sábado, 30 de maio de 2009

Simplesmente Nei Lisboa: o “Rei” de Porto Alegre



Pausa no direito, na política, na arte e outros temas para mais um “recorte crítico” musical, afinal de contas, como já dizia Nietzsche, em frase que aprendi com minha mãe (pianista "de primeira" e também filósofa nas horas vagas), “a vida sem música seria um erro”. Alguém dúvida? Sabe como é, mãe é mãe, tem sempre razão...

Gaúcho, nascido em 18 de janeiro de 1959, conhecido muito mais dentro do que fora do Rio Grande do Sul (especialmente porque, reza a lenda, gosta tanto da “terrinha” que não faz muita questão de “expandir fronteiras”), a música, a prosa e a poesia inteligente e particular de Nei Lisboa é certamente parte significativa do que há de mais original e precioso no cenário da música brasileira contemporânea.

Tal como a famosa “Estátua do Laçador” situada nas cercanias do aeroporto Salgado Filho, como as ruas simbólicas do tradicionalíssimo Bairro Bonfim, como o azul, preto e branco do glorioso Grêmio Futebol Porto-Alegrense, como a alegria e a genialidade do escritor Peninha, a figura marcante de Nei Lisboa e suas maravilhosas canções tem a melhor “cara” da capital dos gaúchos, onde o músico, não por acaso, mantém um público apaixonado e fiel (mais ou menos como a torcida "Geral" do imortal tricolor).

Com ele, na aura levitan dos viajantes, é possível percorrer “Telhados de Paris”, nos quais “Venta, ali se vê, onde o arvoredo inventa um ballet, enquanto invento aqui um para mim, um silêncio sem fim, deixando a rima assim, sem mágoas, sem nada, só uma janela em cruz e uma paisagem tão comum”. Quem preferir destino mais exótico, que tal passar “um bom verão em Calcutá, ao som do mar”.....

Em suma, assistir um show de Nei Lisboa, como ensina sabiamente uma de suas melhores canções (Pra te Lembrar) pode ser realmente algo “mais leve que o ar, tão doce de olhar, que nem um adeus pode apagar”.

A propósito, cenário sonoro comum e mesmice rítmica é tudo o que seus arranjos e acordes não são. Basta vê-lo destrinchar seu violão e soltar a voz para ver que toda sua performance é recheada de uma dose cavalar de talento, virtuosismo e tranquilidade... a tranquilidade própria daqueles que amam e, sobretudo, dominam o seu negócio, seu ofício, verdadeira arte e “metiê” de quem exercita o talento como se estivesse em estado de férias permanente.

Não por acaso, além de ter lançado nove discos complexos e singulares em uma carreira exitosa e plena de quase três décadas, Nei Lisboa ainda acha tempo (e qualidade) para escrever. Quem quiser conferir que o seu talento também vale na escrita, confira o romance “O morto pula a janela” (Editora Sulina) ou mesmo a excepcional coletânea de crônicas “É Foch” (Editora LPM).

Em suma, Nei Lisboa é um músico que exala versatilidade, humanidade, sensibilidade e outras boas coisas que, com ele, não se perdem, ao contrário, melhoram com a idade...

E para quem quiser abrir uma janela com o Direito ou só mesmo lembrar um pouco da original desobediência civil de Henry David Thoreau, Nei trata de advertir: “não ando do lado da lei, a lei não foi idéia minha, lamento que o mundo não gire, na velocidade que eu queria...”. Tá aí o recado que muitos fetichistas da “norma” precisariam escutar...

Em Porto Alegre, não por acaso, não por “bairrismo”, mas certamente por originalidade, mérito e qualidade, uma coisa é certa: Nei Lisboa é simplesmente...“Rei”, um "monarca-democrata" capaz de mandar muitos “concorrentes” para a “guilhotina” da vitrola.

