terça-feira, 24 de março de 2009

Garimpando "ouro" e produzindo "lixo": manual prático de como degradar o ambiente


Tal como ocorreu em relação às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade, a defesa e proteção do meio ambiente, pelo menos no marco teórico-legal, atravessou o paradigma da “indiferença” rumo à “proteção integral.

Da teoria à prática, porém, a distância é enorme, para não dizer propriamente “amazônica”.

Na desumanidade padronizada global, não obstante proteger e preservar o meio ambiente devesse constituir compromisso ético e obrigação cívica de todos, nos termos da Constituição da nossa República (artigo 225), mesmo constituindo a defesa do meio ambiente sprincípio da ordem econômica (artigo 170, V), a verdade é que estas promessas "democráticas" constituem-se em palavras menores abandonadas (a expressão aqui é do sensível jurista LUIS EDSON FACHIN) perdidas na dinâmica fria do velho e histórico conflito nunca esquecido: capital e trabalho. Definitivamente, não pode surpreender o fato de a barbárie ambiental caminhar de mãos dadas com a exploração e a falta (cada vez mais "lacaniana") do trabalho, problemas cada vez mais contemporâneos.

Na engrenagem viciada do sistema capitalista, hoje experimentando, mais uma vez, o gosto amargo da queda dos seus frágeis e até então quase intocáveis “muros”, não é por acaso que, da extração do metal precioso cuja descoberta encanta o imaginário (ouro) até o esquecimento e abandono dos muitos resíduos produzidos pela sociedade líquido-consumista (e seu lixo), acabe sobrando grave degradação do ambiente e a percepção nefasta de que tratamos o planeta como se ele, tal como nós, tivesse “prazo de validade”, como se o mundo valesse apenas para nossa existência de seres-aí (bom exemplo de que a preocupação com o “outro” está longe de ser prioridade), verdadeira “troca impossível” (BAUDRILLARD).

Da mesma forma que a extração do “ouro” produz impacto ambiental gigantesco, processo no qual, para descolamento do minúsculo metal escondido na rocha com freqüência a perigosa liberação química de mercúrio, que, em meio à exploração insalubre, cretina e indigna da servidão alheia, abre verdadeiras e desesperadoras crateras capazes de "sangrar" não apenas a crosta terrestre, mas a saúde do trabalhador-escravo (ex: La Rinconada – Peru, para lembrar os incas, embora também pudéssemos falar do “rombo” de Batu Hijao, na Indonésia), a forma criminosa com a qual a imensa maioria dos países trata o seu “lixo” ainda atesta o grau estreito da nossa civilização (ex: exemplo disso reside no fato da imensa maioria dos municípios brasileiros ainda tratar seus resíduos vergonhosamente ao céu aberto – 80% segundo IBGE, sem aterros sanitários controlados e licenciados, contando com a insuficiência ou incompetência da fiscalização e a falta de uma política de gerenciamento de resíduos de alcance nacional – vale lembrar que projeto de lei referente ao tema dorme “em berço esplêndido” em meio ao “festival” de desnecessários cargos, virtuais funções e no mais das vezes imerecidos salários existentes no côncavo e no convexo do desacreditado Congresso Nacional).

No caminho desta verdadeira e “diabólica” encruzilhada (que paradoxalmente não seduz nem mesmo traz prazer), enquanto não houver efetiva mobilização da sociedade civil e dos escassos meios da mídia responsável que ainda resistem, pouco se verá e menos ainda se fará para compreender o meio ambiente como direito fundamental de terceira dimensão, situação insana que torna a despreocupação com esses problemas o “curto caminho longo” (aparentemente mais fácil, mas que demora quando não inviabiliza a condução do caminho onde precisamos realmente chegar), verdadeiro calvário que continuaremos tendo que atravessar sabe-se lá como...e com quem...(cuidado com a companhia!)

Assim, da complexa e cruel garimpagem do “ouro” (que no seu lugar privilegiado na “tabela periódica” tanto traz a “jóia” da ostentação para desfrute fútil de poucos como também faz lastro para conservar a economia em apuros produtora de miséria massificada para muitos) à degradação ambiental que inviabiliza uma política humana de gerenciamento e manejo racional do ‘lixo”, respectivamente, sobram exploração do trabalho e desperdício de oportunidades para criar novos postos de ocupação (ex: reciclagem, cooperativas, etc). Quando o “capital” resolve mostrar a sua "cara", nesse caso, há um só ponto comum: destruição do meio ambiente.

