"Depois que consegue completar o
ciclo de transformação em classe em si mesma, a classe operária
converte-se no principal fator de alteração da ordem [...] Os proletários, ao e
constituirem como classe relativamente autônoma e capaz de desenvolvimento
independente, abrem novos rumos para toda a sociedade" Florestan
Fernandes
O texto "Nós e o marxismo",
de autoria de Florestan Fernandes (sistematização de aulas nos anos 80),
publicado pela Editora Expressão Popular em 2009, é uma curta, importante e
necessária leitura.
Firme na compreensão particular e
crítica do capitalismo desde a periferia dependente brasileira e
latinoamericana, o escrito de Florestan Fernandes, mais do que qualquer coisa,
é um chamado à autoreflexão: "O propósito que me anima consiste em
suscitar toda a problemática da luta de classes, como ela se repõe cem anos
após a morte de Marx (embora o leitor precise levar avante, por sua conta, a
reflexão crítica e política sobre o assunto)".
Vale recortar algumas dimensões desse
trabalho.
O primeiro ponto de grande inflexão
pode ser a compreensão da democracia como uma ferramenta proletária ou
burguesa. É aqui que a democracia deve ser colocada em debate. Basta estar vivo
e pensante para saber que nos sobra democracia burguesa restrita e nos falta
democracia proletária ampliada. É a segunda que tem o poder transformador e de
abrir as fissuras necessárias para expor as contradições do velho e permitir o
nascimento do novo.
Outro aspecto que merece destaque é a
percepção de que, na luta por dois mundos (o capitalista ou o socialista), não
há como promover mais consciência e poder de luta da classe trabalhadora para
as devidas pressões, dissidências e instabilizações na "ordem"
estabelecida (o que, ao meu ver, conforma aspectos da "democracia
radical" pautada pelo conflito e pelas interpelações) se não houver um
"processo cultural quantitativo e qualitativo da revolução" e também
o estabelecimento de um "sistema internacional de poder socialista".
A conjuntura atual é reveladora de que
não só no Brasil, mas na América Latina, ainda não se tem nem uma coisa ou outra,
nem no Estado e nem na dita Sociedade Civil.
O trabalhador ainda não se reconhece
como "classe em si" (mas, afinal, a propósito, transpondo o debate
para uma realidade específica europeia dada pela conjuntura atual: os
"coletes amarelos" franceses nas ruas, o que são? será que podem ser
"coveiros", "parteiros" ou "fantasmas" de alguma
coisa a merecerem maior atenção? indicam alguma tendência estrutural de
mobilização do resgate de alguma "política" frente à "economia"
no "biombo do Estado"?).
Se, como diz Florestan, "no
interior de uma posição marxista coerente a crise é um processo normal e
necessário", em que fase dessa luta, afinal, estamos?
Trata-se de retomar uma velha questão
de outro autor conhecido de todos, que deve estar sempre em lugares onde ainda
há uma "clamorosa injustiça social": o quê fazer?
Uma coisa é certa: há uma "férrea
necessidade" de mudança na direção do "comum".
O atual estado de coisas, qualquer que
seja a sua formal "legitimidade", definitivamente não serve como horizonte
de presente, muito menos de futuro.