o legislador brasileiro quiseram uma saúde pública
integral e gratuita para dar, não para vender. Se ela for bem gerida e tiver “dinheiro
no bolso”, melhor ainda. Feliz 2015!