quinta-feira, 13 de agosto de 2020

De quais "reformas" o Brasil realmente precisa?

 

O Brasil precisa de "reformas"? Quais os significados desse significante "reformas"? Alguns dirão: reformas verdadeiramente transformadoras e estruturantes. Não de quaisquer "reformas" que, em verdade, "mudem não mudando". Certo, pode ser. Uma delas, inclusive, da qual nada se fala nos "jornalões": a Reforma Agrária!

Há quem, com o olhar atento para a história da América Latina, diga que o Brasil precisa muito mais do que isso. Não por acaso Nildo Ouriques defende a necessidade de uma "revolução brasileira". A Revolução na nossa realidade ainda é uma "ausência". E então, a velha pergunta, o que fazer?

De  qualquer modo, mesmo essas eventuais mudanças significativas, na otimista via da "reforma", todavia, certamente não virão de um governo de extrema direita aliado ao "centrão" e ao que existe de pior e mais fisiológico na política brasileira, isso tudo para dizer o menos. Muitas outras e igualmente comprometedoras podem ser as relações. 

Por mais que os defensores do "mercado" repitam, como mantra, a necessidade ampla e genérica de "reformas" (ontem a previdenciária e a trabalhista; hoje a tributária e a administrativa; amanhã a política etc), é preciso discutir quais seriam as suas bases e razões. 

A revolução ou mesmo as "reformas" de verdade que o Brasil precisa para ser um país soberano menos desigual e dependente não passam pelo enfraquecimento do Estado brasileiro, pelo menos para o propósito que justifica a existência do próprio Estado como ficção. Se há um Direito do Estado, um Direito Constitucional, um Direito Administrativo, certamente que é para um determinado propósito de um Estado construído para as pessoas, não para o mercado. Projetar um país e o seu desenvolvimento (melhor do que isso, "bem viver") em todos os níveis, inclusive social, vai muito além disso.

Aliás, sempre bom lembrar, qual é o paradigma do Estado brasileiro?  Um Estado Democrático de Direito que precisa buscar a transformação social (artigo 1o, parágrafo único, da Constituição). Goste-se ou não, esse é o projeto constitucional (ainda um tanto quanto descumprido, a despeito de diversas "emendas" à Carta Cidadã de 1988).

Uma pergunta importante é se as ditas e solicitadas "reformas" são para o "Estado" brasileiro ou para o "mercado". Desnecessário dizer que na dita e tacanha "agenda liberal", essa mesma defendida por muitos editoriais da grande mídia, não há espaço para outra coisa a não ser o endeusado "mercado". O mesmo "amor" que sobra ao mercado é o "ódio" destinado ao Estado na sua pior e mais estigmatizada "versão" (o mesmo que, paradoxalmente, é chamado a todo tempo para socorrer o mercado nas muitas crises do "capital" - esse sim o pior e mais letal vírus).

Assim, não é preciso muito esforço crítico para se saber que as defendidas "reformas" não são para cumprir o projeto do Estado constitucional brasileiro na sua eficiência, mas apenas para atender a interesses declarados (e não declarados) do "mercado". 

A única "liberdade" que instiga a mobilização por ditas "reformas" da ala econômica do atual governo é uma só: a do "mercado", não a da vida concreta das pessoas em um país de marcante desigualdade e injustiça, ainda mais acentuadas em tempos de pandemia. Mesmo nesse novo tempo do mundo, assiste-se a um "velho normal": é o "mercado" que precisa ser protegido, não o "povo brasileiro" no seu conceito mais restrito.

A única "radicalidade" que interessa a "essa turma", no seu egoísta e mesquinho horizonte neoliberal como "razão do mundo", não raro movida por uma lógica de "morte" (portanto, negadora da "vida"),  é a do "mercado". O "mercado" é a única vida que importa. Ele é um culto "monoteísta" sempre reverenciado.

Não por acaso, essa mesma  gente tacanha ironiza e ridiculariza a expressão "genocídio". À "necropolítica" que louva "ditadores" e "ditadura" definitivamente não importam as "mortes em massa". 

É por isso que o mesmo "teto de gastos" que se pretende aplicar na saúde e educação não serve para os "bancos". 

Da mesma maneira que a discutida "reforma tributária" dificilmente trará a tributação das "grandes fortunas"(cada vez maiores)  e dos "dividendos", enfim, do conhecido "andar de cima". Já os "livros" e as editoras independentes: ah esses são "objetos perigosos"! (resta saber para quem...).

