sábado, 16 de maio de 2020

Sobre limites e responsabilidades: o texto de "Mourão" no Estadão, "decrifa-me ou..."





O Vice-Presidente da República (que, importante lembrar, goste-se ou não, é tão "eleito" quanto o Presidente da República, o que vale para dizer que não será "golpista" caso eventualmente assuma, mas também para reconhecer que eventuais vícios no processo eleitoral das Eleições de 2018  podem necessariamente alcançar a legitimidade da sua escolha), Antonio Hamilton Martins Mourão, também conhecido como "General Mourão", publicou um texto em 14 de maio de 2020 no Estado de São Paulo denominado "Limites e responsabilidades".

Na estrutura dos seus argumentos, pode-se destacar 17 (o número é mera coincidência, será?) pontos:  
1) "que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde; por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e, por suas consequências pode vir a ser de segurança"; 
2) que no enfrentamento da pandemia "nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil"; 3) crítica da "polarização que tomou conta de nossa sociedade", pois até mesmo a "opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada"; 
4) que o essencial para qualquer problema é "sentar à mesa, conversar e debater"; 
5) que a imprensa precisa "rever seus procedimentos nesta calamidade", pois "opiniões" (...) "devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação";
6) que o ambiente de convivência e tolerância deve vigorar numa democracia; 
7) "degradação do conhecimento político"; 
8) que o Brasil não é uma confederação, mas uma "federação"; 
9) que os Estados da federação não estariam procedendo com boa-fé; 
10) que tudo isso prejudica a "imagem" do Brasil no exterior; 
11) que a acusação da "destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global" é "leviana", pois "haveria um "esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável"; 
12) que a situação é grave, mas não é insuperável, "desde que haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País"; 
13) Que as medidas isolamento social foram "desordenadas"; 
14) que a economia do país está paralisada e que há ameaça de desorganização do sistema produtivo, citando como exemplo "as maiores quedas na exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram riqueza"; 15) que a "catástrofe do desemprego está no horizonte; 
16) "enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo"; 
17) que "há tempo para reverter o desastre", "basta que respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas".

No seu texto constam algumas ideias sobre diversos e variados temas. Pandemia no mundo e no Brasil. Suposto isolamento social "desordenado". A importância do diálogo e da tolerância na política e na democracia. Crítica à imprensa e falta de isonomia na circulação da opinião. Judicialização. Federação brasileira e o papel dos Estados. Meio Ambiente e Amazônia. Economia e industrialização do país. Falta de "sensibilidade das mais altas autoridades do País". Estatísticas seletivas. Discórdia. Corrupção. Oportunismo. Desastre. Responsabilidade. 

Sob o ponto de vista de amparo referencial ao que se afirma, o mais próximo que há no seu texto é citação da Constituição dos Estados Unidos (17 de setembro de 1787) e em citações de dois "federalistas", no caso, John Jay, James Madison, para depois chegar em Amaro Cavalcanti em uma obra do século XIX.

Mesmo assim, como mostram os trechos em destaque, a depender da interpretação, é possível concordar com parte das ideias lançadas no seu texto, dependendo da justificativa para o argumento e de quem sejam os seus destinatários. 

A sociedade brasileira, no seu todo, precisa discutir e preocupar-se a a partir desse texto.

Entre as muitas perguntas (e respostas e contestações igualmente possíveis a diversas afirmações, algumas das quais são de outro lado inaceitáveis, dependendo de novo da interpretação) destaco uma: qual é o principal significado ou a essência da "crítica" de Mourão? A quem ela se dirige?  Em parte, ao próprio governo? Quais trechos desse texto seriam destacados por ele como os principais momentos da sua "mensagem" à nação? 

Ou o texto é mesmo como parece, propositalmente dúbio e confuso, como é o governo do qual o "General" ora investido de "Vice-Presidente" forma parte?  

Não será melhor tentar "decifrar" os enigmas do texto antes que corramos o risco de sermos "devorados" pelo seu autor logo ali adiante?





sábado, 2 de maio de 2020

União Europeia e COVID-19: um fracasso



A terrível pandemia COVID-19 (mesmo com sua letalidade aparentemente subavaliada, com números certamente maiores que os oficiais), entre diversas outras reflexões, coloca em teste forte, a União Europeia e seu projeto multilateral.

A falta de cooperação inicial do bloco europeu com o problema (iniciado na Itália e até aqui o país europeu mais duramente afetado pela pandemia), o fechamento de fronteiras como solução egoísta, a falta de solidariedade e incapacidade para ajuda recíproca colocaram o modelo da União Europeia em discussão, pelo menos para uma crise sanitária como essa.

Até agora assistimos, no geral, a ideia de "cada um por si" e nada de uma União Europeia eficaz e eficientemente "por todos", o que enfraquece o importante ideal comunitário, alimentando discursos xenófobos e de extrema-direita já existentes.

Na projetada geopolítica pós-pandemia, de um mundo mais globalizado, "cartelizado" e tecnológico, é de se questionar qual será o lugar de uma União Europeia já enfraquecida com a saída do Reino Unido e com o fato de outros países cogitarem uma resposta similar.

Ontem, uma matéria do "Le Monde" mostrou como parte dos dirigentes da União Europeia subestimaram a pandemia.

Um bom exemplo passa pela postura da sueca Ann Linde, em entrevista dada em 10 de março. Questionada sobre o problema das mortes na Itália, afirmou que "a saúde é da competência dos Estados, não da União Europeia", limitando-se a dizer que estava "acompanhando a situação na Itália".

Será que a União Europeia tinha e tem uma preocupação comunitária na perspectiva sanitária?

Quem achava que uma crise sanitária não desencaderia uma crise política ou mesmo um colapso econômico (este, já anunciado por Christine Lagarde,  Presidente do Banco Central Europeu)?

Fala-se numa redução de PIB na zona do euro de 5% a 12% ao ano. Resta ver como responderão as quatro maiores economias (65% da soma das economias do bloco), 3/4 delas atingidas fortemente pela pandemia: Alemanha, França, Itália e Espanha,

Mais: qual será a proposta de (re) industrialização da Europa pós COVID-19, inclusive para os insumos de saúde necessários para assegurar a sua "soberania"?

A estrutura multilateral da Europa e o projeto da União Europeia sucumbiram até aqui ao COVID-19. Mas pode ser pior.  Isso porque pode estar em jogo o começo do triste fim da União Europeia.

O desafio está na mão dos políticos europeus, em especial para Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia em começo de mandato, iniciado em 01 de dezembro de 2019.