Novas
guerras religiosas: tempo de tolerância e liberdade
Parece-me
que a liberdade religiosa é algo a ser defendido em toda e qualquer
Constituição. Tolerância religiosa talvez seja um sentimento capaz de salvar ou
atenuar o desperdício diário de vidas. A religião parece ocupar papel central
para a compreensão da dimensão desses aparentemente intermináveis e inconciliáveis conflitos.
A
liberdade talvez seja o melhor antídoto para as guerras religiosas. Tal como já
ocorreu no passado, atualmente vivenciamos dolorosamente nesses tempos de desagregação
e de pessoas morrendo aos quilos por vários cantos do Oriente Médio, sem
excluir Ásia e África.
Bem
faz a Tunísia ao prever a liberdade de religião e de não-religião na sua fresca Constituição, diferentemente do Egito, que vimos exatamente no que deu.
Se
ainda não dá para dizer se separação de Igreja e Estado é apenas uma questão verdadeiramente
ocidental, acontecimentos recentes colocam em xeque a teocracia como
forma de governo capaz de respeitar a diversidade e a pluralidade do mundo.
A
religião precisa ser vista pela sua capacidade de gerar marco civilizatório, ainda
que, nas linhas da história, saibamos que também ocorreu exatamente o contrário na
colonização, na inquisição...
Se
não temos uma singular Terceira Grande Guerra hoje no mundo, plurais pequenas
guerras são experimentadas há anos sem que as organizações internacionais
tenham conseguido obter respostas satisfatórias. Nossa literatura, também, parece estar adormecida sem reflexão adequada sobre o problema.
Monoteísmo,
politeísmo e cultura religiosa voltada para
tolerância, definitivamente essas devem ser questões das quais a
comunidade deve se ocupar para que realmente tenhamos melhor vivência societal.
Tudo
que não se quer é que a religião sirva para despertar ódio, rivalidades e
cegueira, o mesmo valendo para a economia, motor por trás do financiamento e do
direcionamento para que os Estados sejam mais máquinas de matar "inimigos" do que
estruturas burocratizadas para servir ao bem comum.
Religião
é cultura, tudo bem. Que possamos encontrar, então, formas de cultivo livres de sentimentos
e possibilidades que permitam transitar no caminho oposto do certamente
seria a intenção dos deuses de fora ou de dentro de cada um.
Que
a religião acompanha o mundo desde que ele se tem como mundo, com poderes mobilizatórios extraordinários, para bem ou para o mal,
não há como contestar.
Precisamos
de uma fé suficiente para suportar indivíduos e coletividades sem imposições
deste ou daquele credo, sem que assuntos de Estado sejam misturados com
questões da religião. Aí reside o ganho e o tesouro da laicidade como
verdadeiro “armistício”, pois não? Ou será mesmo que os genocídios encontram
suporte histórico no Velho Testamento (vejamos Samuel 15:3 – “diz o Senhor dos
Exércitos: eu me recordei do que fez Amaleque a Israel; como se lhe opôs no
caminho, quando subia do Egito. Vai, pois, agora e fere a Amaleque; e destrói
totalmente a tudo o que tiver, e não lhe perdoes; porém matarás desde o homem
até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os bois até as ovelhas,
e desde os camelos até aos jumentos (...) Então veio a palavra do Senhor a Samuel, dizendo: Arrependo-me de haver
posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir e não cumpriu as minhas
palavras").
Lembro-me que o Museu Imperial da Guerra, em Londres, no seu
último e superior nível, traz um quadro sobre as guerras contemporâneas, o qual,
há aproximadamente seis anos atrás, já era impressionante. Terá sido
atualizado? Se não, infelizmente há muita pesquisa pela frente.
Por falar em museu, quando é que daremos a devida importância ao papel da religião para discutir a guerra e o mundo de hoje? A
história certamente não começa no 11 de setembro de 2001 e neste episódio, por certo, igualmente não se encerra (tanto que, faz dias, o golpe militar aplicado no
Egito fez o ‘favor’ de considerar a oposição muçulmana como terrorista).
Que venham tempos de paz entre o mundo ocidental, muçulmano
e outros mundos. Respeitar a pluralidade religiosa é questão de ordem (e paz). Que, como diria Galeano, este mundo possa estar realmente
“grávido de outro”, com liberdade e tolerância religiosa, no qual cada um
esteja satisfeito com a busca e a fé (ou ausência dela) na sua crença (ou
não-crença).
Católicos, protestantes, judeus, budistas, seguidores de
religiões de matriz africana e islâmicas, uni-vos com sabedoria, tudo para que a religião
seja saída, não ópio e motivo para determinismo geradora de mortes. Onde este ódio
estiver, não importa o lado, aí reside o lado negativo do fundamentalismo.
São tempos de uma nova “cruzada”, a da tolerância e da
convivência, legado que felizmente é próprio da América Latina, que talvez,
para além do poder cidadão, do novo constitucionalismo, também tenha esse valor
para ensinar e reproduzir no mundo.