É nessa conjuntura que a pobreza do noticiário jornalístico da "grande imprensa" dos últimos dias nos desafia a refletir. Em meio a uma pandemia mortífera, afinal, o quê deveria representar a comentada  e ruidosa"saída" de dois auxiliares da equipe e do "time" de Paulo Guedes como Ministro da Economia? Os "textos" e justificativas especulados ou confessados para as saídas dizem muito a quem tiver mínimo espírito crítico. Ali, certamente, não houve uma renúncia por "razões de Estado", ao menos se compreendermos o Estado brasileiro pelo que exige a Constituição. Os interesses certamente são outros...

Ora, a pior e mais preocupante e progressiva "debandada" proporcionada pelo governo Bolsonaro que merece ser efetivamente lamentada é uma só: "debandada" de direitos. Enfraquecimento da democracia. Desrespeito aos direitos humanos, um dos quais a saúde. Outro, o meio ambiente. E muito mais. Ao que se diz, outra "debandada" que dizem que é questão de tempo para se efetivar é a do "ainda" Ministro Paulo Guedes. O Ministro exemplar de uma "economia dependente". Aquele que, com pouco "saber" ao fundo, valendo-se do "poder" que o cargo ora lhe confere, ora vocifera lunaticamente na "curva em v", ora parece prostrado e desconfortável em um trágico (des) governo.

Isso porque a "agenda" deste governo Bolsonaro é muito pior do que simplesmente "liberal". Ela é vergonhosamente  "dependente". É tudo, menos "Pró-Brasil". Isso tudo em um atrapalhado  e babilônico (des) governo "cheio" de militares (o dito partido ou "núcleo fardado" que ainda cerca e protege o "capitão"). No mínimo curioso. 

Perceba-se que Maia e Alcolumbre (e muitos outros, incluindo boa parte da "grande imprensa") definitivamente não são adversários desse "projeto" de governo. São "aliados". O trem "político" é o mesmo, só muda o vagão.

Se as tímidas e até mesmo conservadoras "reformas de base" propostas por Jango levaram à Ditadura de 1964/1985, o que poderá ocorrer no dia que o Brasil pretender reformas estruturantes e necessárias para modificar o Estado brasileiro? Não por acaso que no horizonte da intelectualidade brasileira não dependente, como é o caso de Nildo Ouriques, que sabe a lição e o aprendizado da história no "sul" do mundo e na América Latina, subsista a proposta de muito mais do que uma reforma, uma "revolução". Desprezando a "ciência" e sem a mudança de "cultura", como chegar lá? 

Sobra espaço para algum otimismo na vontade e pessimismo na razão? Talvez.

Será muito imaginar o fim da pandemia com algum espaço para a "democracia radical" voltar à cena? Eis aí um elemento ainda pouco e insuficientemente estudado e sempre indeterminado e potente (inclusive porque representa a "potentia", o poder em si que, como Dussel ensina, é sempre do povo) que pode levar para algum "novo lugar", ainda que seja o da "reforma" tática e não da "revolução" (brasileira) como estratégia.

A história terá muito para contar desses nossos tristes tempos pandêmicos.  A ver o que virá. Fiquemos atentos e vigilantes pela democracia substancial e transformadora no conjunto de suas múltiplas cores e dimensões. Essa mesma democracia, especialmente aquela de alta intensidade que, de algum modo, há de nos tirar de um eclipse que logo ali, poderá nos abandonar na mais completa escuridão.



 

quinta-feira, 11 de junho de 2020

A perda de Carlos Lessa: um economista estruturalista preocupado com o Brasil






"Qual é o Brasil que nós queremos? Eu tenho um Brasil do meu sonho e do meu coração [...] Esse não é um sonho compartilhado de maneira inequívoca. Acho que nós temos que avançar nessa discussão [...] O debate brasileiro ainda não está centralizado sobre o Brasil que nós queremos! [...] Qualquer saída brasileira passa por pensar uma alternativa a essa falta de centralidade" 


Carlos Lessa, em entrevista ao Programa Faixa Livre, 05 de janeiro de 2017. 

A economia brasileira perdeu um importante diferencial no último 05 de junho.

O falecimento de Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa - Professor emérito no Instituto de Economia da UFRJ e em diversos outros espaços de ensino e produção de saber, que  também chegou a ser Reitor da mesma universidade (entre julho de 2002 a março de 2003) - aos 83 anos, evoca um luto significativo e o "vazio" próprio daqueles que, na sua vida transformadora, impactam positivamente a realidade.

