quinta-feira, 22 de julho de 2010

L’université d’aujourd’hui: “olho” na universidade de hoje...com Derrida


“Cuidado com o que abre a Universidade para o exterior e para o sem-fundo, mas cuidado também com o que, fechando-a em si mesma, não criaria senão um fantasma de cercado, a colocaria à mercê de qualquer interesse ou a tornaria perfeitamente inútil. Cuidado com as finalidades, mas o que seria uma Universidade sem finalidade?” Jacques Derrida – “As pupilas da Universidade”.

1. Num mundo cada vez mais marcado e atravessado pela necessidade de busca de cultura e conhecimento (knowledge), na denominada “era do vazio” (Gilles Lipovetsky), nunca podemos esquecer de repensar e enaltecer o valor macroscópico da universidade enquanto instituição. Afinal, como não falar, hoje, da universidade? Por que não discutirmos a universidade dos dias de hoje?

2. É A universidade, afinal, a ponte de integração entre objeto e sujeitos no caminho filosófico da “consciência” ou da “linguagem”, o prisma que permite que se tenha visão essencial da ciência, a instância interdisciplinar que encontra sua justificativa como palco para acesso a saberes e fazeres necessários para a modificação de nossa cada vez mais perversa e atroz realidade. O desafio é justamente partir deste conceito para verificar se temos hoje, de fato, uma universidade um tanto quanto “insolvente” e incapaz de cumprir responsavelmente com suas finalidades(Darcy Ribeiro), as quais, obviamente, precisam ir muito além do saber tecnológico e científico, buscando o fundamento dos seus fundamentos na cultura civilizatória do infinito, sempre um eterno projeto...

3. Por mais que a razão e a justificativa da universidade, da “academia” criada em meio ao período do Renascimento, esteja na sua origem, no seu próprio sentido, sem dúvida que sua (des) estrutura precisa ser repensada criticamente, tanto na simbiose corpo docente/discente, como, sobretudo, nas suas relações com a sociedade, no seu compromisso e responsabilidade com a formação humanística do futuro, enfim, com uma visão prospectiva do tecido social, algo muito diferente de uma lógica alienante de mercado com (más) intenções que não passam da superfície.

4. Dominar e cultivar os saberes humanos formativos em tempos de esvaziamento e de perda de referencial é a árdua missão da universidade da cambiante e mutante pós-modernidade, para a qual precisamos ter “olhos” bem abertos e críticos, sobretudo.

5. Cristovam Buarque, ao escrever sobre a “aventura da universidade”, pensou esta de modo “tridimensional”, como instituição que deveria estar vocacionada para exercer tríplice gestos de realização da humanidade:

5.1) gesto técnico para manipular e transformar o mundo;

5.2) gesto epistemológico capaz de estimular a contemplação e o conhecimento;

5.3) gesto poético que magnifique a beleza do ‘deserto’ e mostre o prazer do conhecimento.

Essas três qualidades diferentes combinadas podem indicar um pouco do que seria a “universidade total “, algo capaz de estimular a “qualidade criativa” em detrimento da “mediocridade repetitiva” e um tanto quanto utilitarista, lamentavelmente tão presente aqui e acolá.

6. A propósito, num universo do ensino onde o público cada vez tem menos espaço frente ao privado (dados de 2000 indicavam um total aproximado de 1100 instituições de ensino superior – IES das quais 200 são públicas e 900 são privadas), para uma estrutura de acesso ao ensino superior ainda lamentavelmente “seletiva” (o último censo do IBGE revela que o Brasil possui apenas 6 milhões de cidadãos com curso superior), discutir a universidade é renovar a esperança pela formação de uma nova e revolucionária capacidade de cidadania, de mobilização, porque não dizer de modificação de pensamento, de sedimentação de uma cultura identitária e ao mesmo tempo emancipatória.

7. Certo é que investir em pesquisa, em produção científica, é apostar na formação e sabedoria de todo um povo nos seus projetos de futuro, ainda que isso dependa muito mais da qualidade do que da quantidade de trabalhos, algo de que deveria ser considerado para que houvesse menos pressão e opressão acadêmica por “publicações”, atitude que muitas vezes exerce efeito inverso de produzir conhecimento original e transformador, por mais que gere ilusórios dados e estatísticas...Não se pode querer progredir cientificamente por aparência, salvo se o objetivo for produzir uma estatística panfletária incapaz de dizer e traduzir efetiva melhora no “estado de coisas”.

8. Ambiente de descobertas, território de conhecimento, espaço de trama dos arcos da complexa e por vezes conflitante arquitetura do “saber” e do “poder”, certo é que os tempos pós-modernos de capitalismo exacerbado e de busca desvairada de “quantidade” numérica em detrimento da “qualidade”, num ritmo verdadeiramente “industrial”, podem impactar a universidade e o produto do seu resultado, afinal, é muito fácil, assim, legitimar a impostura e a farsa intelectual, especialmente quando um mesmo estudo “camaleão” pode assumir diversos títulos, formas e apresentações...a quem se quer enganar? É assim que legitimaremos a produção e legitimação dos títulos da universidade nos dias de hoje?