Definitivamente, a obra de Nei Lisboa é daquelas marcam um tempo, assinalam uma época, uma geração, carregam uma história, como um bom disco dos Beatles que, como tal, vale a pena guardar como legado de carinho e aprendizado aos filhos... Afinal de contas, como os "anos de chumbo"ensinaram, não esqueçamos que a música pode ser o começo da revolução, uma forma nova, revolucionária e solidária de descobrir e aprender a ver ou buscar um mundo melhor e mais justo. A velha limusine da canção não pode virar lambreta de segunda mão, do contrário, restarão apenas rescaldos de uma mágoa a La Vandré, que tanto mais feroz, tanto mais passa...

Gosto e admiro Nei Lisboa porque ele certamente ajuda a pensar na necessidade de “combater a pobreza das idéias dessa gente que comanda o shopping-center do país”, enquanto “aos poetas, luz e sombra, chatôs e chandons; aos piratas do subúrbio, galeras do rei; às piranhas, carne fresca, turistas no Rio; aos carecas da Jamaica, nada”... Por isso que “cada vez que a corja fala de cultura, Glauber quer quebrar a tampa do caixão”... Por isso que “cada povo tem o novo que merece e o menudo vem com tudo e com razão”... Sempre Nei Lisboa! Esse sim precisava de um “especial” todo final de ano... (garanto que ele não estaria “de” ou passaria “em” branco).

O cara é tão completo e ideologicamente centrado que, claro, tira uma boa “casquinha” e sarro dos irmãos do norte estadunidenses. Assim conta a didática “Deu na TV”: “O presidente dos Estados Unidos, salvou a Terra do choque de um cometa e eliminou os terroristas malvados que ameaçavam dominar o planeta. O Presidente não poupou esforços arremessando aviões e foguetes e embora errando uns tantos alvos mereceu dos seus os seus aplausos. Eu vi, deu na TV, veja você, quase acreditei, mas é de se perguntar: onde é que Watergate foi parar?”

Este sim... this is the man!

Quem ainda lamentavelmente não conhece (e a estas alturas já sabe ou calcula o que está perdendo), convido a experimentar. Justamente esta a serventia dos democráticos (talvez nem tanto) canais e tempos de revolução digital, afinal, como ensina o homenageado Nei Lisboa, no seu primeiro CD, pra viajar neste cosmos não precisa gasolina, tudo no melhor estilo Hi-Fi, um dos grandes discos desse verdadeiro gigante da MPB, infelizmente (ou felizmente) ainda adormecido para a “grande mídia”). Mas, enfim, quem precisa dela?

Obrigado Nei Lisboa! (http://www.neilisboa.com.br/)

Que venha o próximo CD!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O caso Berlusconi, a corrupção, a independência da mídia e o sistema de justiça em jogo: paralelo com o Brasil



Na mesma terra em que CESARE LOMBROSO pensou equivocadamente a idéia do “criminoso nato”, sustentando maior propensão à criminalidade de determinados sujeitos portadores de um específico biotipo físico, o atual caricato Presidente direitista SILVIO BERLUSCONI, não apenas tem semelhança estereotipada com a amaldiçoada ilicitude do “colarinho branco” como está envolvido até a “testa”, com bastante verossimilhança, em verdadeiro e grave escândalo de corrupção.

O fato: nesta semana foi divulgada decisão de segundo grau do Tribunal de Milão (por sua 10ª Seção Criminal) condenando o advogado inglês DAVID MILLS por ter prestado falso testemunho para encobrir fraudes em operações financeiras ilícitas de milhões de dólares envolvendo negócios da família Berlusconi e a financeira Fininvest (evasão fiscal, lavagem de dinheiro, etc).

Os advogados e seguidores políticos do premier italiano BERLUSCONI (e o próprio) alegam que a Justiça tomou uma decisão “absurda” e “escandalosamente política” em nome da “oposição”, mas os argumentos apresentados são aparentemente inconsistentes frente a uma decisão judicial colegiada fundamentada e idealmente imparcial.

Mesmo assim, parte da grande mídia italiana divulgou o fato e, ao mesmo tempo, propôs a pauta do assunto buscando enfatizar, de modo “sensacionalista” e “barato” a idéia da guerra entre o sistema de Justiça e o Presidente BERLUSCONI (em italiano: I giudici X Berlusconi), temática logo conectada à discussão sobre a forma de provimento dos cargos da “magistratura” (que, bom lembrar, na Itália contempla tanto as carreiras do Ministério Público quanto do Judiciário).