Lessa era um economista defensor da universidade pública brasileira, motivo a celebrar em tempos em que a economia brasileira do governo ainda "de turno" é liderada por um Ministro que, em reunião ministerial, confessou o desejo de colocar uma "granada" no servidor (e por consequência no serviço) público.

Lessa graduou-se pela UFRJ em 1959, tornou-se Mestre em Análise Econômica pelo Conselho Nacional de Economia e Doutor em Ciências Humanas pela Unicamp (1980).

Mais uma vítima ilustre da pandemia COVID-19, ele sim era um verdadeiro apaixonado pelo Brasil e pelo Rio de Janeiro que, na sua palavra, agregava "melhor e o pior" do Brasil. Não por acaso fundou o Instituto da Brasilidade.

A parte final até hoje não aplicada na prática pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e "Social"- BDES, instituição que também chegou a ser Presidente entre 2003 e 2004, é mérito seu e de suas ideias. 

Entre elas, também havia espaço com a preocupação sobre a cidade, diante da constatação de que o Brasil é um país urbano "metropolizado" sem uma discussão séria sobre a questão "metropolitana".

Além disso, apostava na juventude. "A juventude, que posição vai assumir? Uma coisa essa juventude sabe ou está percebendo de maneira cada vez mais intensa. Não há saída de globalização. Ou a saída é procurada pela unidade, reflexão e organização da vida nacional ou não tem solução" e na busca de um "outro modo de ser" pela nova geração que estaria se gestando em condições de mudar o país, como mostraram as ocupações escolares da qual também foi entusiasta.

Carlos Lessa era um economista que, na sua concepção estruturalista, tinha a dimensão da importância da democracia para um verdadeiro desenvolvimento.

Lessa também foi autor de diversos livros sobre não apenas sobre economia, mas sobre cultura e história. Do seu "Manual de introdução à economia" ao "Rio de todos os Brasis", seus escritos e palestras serviram como registro de um saber econômico menos colonial. 

Pelo que se pôde ouvir de suas falas em tempos recentes, além da falta de um projeto nacional, da ânsia pelo "Brasil que queremos", preocupava-lhe o genuíno desenvolvimento e a necessária soberania econômica do Brasil (inclusive, por exemplo, a capacidade ociosa da indústria metal-mecânica automobilística, a aposta na "construção civil" e a busca do desenvolvimento pela "casa própria" como um denominador comum com capacidade de mobilização da sociedade em um dos poucos segmentos com certa hegemonia nacional, à aposta transformadora em possibilidades de economia popular etc), aspectos muito importantes, especialmente em tempo em que o governo de turno mostra todo o seu "entreguismo".

Em suma, perdemos um grande "intérprete" econômico de um Brasil mais independente e justo.

Fará muita falta não mais poder ouvir Carlos Lessa falar sobre a "situação do Brasil", como fez, por diversas vezes, no Programa Programa Faixa Livre (www.faixalivre.org.br). Foi no Programa Faixa Livre (do qual era um confesso ouvinte), aliás, que, em janeiro de 2017, além de outras ideias aqui destacadas, o Professor Carlos Lessa bem diagnosticava que a nossa crise continuaria amadurecendo. Estava certo. 




sábado, 6 de junho de 2020

Ricardo Antunes está certo: o Brasil quer mesmo a "copa" mortífera da COVID-19...



Eu já devia imaginar que a pandemia iria ter um retrato ainda mais triste e genocida na periferia do mundo capitalista. No "sul do mundo" as dores são sempre piores.  

A pandemia anunciada inicialmente como de propagação "democrática" e independente de raça ou classe social, progressivamente, em meio a um cenário de gente sem casa ou com moradias precárias, sem saneamento básico, com um sistema público sucateado e subfinanciado e em um cenário de uma assistência social débil e cambaleante sem ações, programas e políticas públicas suficientes, em meio ao "cassino" do capital, mostra que, sim, ela se transmite com maior velocidade no cenário da  pobreza e da desigualdade.

Mas não só: pobreza, desigualdade, irresponsabilidade e insensatez.

Por mais "esforçados" que pareçam, nossos meios de comunicação (mesmo os mais progressistas) não conseguem se engajar (e impactar) da mesma maneira do que fizeram há poucos dias, quando o COVID-19 era uma "novidade", quando as mortes para mais de mil ocorriam na Itália, na Espanha, na França e nos Estados Unidos, para ficar em alguns reduzidos exemplos.