Em suma, no jogo "sujo" da poluição ambiental, ao mesmo tempo em que se ignora o valor econômico do lixo como verdadeira "matéria-prima" fora do lugar, superestima-se e sobretaxa-se cada vez mais um metal-deus (elemento "Au") que, mesmo sendo funcionalmente pouco útil, continua sendo histórica, estética e sobretudo economicamente fascinante (ex: ouro – que subiu nada menos do que 235% nos últimos 8 anos).

São tempos árduos de contínuo “desmatamento” do pouco verde que resta, nos quais o “amarelo” do ouro pode ser tudo, menos sinal de esperança... E por aí vai se desbotando as cores predominantes da bandeira (do país e, sobretudo, de uma boa causa para lutar, ainda que isso pareça agora, inclusive, fora de “moda”...lá se vão 17 anos da ECO-92...quem ainda lembra?).

Apesar disso, a comunidade precisa seguir lutando por sua humana sustentabilidade, mesmo que na beira da utopia. Em meio a este verdadeiro “ensaio sobre a cegueira”, é de cada um a “responsabilidade de ter olhos quando os outros já os perderam” (SARAMAGO). Na construção da educação e na “alfabetização ecológica” (CAPRA) podem estar os novos e ainda inexplorados valores, a verdadeira e boa “corrida”...

Voltando à fala inicial, não por acaso a “indiferença” ao meio ambiente (e conseqüentemente às crianças e adolescentes), na cronologia angustiante dos tempos (tão bem abordados por FLORESTAN FERNANDES), ao mesmo tempo que destrói a herança do passado, prejudica e compromete o presente, sobretudo, faz do futuro ruína, compondo o cenário macabro de mais um neo“campo de concentração” (nunca é demais lembrar o holocausto quando autoridade eclesiástica do cristianismo teima inseri-lo no imaginário...loucos tempos)

É o preço do meio ambiente que, no garimpo da “miséria”, padece no leito da humanidade, doente, entre o “ouro” e o “lixo” e suas jazidas, minas, usinas, empregos, vidas... “coração, desejo e sina...tudo mais, pura rotina...". De qualquer maneira, que venha o outono...".quiçá um dia a fúria desse 'front' virá lapidar o sonho até gerar o som, como querer...o que há de bom" (DJAVAN).

3 comentários:

  1. É certo que lutar (só) com palavras é uma luta vã, como disse Drumond, pois enquanto lutamos mal rompe a manhã,
    Mesmo assim, às vezes penso que talvez um aprofundamento da teoria da 'função ambiental' da propriedade pode ter mais futuro do que a 'função social'.
    Gláuber disse que a TERRA é do homem e não de Deus ou do diabo, mas acho que poderíamos alterar isto um pouco para defender que o HOMEM é da terra e não de Deus ou do diabo.
    Que achas?
    Abraço.
    Gerivaldo.

    ResponderExcluir
  2. Cá estou eu novamente,meu querido Márcio,primeiro para dizer que este blog ,teus artigos são instigantes e nos levam realmente à pensar e refletir sobre as coisas que estão aí'A CÉU DESCOBERTO" e ao mesmo tempo"ENCOBERTO'porque muito ou quase nada é feito,para lutar contra as barbaridades que estão aí.AINDA BEM QUE EXISTEM PESSOAS COMO VOCÊ QUE NOS MOSTRAM A BANDA PODRE .
    NÃO VOU NEGAR NÃO.... Gosto de ouro,mas não imaginava que sua extração causava tantos danos. PARABENS LINDO ARTIGO,E ATÉ O PRÓXIMO COMENTÁRIO, HEHEHEHEHEHE.

    ResponderExcluir
  3. Cá estou novamente Márcio, para dizer que este blog e teus maravilhosos e instigantes artigos, nos levam a pensar MAIS, refletir MAIS,sobre as situações que estão aí"A CÉU DESCOBERTO" e ao mesmo tempo "ENCOBERTO".
    J.J.ROUSSEAU disse em DO CONTRATO SOCIAL,: "Os homens não podem criar novas forças,mas só unir e dirigir as que já existem,é formar por agregação uma soma de forças que vença a resistência,com um só móvel pô-las em ação e fazê-las OBRAR EM HARMONIA.

    ResponderExcluir

Dê a sua tesourada, faça o seu comentário: