sábado, 2 de outubro de 2010

Política: “Pensando” com Aristóteles, “namorando” com Hannah Arendt e “cantando” com Martin Fierro


“O sentido da política é a liberdade (...) é algo como uma necessidade imperiosa para a vida humana (...) como o homem não é autárquico, porém depende de outros em sua existência, precisa haver um provimento da vida relativo a todos, sem o qual não seria possível justamente o convívio. Tarefa e objetivo da política é a garantia da vida no sentido mais amplo” (Hannah Arendt)

1. O que é política (Hannah Arendt)?

2 Em época de Eleições, de mais uma chamada democrática (e obrigatória) para o que povo escolha seus representantes no Executivo e Legislativo, tempo de refletir sobre os plurais significados do “significante” Política, matéria tão importante, mas infelizmente tão simbólica e um tanto quanto desacreditada, para muitos, não sem razão, vista muito mais como a arte de se manter no poder do que fazer uso deste para atender as necessidades do povo;

3. Se o homem é um ser (animal) eminentemente político (Aristóteles), porque se convive, comunica, relaciona e estabelece vínculos na sua vida em sociedade, evidentemente que a regulação social acaba impondo necessidade de regulação pela presença do Estado, o que faz através de um determinado sistema político, de uma determinada estrutura política, conforme prescrito e estruturado na Constituição, isso nos ditos Estados Democráticos de Direito;

4. Ainda que vivenciamos a “crise da representatividade” e pareçamos ter a nítida impressão de que a falta de educação do povo faz com que as escolhas realizadas,por vezes, estejam longe de priorizar as opções mais adequadas ao interesse da população, salvo a quem interessar viver na escuridão da “caverna” da ditadura, por mais vícios que possua, fundamental que devamos, todos, apostar na democracia, buscando sempre aprimorar o seu funcionamento, o que não se faz sem duas palavras fundamentais: consciência e participação;

5. Nesse contexto, a Política nada mais é do que um instrumento para convivência coletiva, ferramenta indispensável para administração do interesse público em prol das necessidades maiores do conjunto da população. Serviços de relevância pública e interesse geral, tais como saúde, educação, moradia, saneamento, justiça, segurança pública, previdência social, meio ambiente, tributos, jornada trabalhista, benefícios da assistência social, eficientes meios de transporte, quantidade e qualidade de legislação, fiscalização do Executivo, crença em instituições responsáveis e confiáveis, probidade administrativa, dívida externa, todas estas matérias, seja na administração (Executivo), seja no âmbito do Legislativo, passa pela escolha e pela decisão da soberania popular, exercida através do voto direto e secreto, como previsto constitucionalmente;

6. Problema é que a frustração sucessiva para construção deste projeto de sociedade, medida que parece consolidada e um tanto quanto sedimentada, mesmo em democracias recentes como a nossa, carrega o gosto amargo do (des) engano, do desencanto, da decepção, vale dizer, a incapacidade da política corresponder às reais necessidades e ao interesse da maior parte da sociedade de um país de quase 200 milhões de pessoas, pleno de carências e vulnerabilidades, uma nação que foi colônia de Portugal, que experimentou séculos de escravidão, históricos de crise, mas que, sobretudo, precisa ser sentida, ainda que no plano imaginário, como “pátria”, amada como “mãe” gentil por seus filhos, para que aqui paire e brilhe o “sol da liberdade em raios fulgidos”;

7. É claro que ainda falta muito para que o projeto da Constituição Brasileira, delineado no seu artigo 3o, seja alcançado, mas é justamente que para ele se aperfeiçoe que precisamos periodicamente da Política, ainda que esta se faça com vícios, com deficiências, que precise ser aprimorada, repensada e refletida; tudo que não se pode fazer é desacreditar na possibilidade de transformação, na fatalidade das coisas, pois, verdade seja dita, as opções que não trazem a governabilidade ou a produção legiferante adequada também passam pela chancela e responsabilidade popular; por maior que seja a (des) ilusão, o Executivo e Legislativo que temos é espelho da escolha popular, ainda que saibamos que esta é terrivelmente influenciada não só pelo poder econômico, pela compra de voto, pela manipulação dos fatos pela mídia, mais do que isso, pelas pesquisas eleitorais, instrumento último que num pais de modernidade tardia e de baixa auto-estima como o nosso mais parece induzir do que esclarecer;

8. Nessa ótica, é de se perguntar se a saudável Lei do Ficha Limpa, medida de brilhante mobilização e iniciativa popular, que recentemente teve sua validade e eficácia discutida pelo Supremo Tribunal Federal (num empate cheio de indefinição), não acaba sendo um atestado da absoluta falta de aposta na capacidade do povo brasileiro propiciar resposta pedagógica e consciente nas urnas para o fim de excluir, pelo voto, como deveria de ser, qualquer tipo de mandato, justamente os candidatos envolvidos com desonestidade, ineficiência e irregularidades na gestão de recursos públicos propriamente ditos...talvez isso fosse o ideal, a melhor e mais emancipatória resposta, porém assim não acontece;