Pior do que isso só mesmo o fato de parte significativa da imprensa italiana der dado vazão ao monolítico e desesperado argumento de BERLUSCONI, insinuando que a magistrada presidente do órgão colegiado determinante de sua condenação seria sua “inimiga” política declarada por ser adepta ideologicamente de linhas políticas esquerdistas (la sinistra, como dizem os italianos).

Determinado e famoso programa da televisão italiana (que de modo geral, aliás, é de baixíssima qualidade), ao invés de explorar e aprofundar o fato na sua essência, dedicou tempo precioso para discutir o fato da magistrada presidente do Tribunal (NICOLETTA GANDUS) ter participado do Fórum Mundial de Juízes realizado em Porto Alegre em evento paralelo ao Fórum Social Mundial, como se isso denunciasse certa tendência sua a contrariar a linha política de BERLUSCONI...lamentável.

O episódio permite extração de lições boas e más.

Dentre as boas, importante ver que a Justiça Italiana consegue ter rapidez, celeridade e discernimento suficiente para assegurar, em decisão colegiada de segundo grau, uma sanção criminal que, na sua origem, implica e constrange, ainda que indiretamente, ninguém menos do que o Presidente da República de um dos principais países europeus. Igualmente animador é ver que a corrupção (além de não ser privilégio do Brasil), mesmo nas mais altas esferas, apesar de todas as dificuldades, pode ser alcançada e efetivamente perseguida. Verticalizando o tema, forçoso reconhecer que a idéia exorta a importância da independência do Judiciário e do Ministério Público enquanto instituições fundamentais para resguardo do bem comum e do interesse público, seja na Europa, no Brasil, onde for...

Por outro lado, é de se lamentar que o sistema de justiça brasileiro ainda esteja longe, muito longe, de conseguir julgar e efetivar casos desta dimensão com a mesma celeridade e eficiência, a começar pelo fato de o Poder Judiciário não ter regras claras e objetivas que permitam prioridade no julgamento de delitos envolvendo corrupção ou crime de “colarinho branco” (o único critério “tradicional” ainda seguido é o de “réu preso”, classificação que, pela seletividade do sistema penal, raramente ocorre com os criminosos que desfilam de terno e têm largos braços na mídia e nos poderes constituídos).

No contexto do caso, mais uma vez, é de se lamentar a forma tendenciosa que a imprensa de massa explora o episódio, perdendo a essência na particularidade e no subjetivismo, preferindo enfatizar mais uma manchete sensacionalista beligerante de suposta “guerra” ou mesmo insinuar qual seria a opção ou preferência ideológica política de uma das magistradas julgadoras do que, propriamente, explorar a gravidade das provas e do fato em si.

Aliás, é de esperar que o fato de qualquer membro do sistema de Justiça buscar estudar ou pensar criticamente a sua instituição em um Fórum de debates não possa ser tido como vinculação ou “politização” capaz de gerar perda da imparcialidade, mas sim como consciência do dever de aprimoramento e aperfeiçoamento, além de dever de exercício responsável da cidadania, para o bem da própria instituição e, sobretudo, da sociedade.

Tendo Brasil e Itália mais pontos comuns do que a própria e histórica emigração e os laços culturais, sem dúvida que a maneira através da qual determinado fato de corrupção envolvendo alta escala de poder repercute na Itália permite algumas reflexões críticas “tupiniquins”.

Lamentavelmente, não por acaso, recentemente, o operoso (e corajoso) Juiz Federal FAUSTO DE SANCTIS que julgou e condenou um conhecido e poderoso empresário por corrupção, teve sua independência e fundamentação afrontadas dentro da própria cúpula do Judiciário por Ministros do Supremo Tribunal Federal. O mesmo magistrado chegou a ser questionado na sua “ideologia” por parte da imprensa simplesmente porque citou ou utilizou, na fundamentação de sua decisão, argumento de renomado jurista constitucionalista alemão. Nada seria mais surreal se, recentemente, juízes federais que assinaram manifesto de apoio a este mesmo juiz não tivessem sido instados a prestarem “esclarecimentos” pela Corregedoria do Tribunal ao qual estão vinculados... Como já lembrou CAETANO VELOSO, alguma coisa deve estar mesmo fora da ordem, fora da nova ordem mundial...