9. Há quem queira reforma, a repolitização social do espaço da universidade e das instituições de ensino superior, meios mais justos e equitativos de acesso, mas tudo isso representa apenas uma fração dos muitos temas que precisamos discutir quando falamos da universidade de hoje...

10. A universidade também é espaço da vaidade desmedida, muito longe da auto-estima saudável, vaidade esta que, infelizmente, as vezes é encontrada em muito maior profusão do que a desejável autoridade epistêmica e deôntica, esta sim qualidade própria dos verdadeiros e vocacionados Mestres, aqueles que plantam nos alunos aquilo que adquiriram de melhor, que aceitam a dúvida, que admitem não terem resposta para tudo, que adoram a divergência de posicionamento, professores na melhor acepção da palavra que marcam a passagem de cada um de nós pelo ensino superior, enfim, aqueles que fazem a universidade ainda ter crédito e o respeito institucional de sobra.

11. É justamente a comunidade acadêmica universitária engajada que sabe o quanto de responsabilidade social precisa ser resgatada na universidade, de preferência sob o foco critico “desconstrucionista”, no melhor estilo “derridiano”. Difícil é saber por onde começar...

12. Tal como o espaço escolar precisa ser preenchido e compartilhado com as famílias e comunidades, com elas estabelecendo verdadeiro nexo de pertencimento, da mesma forma a universidade precisa ser o espaço e a lente ajustada e equilibrada pela qual a sociedade pós-moderna vai repensar suas práticas, seus valores, enfim, os rumos e o trajeto para onde quer e deseja caminhar.

13. Dominar e cultivar saberes humanos em tempo de dissolução de referenciais e, mais do que isso, saber distribui-los, rediscuti-los para partilhá-los horizontal e democraticamente em prol de um projeto é um caminho e tato a seguir...por aí também passa o repensar da universidade e de suas relações com a sociedade.

14. Muitas perguntas reflexivas sobre o rumo da universidade podem ser feitas, dentre as quais, por exemplo:

- Como abordar o problema da responsabilidade da qualidade tanto do ensino e da pesquisa universitária num contexto atual de “crise”, no mar de “utilitarismo” sedante?

-Qual o grau de clivagem, de divisão, de fragmentação, entre corpo docente e discente?;

- O que faz uma boa aula? Transmissão de conhecimento ou de experiência?

- Qual é a cadeia identitária performática da universidade dos dias de hoje? Qual a “verdade” a ser buscada? Aliás, será que existe alguma “verdade” a ser buscada?

- Quais os termos e as condições da responsabilidade universitária? Qual a sua axiologia Que equilíbrio hoje temos entre graduação, pesquisa e extensão?

- Quais as fronteiras e os limites da universidade ideal? Quais são suas ideologia, as falas, os discursos dos vícios e das virtudes do ser-universidade?

15. Em suma, como questiona DERRIDA, “qual é a legitimidade desse sistema jurídico-racional e político-jurídico da universidade? (...) essa universidade (...) qual é a necessidade que se tem dela?”. Interrogar as formas de saber e as pretensas verdades, talvez aí esteja um dos seus múltiplos sentidos...

16. Muito melhor que sejamos otimistas repensando a questão do que simplesmente deixarmos as nossas oportunidades e chances civilizatórias no caminho do capitalismo e da nossa ainda um tanto quanto formal democracia, duas grandes idéias vitoriosas e hegemônicas do século XX ainda não postas totalmente à prova, mas pelo menos um pouco mais discutidas...

17. Discurso, fala e leitura capaz de articular teoria e práxis, isso também se espera da universidade, esta milenar instituição que, se antes era responsável pela busca da verdade, agora, com a retirada do véu do alcance impossível, hoje, precisa estruturar-se sobre outras bases. No caso particular do Brasil é de se pensar para onde vai a “autonomia” universitária assentada constitucionalmente... Será que esta autonomia é efetivamente exercida em favor da razão que inspira a universidade como local de convivência da diversidade, seja na graduação, na pesquisa ou no ensino? Será que todas as garantias servem para mostrar que a universidade não pode operar na lógica empresarial ou, pelo contrário, estimulam este desvio de perspectiva?

18. Tramar o arco complexo da arquitetura do saber e do poder para que a universidade seja o ideal espaço de liberdade criativa epistemológica, não mera repetição acrítica da doutrina dos “Mestres”, não uma reducionista cooptação intelectual manipuladora incapaz de conviver com uma desejável estão democrática do ensino capaz de gerar massa intelectual transformadora do Estado Democrático de Direito. Mais do que mera e mecânica transmissão de conhecimento, a universidade precisa ser palco humanizado para debates, espaço de superação da individualidade cega do homem moderno, correia para descoberta do senso de coletividade necessário para uma viver mais e melhor junto.

19.Estabelecer mecanismos e discursos que permitam repensar o princípio e o fim da universidade como instituição produtora e não simplesmente reprodutora de conhecimentos e competências capaz de integrar e superar a dicotomia teórico-prática em benefício de um novo projeto de sociedade. Compreender a universidade e seus corpos como um simples “papel em branco” a ser progressivamente instrumentalizado e funcionalizado na busca de conhecimento transformador da humanidade. Esse o desafio...Mais do que nunca (des) construir é preciso... lição de Derrida.