Como entender que um cuidado necessário (em um cenário com praticamente a ausência de outras alternativas) iniciado em meados de março possa ser "flexibilizado" em pleno junho justamente quando o país não atingiu o sinistro pico de infectados e mortos pelo "coronavírus" (que infelizmente, já superam as dezenas de milhares)? 

O Brasil será um caso único no mundo de desprezo deliberado à vida em meio ao caos pandêmico e suas múltiplas crises (sanitária, social, política e econômica). 

Eu gostaria muito de acreditar que a postura tem alguma razão técnica, sanitária ou epidemiológica para essa "flexibilização" em plena pandemia, mas olhando para a trajetória de alguns "representantes" eleitos, sinceramente prefiro não me iludir. Melhor aceitar que o "mercado", de fato,  para muitos, vale mais do que os "direitos humanos". 

O Brasil é o único país que trocou dois Ministros da Saúde em plena pandemia. Como se não fosse suficiente, nós, que tivemos a Ditadura como o maior câncer da nossa história recente (depois do colonialismo), temos um Ministro de Saúde interino que, pelo que se vê, pouco entende ou sabe não só de saúde pública, mas também da ideia de República, pois nela a "pátria" é muito maior do que o desejo de plantão do governante de passagem.

"Acima de tudo" e de "todos" permanecemos regidos, em maior ou menor grau, por diversos (des) governos que, por suas ações e omissões cotidianas, mais concentradas ou diluídas, em diversas esferas federativas, vão da estupidez à insensatez, flertando com a canalhice e abraçando a "necropolítica". 

Em meio a isso (e às muitas outras desgraças do cotidiano, como a triste morte de uma criança quando sua mãe trabalhadora passeava com o cachorro da patroa), ouço a notícia de que o "dólar caiu" e que a Bolsa se aproxima de uma centena de milhares de pontos. É, é duro dizer, mas muitos certamente acham que os pontos da Ibovespa valem mais do que os pontos negros dos "alvéolos" pulmonares, dos pontos ainda não atingidos nessa curva mortal na qual mergulhamos há semanas, dos pontos que, até aqui (e infelizmente vai piorar), impedem, no mínimo (porque na verdade a estatística real é ainda mais perversa) uma brasileira ou um brasileiro de respirar por minuto!

Em meio a isso, o Presidente da República eleito (e graças "às instituições em funcionamento" ainda no cargo) mimetiza "Trump" e ameaça sair da Organização Mundial da Saúde, o mesmo "Trump" que anuncia o momento difícil do Brasil frente à pandemia posando agora de "responsável".

Como admitir que um Presidente possa anunciar uma propositada omissão de informação sobre um dado sanitário essencial como o número de mortos nas últimas 24 horas (ainda que esse número seja provavelmente muitas vezes menor do que a realidade diante de um cenário de ausência de testes e de escancarada subnotificação)? 

Vidas brasileiras importam ou não? 

Eu felizmente ainda não perdi nenhum familiar, amiga ou amigo pela COVID-19, mas já soube de diversas pessoas de minhas relações diretas ou indiretas que passaram por isso. Será muito pedir um mínimo de "alteridade" e "respeito" pelas pessoas que sequer puderam velar adequadamente a morte e a última hora dos seus? 

Como disse o Professor Ricardo Antunes outro dia (em evento do MP Transforma), o Brasil parece estar realmente olhando para a pandemia e pensando..."essa copa tem que ser nossa".

Será mesmo? 




sábado, 16 de maio de 2020

Sobre limites e responsabilidades: o texto de "Mourão" no Estadão, "decrifa-me ou..."





O Vice-Presidente da República (que, importante lembrar, goste-se ou não, é tão "eleito" quanto o Presidente da República, o que vale para dizer que não será "golpista" caso eventualmente assuma, mas também para reconhecer que eventuais vícios no processo eleitoral das Eleições de 2018  podem necessariamente alcançar a legitimidade da sua escolha), Antonio Hamilton Martins Mourão, também conhecido como "General Mourão", publicou um texto em 14 de maio de 2020 no Estado de São Paulo denominado "Limites e responsabilidades".