9. De outro lado, qual raiz sociológica que explica o fato de determinados agentes políticos comprovadamente envolvidos em casos de corrupção ainda não terem recebido o julgamento definitivo dos seus casos, o qual pode implicar em condenação que suspenda por tempo determinado os seus direitos políticos (ativo – de votar; passivo – de ser votado)? Por que não existe prioridade do Poder Judiciário no julgamento desses casos? Será que não tem algo de errado num sistema que conta nos dedos da mão a responsabilização derradeira de agentes políticos e parlamentares acusados de crimes ou chamados à responsabilidade pela improbidade administrativa? Nesse contexto, a Lei do Ficha Limpa parece um “atalho” necessário para a realidade que vivenciamos, mas seu propósito moralista e de excelentes intenções talvez esconda, no meio do caminho, o maior lado do problema, leia-se, falta de educação e formação para cidadania do povo brasileiro fazer boas e democráticas escolhas, além de cobrança para que o Poder Judiciário brasileiro, uma vez demandado, seja eficaz na responsabilização e julgamento definitivo dos políticos envolvidos e submetidos à apuração, tudo o que não temos...Ainda que a eleição de critérios de elegibilidade que considerem a “vida pregressa do candidato” nada mais seja do que uma prescrição coerente com a dicção do artigo 14, parágrafo nono, da Constituição, na antecipação e na necessidade de filtro da democracia, talvez aí esteja um assunto que precisamos melhor discutir e resolver;

10. Certo é que a muitos (não poucos) interessa denegrir e desacreditar a boa Política, atividade que, mais do que nunca, precisa ser feita com “p” maiúsculo, com vocação para discussão dos temas de interesse social, o que lamentavelmente ocorre a cada quatro anos, muitas vezes sem um projeto definido, como é o caso dos atuais candidatos preferidos das “pesquisas” para a Presidência da República (pode?).

11. A verdade é que a muitos interessa desestimular a população a participar do processo político, dos canais da democracia, que, apesar das deficiências, do descompasso existente entre teoria e prática, precisa ser urdida não apenas por famigerados, plurais e hoje um tanto quanto corrompidos e enfraquecidos partidos políticos (polarizadas que estão as forças entre duas ou três agremiações, numa reforma política que nunca chega), mas principalmente pela força vida da sociedade civil e dos seus movimentos sociais...

12. Pena que discutir os maiores interesses da sociedade brasileira, pena que debater a democracia e as necessidades do país, de cada Estado ou unidade federativa, ainda não seja missão rotineira e permanente, seja nas instâncias dos poderes constituídos, seja na percepção e pressão a ser exercida pela sociedade civil...os espaços e oportunidades já estão aí, já é possível achar e exercer juízo critico sem risco de amanhecer e não ser mais encontrado, porém a estrada ainda é longa, sinuosa e precisa de longas placas de sinalização e instrução sobre o conceito de cidadania, pressuposto para que tenhamos uma democracia de verdade;

13. Por essas e outras, amigo (e) leitor, que a Transparência Brasil presta um enorme serviço à sociedade brasileira, por exemplo, quando disponibiliza, em seu sítio eletrônico (www.excelencias.org.br), ficha completa com dados patrimoniais, histórico legislativo, histórico de envolvimentos e denúncias de irregularidades noticiados na imprensa, interesses, principais financiadores, enfim, todos os dados da “caixa preta” do patrimônio de cada um os candidatos ao parlamento brasileiro...acesse, confira, divulgue! São tantos os (des) caminhos entre política e poder que precisamos apostar na capacidade de observação popular sobre o que acontece...

14. De resto, que venha mais uma Eleição...que o povo brasileiro assuma e se responsabilize pelas suas escolhas, certas ou erradas, na melhor matriz existencialista....que a atenção para as questões de interesse geral e público e a necessária pauta ética que deve reger as instituições do Executivo e do Legislativo não fiquem esquecidas da própria população, distante da ocupação dos meios de comunicação social.... que cada cidadão brasileiro tenha a consciência não apenas do “voto consciente”, mas da necessidade de fazer valer e monitorar de modo permanente o que é feito com a gestão dos seus próprios interesses, a percepção de que não adianta se alienar ou se distanciar da política, especialmente quando se é governado e administrado por ela, máxime quando a alteridade obriga que eu enxergue na minha escolha resultados para aquela parcela da população que mais precisa e depende do probo funcionamento das instituições, não de agentes que lá estejam para o auto-benefício...Política precisa representar liberdade, oportunidade de cada cidadão viver dentro de um Estado que lhe permita ter o mínimo de dignidade e de estrutura para buscar a sua própria felicidade...Ser “político”, na matriz verdadeira do adjetivo/substantivo, precisa carregar o significado de ser cidadão, de apostar na democracia, de pensar e refletir sobre tudo aquilo que é “público”, que precisa ser feito para o povo...Ou nos apercebemos logo disso ou continuaremos experimentando “mais do mesmo”, provando do mesmo veneno que até aqui, em maior ou menor grau, como o mito da Medusa, paralisa a possibilidade de transformação verdadeira da sociedade brasileira enfrentar e derrubar o “muro” dos seus problemas, o dito e anunciado “Brasil profundo”, mistério que ainda precisa ser descoberto e revelado, individual e coletivamente, necessariamente fazendo Política, como que cantando, abrindo e fechando a democracia do 03 de outubro de 2010 como “oportunidade” que precisa ser vista com algum necessário otimismo, se preciso com a aposta e o resgate da ingenuidade da infância (e a mensagem da "Cuca" de Tarsila pode inspirar...). Não é outra a mensagem de bravura e esperança que sobressai da transposição didática de Martin Fierro...“Aqui me pongo a cantar (...) que ayuden mi pensamiento, les pido en este momento, me refresquen la memória y aclaren mi entendimento (...) cantando me he de morir, cantando me han de enterrar y cantando he de llegar (...) Y si canto de este modo, por encontrarlo oportuno, nos es para mal de ninguno, sino para bien de todos” (José Hernandez - fragmentos compostos de Martin Fierro)

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