Em suma, o mais recente “episódio Berlusconi” e seus reflexos na realidade italiana, como se vê, é um significante a partir do qual, sempre no novelo complexo da linguagem, bricolando de cá e de lá (como ensina o Mestre ALEXANDRE MORAIS DA ROSA), podemos construir vários e atuais significados, mais do que isso, verdadeiros “recortes críticos”. O mesmo pode ser dito e feito a partir dos inspiradores horizontes e sugestivos landscapes do talentoso e singular pintor inglês J.M.W. TURNER, especialmente se tivermos firme a idéia de que a literatura, o direito, a arte, o cinema assim como outras expressões culturais, estão (ou precisam estar) em permanente diálogo de fontes...

sábado, 9 de maio de 2009

A crise e os meios de comunicação: a hora de se aprender com Kandinsky...


Por trás do termo genérico “crise”, de se notar que os meios de comunicação de massa, de modo geral, têm exagerado na sua capacidade e poder de (des) informar. Muitos desses veículos de imprensa, na estreiteza de ângulo que lhes é peculiar, ao mesmo tempo em que realizam bombardeio de notícias aludindo ao tema “da crise”, não produzem suas matérias com conteúdo minimamente suficiente e qualitativo para que a sociedade pense o problema com propriedade, a partir da raiz e origem das coisas.

De outro lado, enquanto falta aprofundamento da discussão do alcance e das múltiplas razões e causas “da crise”, nos mesmos jornais, noticiários e periódicos sobra espaço para desfile das vaidades (quando não frivolidades) dos representantes políticos governistas de plantão, intervenções que, por sua vez, não são submetidas ao debate crítico e construtivo junto com a população, no máximo sendo "mediadas" com as intervenções de alguns selecionados “especialistas”, que são quase sempre os mesmos.

O ambiente é de total falta de legitimidade democrática. A pauta da imprensa nacional, inclusive internacional, copia os piores “tablóides” ao se preocupar com as últimas fotos íntimas que foram descobertas envolvendo a esposa de um determinado governante conservador “de direita” ou mesmo com os filhos reconhecidos posteriormente por outro Presidente latino-americano identificado como “de esquerda” do que, propriamente, com a discussão da diferença dos seus governos e discursos. A pessoalidade é a nota predominante. Qualquer reprodução e acompanhamento de encontro ou visita simbólica aqui e ali fica resumido em cumprimentos, fotos, aperto de mão, quando não propriamente limitado à transcrição de frases de ocasião repetidas exaustivamente sem mínima contextualização, como se todos fossemos idiotas.

Muito se diz, muito se fala da tal “crise”, mas dela pouco verdadeiramente se informa.

As cenas, entrevistas, justificativas e múltiplas projeções ordinariamente teimam em limitar o tratamento da “crise” a motivos econômicos pontuais, postura canalha que, de certa forma, mais parece desesperada tentativa de preservar e esconder a verdadeira ruína patológica do sistema capitalista na metodologia neoliberal e sua forma viciada de funcionamento.

Presenciar os noticiários televisivos, abrir os jornais e boa parte das revistas “de massa” é quase como assistir um filme repetido ou reler determinado livro com a diferença de que o roteiro e a pauta dos assuntos pecam sempre pela falta de originalidade, repetem e “papagaiam” sempre mais do mesmo vazio intelectual no qual nada se aprofunda, nada se discute, nada se problematiza, ao mesmo tempo em que tudo é simplificado a pretexto de que esta é a “vontade geral” (será mesmo?).

