1. O Brasil ainda é um país de muita pobreza. Esse é o resultado do
nosso cassino financeiro e do modelo capitalista que nunca traz o esperado
desenvolvimento, como bem alerta Atílio Boron. Segundo os dados do último censo
de 2010 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 16 milhões e
200 mil brasileiros percebem menos de R$ 70,00 (setenta reais) mensais, o que
equivale a R$ 2,33 (dois reais e trinta e três centavos) por dia. Se este é
tamanho da “extrema pobreza”, a realidade da situação de “pobreza” alcança o
parâmetro de até R$ 140,00 (cento e quarenta reais). Quem acha que o Bolsa
Família é muita coisa, além de atentar para os parâmetros de renda per capita
que permitem a concessão do benefício, deveria saber que o valor recebido por
cada criança e adolescente de até quinze anos é de ridículos R$ 32,00 (trinta e
dois) reais pagos na existência de até cinco filhos. Será que alguém acha
desarrazoado que gestantes e nutrizes também recebam o benefício para um país
onde ainda existem crianças desnutridas, onde há uma mortalidade infantil
superior a diversos países da América Latina?
2. Esse dado estatístico, somado a compreensão de que combater a
pobreza é um dos objetivos fundamentais da República (artigo 3o,
III, da Constituição), já deveria ser suficiente para se entender que a sexta
economia do mundo, evidentemente, precisa dispor de política pública e
transferência de renda, verdadeiro investimento estatal justificado a partir de
parâmetros objetivos, certo? Parece que não. Muitos são os mitos e estereótipos na questão; poucos são os
fatos e o debate qualificado sobre esta específica política pública.
3. Em tese, renda per capita inferior a setenta reais é suficiente
para que um cidadão se habilite a receber bolsa família, porém poucos sabem que
as vagas para a obtenção do benefício são limitadas e não existem na mesma
proporção das necessidades. Isso
não é divulgado!
4. Sob o ponto de vista jurídico o Programa Bolsa Família (PBF) é
regido pela Lei 10.836/04 (17 artigos) e pelo Decreto n. 5.209/04. Renda mensal
per capita, número de crianças e adolescentes até 17 anos (limite de 5) e
existência de gestantes e nutrizes (mães que amamentam os filhos até seis meses
de idade) são fatores que podem impactar o valor recebido. Atualmente são 5 (cinco)
os tipos de benefícios: básico (famílias em extrema pobreza), variável
(famílias entre a extrema pobreza e a pobreza com gestantes, nutrizes, crianças
até doze anos e adolescentes até quinze anos), variável vinculado a adolescente
(de 16 a 17 anos), variável extraordinário (remanescentes dos benefícios
anteriores ao programa) e de superação da extrema pobreza. Até 2004 o que havia
eram programas esparsos (cadastramento único e bolsa escola desde 2001,
auxílio-gás desde janeiro de 2002), os quais foram unificados e concentrados
dentro de uma única estratégia.
5. Nos 39 Ministérios (24 oficiais e 15 com “status” de) cabe ao
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) a árdua tarefa de
conduzir essa linha de ação permanente (conceito de política pública) adiante. A
legitimada prioritária/preferencial para receber o benefício é a mulher, isso
tudo por força de lei.
6. A ideia de um Brasil sem Miséria, contudo, precisaria ir muito
além disso. O Plano do Brasil sem Miséria,
de responsabilidade da Secretaria Extraordinária para superação da extrema
pobreza, estruturada no tripé geração de renda, inclusão produtiva e acesso a
serviços públicos, é um começo, mas insuficiente, especialmente no segundo e
terceiro aspecto. Ainda não é o Estado chegando
aonde (sic) a pobreza está.
7. Deixando de lado a visão tacanha e reacionária daqueles (e são
muitos) que acham que não precisa existir política pública de combate à
miséria, afinal, “isso é coisa de gente que não quer trabalhar”, “de gente que
se acomoda em receber tudo de mão beijada do governo”, “de gente que quer ter
filho para sobreviver de bolsa família”, é evidente que faltam condicionalidades
emancipatórias no planejamento do Brasil como país sem miséria (que
evidentemente não poderia ser um “slogan” governamental à luz do artigo 37 da
Constituição – pois se não pode para os Estados e especialmente para os
Municípios o mesmo vale para a União). Exame pré-natal, acompanhamento
nutricional, acompanhamento de saúde
e frequência escolar de 85% são aspectos relevantes, mas absolutamente
insuficientes.
8. Segundo os dados oficiais o Bolsa Família contempla
transferência de renda, condicionalidades e ações e programas complementares. Se
o Programa se mostrou eficiente para combater a evasão escolar, reduzida
drasticamente desde seu início, se existem alguns reflexos importantes na
atenção à saúde, o mesmo não pode ser dito no tocante às obrigações
educacionais e de qualificação profissionais envolvendo pais ou responsáveis.
9. No mesmo
compasso crítico, sabe-se que existem graves problemas com o Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal (CAD ÚNICO), especialmente pela falta
de gestão adequada do Município e, talvez, também, pela falta de uma
fiscalização mais efetiva e integrada de parte da sociedade, dos conselhos, das
Prefeituras (nos termos da lei, “o controle e a participação social do
Programa Bolsa Família serão realizados, em âmbito local, por um conselho ou
por um comitê instalado pelo Poder Público municipal, na forma do regulamento”)
e do Ministério Público como um todo. Lembrando que o Cadastro Único tem o
mapeamento das famílias de baixa renda, assim consideradas aquelas que tem
renda mensal até meio salário-mínimo por pessoa ou renda mensal até total até
três salários-mínimos.
10. A política de assistência social da União, dos Estados e
Municípios ainda é extremamente deficiente, por mais que vivamos em tempos de
Sistema Único da Assistência Social (SUAS). A estratégia dos CRAS (Centros de
Referência de Assistência Social) e CREAS (Centros de Referência Especializada
em Assistência Social) é uma proposta tímida, especialmente considerando a
realidade e o perfil da maioria dos municípios brasileiros, assolados de um
lado por um regime federativo perverso e, de outro, pela má gestão, pela falta
de técnica e de profissionalismo agravado pela ausência de um Legislativo
eficiente no exercício de suas atividades típicas de fiscalização.
11. Outros dirão: mas e o Conselho Gestor Intersetorial do Programa
Bolsa Família? Seria dele a função
de promover a “emancipação” das famílias. Onde? Será que este controle social e
a participação popular estão regulamentados de modo adequado, com a disposição
de instrumentos eficazes e com a sua operacionalidade integrada ao conhecimento
dos cidadãos? E a previsão de que
“o Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade dos beneficiários
do Programa Bolsa Família com as dotações orçamentárias existentes” (artigo 6o,
parágrafo único), é cumprida? Há grande probabilidade das respostas serem
negativas.
12. E a previsão de que
“o Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade dos beneficiários
do Programa Bolsa Família com as dotações orçamentárias existentes” (artigo 6o,
parágrafo único), é cumprida?
13. Discutir de modo qualificado a política pública de
transferência e de investimento para que as famílias brasileiras tenham
condições mínimas de sobrevivência digna, com os reflexos que isso acarreta em
saúde, educação e assistência social, esse o desafio que há de ser posto na
questão envolvendo o Programa Bolsa Família, especialmente em tempos de
pré-campanha eleitoral que tendem a imprimir uma visão maniqueísta do tema, ora
buscando negar seu efeito inegavelmente positivo na redução da miséria, ora superestimando
seus resultados diante de tantas deficiências e aspectos a serem aperfeiçoados.
Com a palavra os leitores...