sexta-feira, 22 de abril de 2011

O "limite" do cinema nacional




1. Uma pena que a “indústria cultural” e a lógica de mercado não permitam que a dita “sétima arte”, o cinema, cumpra com o seu papel de instrumento e ferramenta de conscientização e transformação da dura realidade social brasileira.

2. Longe de termos um cinema autoral, voltado à solidificação da cultura e da identidade tupiniquim mediante discussão de nossos mais graves problemas, a nossa agência de fomento - Ancine, contenta-se com a ridícula cota de exibição de 14 filmes por ano ou 28 dias voltados ao cinema nacional;

3. Os cinemas saíram das ruas, das escolas, das comunidades, do alcance dos movimentos sociais, para a “primavera perpétua” (BAUDRILLARD) dos templos do consumo, os shopping-centers. As películas viraram simples objeto de consumo aos quais desimporta o valor cultural agregado;

4. Mudar esta realidade é o perfil e o desafio posto a cada ser-aí (Heidegger) que não perdeu a esperança de cativar pela educação e chamamento popular à responsabilidade de transformarmos a política pública cultural brasileira;

5. Por outro lado, enquanto a grande preocupação cultural for com a “pirataria” (e a discussão da nova LDA – Lei de Direitos Autorais está aí), pouco há de mudar; some-se a isso o fato de que o investimento orçamentário dos Municípios, Estados e da União é pífio no fomento e na produção de verdadeira cultura e se verá quão tortuoso é o caminho a percorrer, pois muitas são as barreiras e os "limites";

6. Num país arruinado pela catastrófica política do agronegócio, difícil imaginar que não haja espaço para filmes que explorem o desastroso binômio transgênico-agrotóxico; ao contrário, quer-se flexibilizar ainda mais o código florestal para permitir que a Amazônia e o Cerrado sejam ainda mais devastados;

7. Para a realidade brasileira tão carente da efetivação do princípio constitucional da democracia participative, inaceitável que não haja incentivo cultural para produção de cinema-documentário sobre o papel e a funcionalidade dos conselhos sociais gestores e controladores de políticas públicas ;

8. Muito do que aqui se diz e a percepção clara de que “o cinema brasileiro não tem espaço de exibição”, já consta na denúncia de Sílvio Tendler;

9. É hora de não só resgatar o que há de melhor no cinema brasileiro, colocando o rico material do passado à disposição da população para construção de novos roteiros de futuro. É preciso fomentar um cinema propriamente nacional que não se contenha em fazer uma cópia mal acabada do cinema norte-americano pautado pela lógica de mercado; não adianta garantir liberdade de expressão se tudo aquilo que se produz fora da lógica de mercado não tem espaço para divulgação! E não se espere que as "telenovelas" resolvam o problema, muito longe disso, já que os meios de comunicação social, sabemos, tem suas pautas mais do que "oportunistas", com raras e pontuais exceções;

10. Se o fomento e o financiamento do cinema nacional não mudar os parâmetros axiológicos e os critérios que definem o que interessa e o que não interessa, definitivamente não saíremos do lugar; ou será que é possível desconfiar da possibilidade de reflexão e transformação contida num “Pixote” (Hector Babenco) ou mesmo do contemporâneo “Justiça/Juízo” (Maria Augusta Ramos)? Por mais que o público pareça gostar de “chanchadas” passadas (que até pouco tempo atrás rodavam em rede nacional pela TV bandeirantes), da dupla 1 e 2 do“Tropa de Elite”, “Bruna Surfistinha” ou “VIP’s”, é de se perguntar se entre boas produções como “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles)será que não pode haver nada de novo para lembrar os "bons tempos" da Embrafilme (1969/1990)? Entre o documentário e ficção, será que não dá para combinar as narrativas para algo voltado à discussão crítica e emancipatória dos problemas nacionais? A prevalecer a lógica atual, fomos do cinema mudo ao falado com muita tecnologia e sem grande distinção de conteúdo, o que é preciso repensar. Afinal, "sem linguagem nova, não há realidade nova" (Glauber Rocha).

11. Para o cinema de “bilheteria” não faltarão financiadores privados, o espaço deste tipo de produto já está garantido pela “mão” nada invisível do mercado; já para os filmes voltados a questões de interesse e de conscientização social, ou se tem uma eficiente politica pública preocupada com o incentivo à cultura pela qualidade e natureza do que se produz ou, então, ótimas iniciativas continuarão naufragando na lógica de mercado, que não permite produção de cultura com qualidade;

12. O desafio está difuso em cada um de nós e, sobretudo, concentrado na responsabilidade das pessoas (Ana de Hollanda, Ministra da Cultura) e instituições (Conselho Nacional de Políticas Culturais) que podem operar e determinar novos rumos para a política pública nacional sobre cinema, arte a espera de novo cimento e tijolos para permitir a construção de algo verdadeiramente "novo", que nos faça lembrar, um pouco, de Glauber Rocha, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Eduardo Coutinho ou Leon Hirszman. Até lá, que venha o eurocentrismo de Cannes (11 a 22 de maio), sem Deus e o Diabo na terra do Sol, Ganga zumba, Vidas secas, O cangaceiro, O pagador de promessas ou Terra em transe.

14. Na realidade atual, é possível se valer da metáfora de Mário Peixoto para deixar muito claro que, na realidade cinematográfica nacional, no universo do capital, é o mercado que "abraça" e, ao mesmo tempo, com isso, coloca a "algema"; é hora de sairmos desses limites.