Tanto é assim que a “milagrosa” receita revelada para evitar maior desemprego e excesso de produção para falta de demanda de bens de consumo produzidos em ritmo industrial é o ópio alienante e desestruturante da sociedade pós-moderna: consumo, de preferência desnecessário e conduzido impulsivamente pelas necessidades artificiais do mercado, ainda mais se for época de Natal, Páscoa ou mesmo Dia do Trabalhador, datas cujo significado social, político e filosófico, de modo geral, passa ao largo de reportagens minimamente criteriosas e informativas.

De outro lado, generoso espaço é dado para que empresários e banqueiros, que até ontem enchiam os bolsos com os benefícios do sistema de exclusão social, apresentem "apelo público" a subsídios governamentais com a chantagem cretina de que, se assim não for, haverá desemprego. Que dizer então quando a imprensa resolve mostrar a "injustiça" e desnecessidade que é se prender uma milionária empresária acusada de sonegar milhões em impostos ? Do mesmo modo, qualquer “pacto” simbólico selado entre chefes de poder ganha apenas destaque inicial sem nenhum tipo de monitoramento e acompanhado da efetividade do que foi proposto, mostrando que a memória deste tipo de mídia costuma ser altamente fraca e "seletiva".

Todavia, por mais que a grande imprensa pareça ignorar, há quem diga e sustente que o problema “da crise”, muito mais do que passageira tempestade financeira e econômica, passa pela constatação de fracassos da ordem civilizatória.

A falta de identidade, a perda de sentido e sensibilidade nas relações humanas, o fracasso do Estado no cumprimento do seu papel de transformar a realidade somados à ausente quando não propriamente inexistente regulação econômica e financeira da lucratividade do capital parecem ter maximizado os problemas da “globalização” como fenômeno feito para dividir o planeta dialogicamente entre ricos e pobres, entre os que consomem e os que precisam aprender a conviver com a miséria e falta de oportunidades.

A falta de uma imprensa “engajada”, livre, conectada com a população e comprometida com todos os valores do Estado Democrático de Direito pode ser o último ingrediente que falta para que, dentre muitos e plurais problemas, o caos esteja cada vez mais instalado entre nós...

Todavia, caminhos equivocados até aqui seguidos cegamente e não raras vezes sem críticas precisam ser revistos.

Qualquer que seja o prisma do exame, dependendo da “paralaxe” e da perspectiva, na melhor expressão de ZIZEK, afastado o mito histórico e ilusório da liberdade da auto-regulação do mercado como princípio (tanto é que se voltou a falar de KEYNES como nunca) e muitas outras premissas repetidas sem massa crítica, reforçada a crença de que a atmosfera de um mundo mais justo não só é possível como algo urgente e necessário, é de se lamentar o fato de que os atuais representantes dos países historicamente imperialistas (e também a imprensa), no fundo, pareçam estar mais preocupados com o seus problemas egoístas e comerciais internos do que, propriamente, investidos de solidariedade necessária para buscar soluções “globais” de redistribuição de renda e fundos que permitam romper com o desemprego, com o trabalho escravo, com os bolsões de pobreza, com a desaceleração da economia, com a xenofobia, com o financiamento da indústria da arma e da guerra (que faz o verdadeiro terrorismo oficial) e tantos outros problemas vinculados à crise, que, para quem quiser e puder “ver", certamente, vão muito além do que tem sido cotidianamente reproduzido quase xerograficamente...

Basta olhar de modo crítico o quadro que temos para se perceber que a superação da tal “crise” vai muito além de alguns cênicos e cínicos quadros midiáticos que, no fundo, escondem a preocupação de se manter a hegemonia de um sistema que, até aqui, em muitas dezenas de anos de utilização, fez poucos prosperaram ao custo de determinar que muitos tenham de nadar no meio da miséria...


Nesse prisma, não é exagero entender que os mesmos privilégios da monarquia e as mesmas deficiências do Estado Absolutista do Antigo Regime continuam sendo mantidos, ainda que sob “máscara” e "roupagem" atualizada.


O que a maior parte (senão a totalidade) dos países ricos estão tentando fazer até agora, não passa de uma “improvisação” borrada e insuficiente para melhorar um quadro que precisa de traçar novos contornos, de preferência com outras e mais democráticas cores...