Na estrutura dos seus argumentos, pode-se destacar 17 (o número é mera coincidência, será?) pontos:  
1) "que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde; por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e, por suas consequências pode vir a ser de segurança"; 
2) que no enfrentamento da pandemia "nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil"; 3) crítica da "polarização que tomou conta de nossa sociedade", pois até mesmo a "opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada"; 
4) que o essencial para qualquer problema é "sentar à mesa, conversar e debater"; 
5) que a imprensa precisa "rever seus procedimentos nesta calamidade", pois "opiniões" (...) "devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação";
6) que o ambiente de convivência e tolerância deve vigorar numa democracia; 
7) "degradação do conhecimento político"; 
8) que o Brasil não é uma confederação, mas uma "federação"; 
9) que os Estados da federação não estariam procedendo com boa-fé; 
10) que tudo isso prejudica a "imagem" do Brasil no exterior; 
11) que a acusação da "destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global" é "leviana", pois "haveria um "esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável"; 
12) que a situação é grave, mas não é insuperável, "desde que haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País"; 
13) Que as medidas isolamento social foram "desordenadas"; 
14) que a economia do país está paralisada e que há ameaça de desorganização do sistema produtivo, citando como exemplo "as maiores quedas na exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram riqueza"; 15) que a "catástrofe do desemprego está no horizonte; 
16) "enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo"; 
17) que "há tempo para reverter o desastre", "basta que respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas".

No seu texto constam algumas ideias sobre diversos e variados temas. Pandemia no mundo e no Brasil. Suposto isolamento social "desordenado". A importância do diálogo e da tolerância na política e na democracia. Crítica à imprensa e falta de isonomia na circulação da opinião. Judicialização. Federação brasileira e o papel dos Estados. Meio Ambiente e Amazônia. Economia e industrialização do país. Falta de "sensibilidade das mais altas autoridades do País". Estatísticas seletivas. Discórdia. Corrupção. Oportunismo. Desastre. Responsabilidade. 

Sob o ponto de vista de amparo referencial ao que se afirma, o mais próximo que há no seu texto é citação da Constituição dos Estados Unidos (17 de setembro de 1787) e em citações de dois "federalistas", no caso, John Jay, James Madison, para depois chegar em Amaro Cavalcanti em uma obra do século XIX.

Mesmo assim, como mostram os trechos em destaque, a depender da interpretação, é possível concordar com parte das ideias lançadas no seu texto, dependendo da justificativa para o argumento e de quem sejam os seus destinatários. 

A sociedade brasileira, no seu todo, precisa discutir e preocupar-se a a partir desse texto.

Entre as muitas perguntas (e respostas e contestações igualmente possíveis a diversas afirmações, algumas das quais são de outro lado inaceitáveis, dependendo de novo da interpretação) destaco uma: qual é o principal significado ou a essência da "crítica" de Mourão? A quem ela se dirige?  Em parte, ao próprio governo? Quais trechos desse texto seriam destacados por ele como os principais momentos da sua "mensagem" à nação? 

Ou o texto é mesmo como parece, propositalmente dúbio e confuso, como é o governo do qual o "General" ora investido de "Vice-Presidente" forma parte?  

Não será melhor tentar "decifrar" os enigmas do texto antes que corramos o risco de sermos "devorados" pelo seu autor logo ali adiante?





sábado, 2 de maio de 2020

União Europeia e COVID-19: um fracasso



A terrível pandemia COVID-19 (mesmo com sua letalidade aparentemente subavaliada, com números certamente maiores que os oficiais), entre diversas outras reflexões, coloca em teste forte, a União Europeia e seu projeto multilateral.

A falta de cooperação inicial do bloco europeu com o problema (iniciado na Itália e até aqui o país europeu mais duramente afetado pela pandemia), o fechamento de fronteiras como solução egoísta, a falta de solidariedade e incapacidade para ajuda recíproca colocaram o modelo da União Europeia em discussão, pelo menos para uma crise sanitária como essa.

Até agora assistimos, no geral, a ideia de "cada um por si" e nada de uma União Europeia eficaz e eficientemente "por todos", o que enfraquece o importante ideal comunitário, alimentando discursos xenófobos e de extrema-direita já existentes.

Na projetada geopolítica pós-pandemia, de um mundo mais globalizado, "cartelizado" e tecnológico, é de se questionar qual será o lugar de uma União Europeia já enfraquecida com a saída do Reino Unido e com o fato de outros países cogitarem uma resposta similar.

Ontem, uma matéria do "Le Monde" mostrou como parte dos dirigentes da União Europeia subestimaram a pandemia.

Um bom exemplo passa pela postura da sueca Ann Linde, em entrevista dada em 10 de março. Questionada sobre o problema das mortes na Itália, afirmou que "a saúde é da competência dos Estados, não da União Europeia", limitando-se a dizer que estava "acompanhando a situação na Itália".