Assim, se o efeito impactante da crise demonstra a desgraça de um modelo econômico injusto e perverso, somente a mudança radical de paradigmas poderá permitir a abertura de um novo panorama, o que não se faz com puro e vazio simbolismo, mas sim com uma ação virtuosa, criativa, continuada, eficaz e, sobretudo, libertária (o trabalho do gênio russo KANDINSKY que o diga...).

É hora de se rever o pacto entre as nações ricas e pobres, incluindo as relações de cidadania, comércio a relações exteriores. É hora da imprensa cumprir com o seu papel de permitir a discussão destas questões com o conjunto das forças vivas da sociedade.

Vale arriscar alguma perspectiva. Enquanto, por exemplo, os países historicamente imperialistas e ricos (notadamente o vizinho norte-americano e os gigantes eurocentristas) e também a imprensa não tiverem a alteridade verdadeira (não simplesmente oportunista), de enxergar a África, a Ásia, a América Latina e a parte “marginal” do resto da Europa como espaços de necessário fortalecimento da dignidade dos seus povos, nada virá de novo.

Nesse contexto, recomendável que cada cidadão tenha extremo cuidado para não ser seduzido pelo "canto" simplistas aparentemente persuasivos, porém desacompanhados de base teórica ou medidas práticas adequadas para a sua concretização. Sugestivo que cada “ser-aí” trate de otimizar seu tempo para escolher muito bem o que lê e o que assiste para (re) determinar suas idéias e ações na vida em coletividade.

Sem mudanças estruturais no projeto da sociedade, sem a percepção de que “a crise” do capital financeiro também parece ser resultado do colapso de valores e de objetivos de um modelo de sociedade “doente” e plena de desigualdades, tudo continuará exatamente mal e ao mesmo tempo "fácil" como está.

“A crise” externa não pode ser desculpa para todos os problemas, mas sim ser o ponto de partida para a discussão e busca de uma nova constelação de modelos de ser e estar em sociedade.

É preciso que a imprensa divulgue bases teóricas e práticas para surja novo e libertador projeto coletivo capaz de permitir uma convivência mais equilibrada ou, do contrário, o estado de crise e exceção que hoje vivemos (AGAMBEN) pode se tornar permanente, a face dura e cruel do verdadeiro e oficial “terror”, que não pode continuar sendo patrocinado pela omissão de grande parte dos meios de comunicação.

A cruel ditadura do mercado financeiro precisa ter fim e limite na busca da dignidade e no reconhecimento do “outro” como também “meu” espaço de realização.

Enquanto isso, de se acreditar que minoritária fração “livre” da imprensa possa exercer o papel pedagógico e crítico de catalisar e problematizar estas questões. Abastecer a população de informações eficientes para estruturação dos sentidos e das percepções capazes de conscientizar a coletividade da necessidade de se construir uma nova agenda pode ser importante e decisivo caminho para se construir algo novo.

Veja só como isto é! Será que no efeito e no tempo global já não chegou a época da imprensa livre fazer a diferença?

Enquanto se pensar que a solução para a crise está em se aceitar na simplista injeção de recursos públicos, nos bancos, nas multinacionais e em todos aqueles outros organismos que já se beneficiaram histórica e parasitariamente desse mesmo sistema, tudo o que estará fazendo é continuar dando mais, justamente para quem menos precisa, o que infelizmente não é nenhuma novidade.

A “crise” pode ser uma oportunidade de transformação, mas isso para quem quiser ou tiver meios de entender que o seu alcance e os motivos de seu estrago vão muito além do Estado continuar vivendo mais para servir o mercado financeiro e os interesses do capital do que para executar as políticas públicas necessárias para maior igualdade social.

Que a imprensa “informe” para que o povo, cada vez mais e melhor habilitado e capacitado no exercício do seu discernimento democrático (como sempre tudo passa pela educação), possa tomar sua consciência e cobrar dos governos mudança de rumo que entender necessárias para construção de maior justiça social.