Será que a União Europeia tinha e tem uma preocupação comunitária na perspectiva sanitária?

Quem achava que uma crise sanitária não desencaderia uma crise política ou mesmo um colapso econômico (este, já anunciado por Christine Lagarde,  Presidente do Banco Central Europeu)?

Fala-se numa redução de PIB na zona do euro de 5% a 12% ao ano. Resta ver como responderão as quatro maiores economias (65% da soma das economias do bloco), 3/4 delas atingidas fortemente pela pandemia: Alemanha, França, Itália e Espanha,

Mais: qual será a proposta de (re) industrialização da Europa pós COVID-19, inclusive para os insumos de saúde necessários para assegurar a sua "soberania"?

A estrutura multilateral da Europa e o projeto da União Europeia sucumbiram até aqui ao COVID-19. Mas pode ser pior.  Isso porque pode estar em jogo o começo do triste fim da União Europeia.

O desafio está na mão dos políticos europeus, em especial para Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia em começo de mandato, iniciado em 01 de dezembro de 2019.

domingo, 26 de abril de 2020

O novo tempo do mundo


Estamos no permanente debate entre a crise sanitária e a econômica.  De ambas depende a perpetuação do melhor parâmetro filosófico: o paradigma da vida concreta, próprio da Filosofia da Libertação. 

A saúde e a economia são os principais assuntos que percorrem o mundo em diferentes narrativas e perspectivas.

Estamos em um intervalo de tempo que permite repensar.

Os modelos hegemônicos estão sob discussão em um contexto geopolítico complexo que permite muitos diagnósticos e projeções.

A propósito, muitos já falam em uma nova "Guerra Fria" entre China e Estados Unidos. A Europa começa a repensar a necessidade de revisar o seu projeto de industrialização. Todos "dependem" da China para quase tudo, o que faz da soberania um recurso meramente retórico.

Tanto os sistemas de saúde (públicos/privados) como o capitalismo (o "dito" modelo que dizem funcionar - e realmente funciona, só que para uma minoria nos movimentos de M e W do "deus mercado") mostram os seus grosseiros e vergonhosos limites.

Especialmente no Brasil, o SUS - maior plano de saúde do mundo está posto a prova. O seu desmonte gradual ao longo dos anos, em especial desde o Governo Temer, somado a falta de prioridade à atenção primária, deveriam estar em pauta. Infelizmente faltam (e sempre faltaram) leitos de UTI, só que agora a morte é concentrada, nacional e mais evidente. O Judiciário continua sem resolver vem o problema da tutela coletiva, em especial na saúde. Isso torna o nosso quadro ainda mais preocupante, especialmente diante de uma "necropolítica" sanitária de desmantelamento e subfinanciamento do SUS que não é de hoje. 

O capitalismo está diante de uma nova crise (a frequência entre uma e outra parece menor), só que agora diferente das demais. A dita "volatilidade" do mercado serve para mostrar algo que é da natureza do modelo: mais concentração e mais desigualdade. É uma seleção natural dos mais fortes (que o diga a Amazon com os seus quase 600.000 empregados nos Estados Unidos). É para esses mais "fortes" que o Estado sempre acena.

O mundo todo discute o papel do Estado na economia. Engraçado que, nessa hora, todos parecem "keynesianos".

E, para além disso, há um importante debate comportamental: e experiência desse novo e único tempo do mundo muda exatamente o quê? Qual a responsabilidade de cada um pelas escolhas nesse momento de "restrição"?

O que muda no plano pessoal? Hora da união da família aumentar ou dissolver de vez? Hora de repensar relacionamentos, refletir sobre deveres e obrigações domésticos? 

E no plano profissional? Todo mundo, mais do que nunca, impactado pela tecnologia. Hora de aprender que precisamos pensar em novas formas de trabalhar? Espaço para aumento da super e autoexploração? 

E no plano político? Será que os partidos políticos aproveitarão a oportunidade para a necessária reinvenção e formação de base? E os sindicatos? E a "demonização" da política, aumenta ou diminui? O que esperar da "democracia"?

Para alguns, nada vai mudar. A volta gradual da rotina (no cenário mais otimista, em meses) restabeleceria a normalidade e deixaria toda a angústia para trás.

Para outros, esse período abre um período de reflexão, um repensar de escolhas de consumo e, portanto, uma forte crise de demanda.

Como toda a crise, aberta estão as oportunidades para o descobrimento da autenticidade. 

E se...? 

É tempo de incerteza, mas, ao mesmo tempo, de inevitável mudança.