terça-feira, 12 de outubro de 2010

Descobrindo fragmentos e passagens rasteiras da matriz sociológica de MAX WEBER...


“A ação social, como toda ação, pode ser determinada: 1) de modo racional referente a fins; por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para alcançar fins próprios, ponderados e seguidos racionalmente, como sucesso; 2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja a sua interpretação – absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado” Max Weber -Economia e Sociedade.

1. Max Weber (1864-1920) é uma fisionomia intelectual que, como todo gênio ou clássico, desperta enorme ambigüidade no contexto da sociologia enquanto ciência. A complexidade de sua obra (em parte póstuma), bem simbolizada no clássico ‘Economia e Sociedade’, produto de discutível e aparentemente inconciliável sistematização, torna a sua leitura ordinariamente penosa, de reduzido fluxo, por maior e mais curiosa que possa ser a recompensa traduzida pelo rico conteúdo, cercado de mistério, de sentidos ditos e significados um tanto quanto ocultos, quando não aparentemente contraditórios, o que talvez se explique pela ingênua pretensão de neutralidade axiológica por ele defendida (como se fosse possível fazer sociologia sem tomar partido, achar que há como discernir de modo rigoroso o julgamento dos valores das relações feitas a determinados valores, um dos aspectos trabalhados e discutidos nos seus estudos...). A propósito da aridez e do complicado acesso ao pensamento do autor, não por acaso uma das maiores autoridades no estudo de Weber no Brasil, Professor Gabriel Cohn, chegou a dizer que “a proporção de weberianos que atravessaram Economia e Sociedade de ponta a ponta é a mesma ordem da dos marxistas que estudaram os três volumes de O Capital”.

2. Um dos maiores méritos do seu referencial legado sociológico reside, justamente, na diversidade da sua formação e de suas projeções explicativas, as quais abrangeram estudo da economia, política, filosofia, direito e, num certo grau, até mesmo as implicações sociológicas da religião e da própria música. Basta olhar a biografia de Weber, que foi professor, jurista, deputado, oficial do exército imperial, tendo chegado até mesmo a dirigir um grupo de hospitais na Primeira Grande Guerra (1914-1918), momento histórico que, uma vez cessado, implicou na sucessiva participação do autor como consultor do Tratado de Versalhes e da própria Constituição de Weimar, momentos que antecederam o começo do fim da sociedade alemã com ascensão e queda do nazismo (1933-1945).

3. Atravessado por uma visível paixão pela teoria da ciência, marcado por um profundo conhecimento transversal de perspectiva histórica (tematizado nas sociedades antigas, cidades autônomas, Grécia, Roma, feudalismo, etc), não se pode deixar de considerar que, de certa forma, foi WEBER um “existencialista” precoce que buscou discutir o processo de atribuição de sentido e de apropriação subjetiva do comportamento humano, postura digna de ser valorada e dimensionada na importância devida, especialmente porque praticada numa época em que a percepção da liberdade não tinha a mesma coloração dada posteriormente a tragédia da guerra como conflito e espaço de morte e da própria contemporaneidade como era de perda da subjetividade como atributo.

4. A racionalidade calculista e asséptica pelo resultado visado, a persuasão racional pela convicção e pelo valor, o encantamento com as influências de ordem afetivo-emocional e o legalismo e o impacto da tradição de usos e costumes, por exemplo, foram prismas pelos quais o raciocínio weberiano desfilou conteúdo na abordagem dos seus tipos-ideais, da discussão de como cada indivíduo e cada grupo social constitui seu processo de atribuição de sentido e de definição de interesse e motivação pelas coisas e pelo mundo.

5. Temas interessantes estiveram ao seu alcance sob a perspectiva da racionalidade, dentre eles o conceito de ordem legítima, a discussão das relações de representação, a distinção entre poder (probabilidade de impor a própria vontade numa relação social) e dominação (probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo), além do gosto e a discussão pela natureza da administração pública, a defesa da burocracia, do diferenciado debate sobre o grau de influência que pode existir entre as religiões e os cosmos da sociedade. Sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo” traz o entendimento de que o movimento protestantista teria favorecido sobremaneira o desenvolvimento dos postulados capitalistas, dentre outras causas, pela idéia de que a incerteza quanto a “salvação” precisaria compensar esta angústia com particular dedicação ao trabalho justamente para transmitir a sensação de que o êxito econômico pode me fazer crer que serei um dos “escolhidos”, ponto central de intensa polêmica na obra do autor).

6. Mas é possível enxergar muito mais, especialmente para quem recebeu influência de Karl Jaspers e teve em Lucáks um de seus discípulos. Para além da relevante classificação das formas de dominação pela via racional, tradicional ou pela natureza carismática, para diante da “sociologia compreensiva”, da defesa da organização racional e burocratizada da administração como caminho, o mergulho na matriz (e no penhasco) do pensamento weberiano pode até mesmo servir de caleidoscópio para travar discussão sobre o sentido da felicidade como simples possibilidade de busca, o que pode ser feito, por exemplo, dentro da idéia de que a defesa da valorização das ações sociais comprovadamente autênticas e justificadas no valor, na emoção, no instinto e na própria individualidade podem revelar novo caminho para que a construção de uma “seleção social” marcada pelas possibilidades e oportunidades passíveis de serem percorridas e preenchidas por cada indivíduo (ainda que exista quem ache que Weber foi tão ou mais longe que Maquiavel para justificar determinadas posturas em prol do interesse público e das razões de política de Estado...aqui a travessia não é nada segura).

7. Prova de que a leitura de Weber (apesar de desgraçadamente prolixa) pode ser reveladora e libertária reside no fato do autor, ao tentar abordar a inteligibilidade das conexões e intenções humanas, ter abordado e discutido as relações e imbricações entre política e economia, contexto no qual chegou a examinar a própria categoria do político como profissão e vocação, temática sempre atual, especialmente àqueles que, como Weber, ao mesmo tempo que mostram gosto e apreço pelo espaço público, o que inclui discurso de justificação quanto a necessidade de profissionalização e treinamento do “quadro administrativo burocrático”, de outro lado não perdem e vista uma certa e considerável desconfiança pela democracia como sistema....aspecto que por si só torna sua leitura um tanto quanto interessante, distanciada do senso comum e do “ponto cego” que a temática alcance na realidade atual do ocidente.

8. Por essas e outras que este sociólogo que apostava na ação individual e na relação social como um campo de referências recíprocas acaba construindo uma linha sociológica um tanto quanto original, bem diferente dos postulados de DURKHEIM, de certa forma distante do pensamento e matriz marxista, ainda que a fusão de horizontes da política e economia possam traduzir pontos comuns entre “economia e sociedade” e “o capital”.

9. Ainda que o acesso ao seus estudos esteja muito longe de ser considerado didático, cuidou WEBER de estabelecer uma preocupação com categorias e conceitos sociológicos fundamentais ao mesmo tempo em que preocupou-se e dedicou-se a aprofundar a análise e abordagem de aspectos específicos de seu pensamento, o que fez com que este explorasse a teoria da ciência, a conciliação necessária entre história e pensamento sociológico, a sociologia da dominação, religião,do direito, a relação de tensão que por vezes se estabelece entre a convicção do cidadão e da responsabilidade do homem de Estado, o sentido da economia e assim por diante.

10. Teria sido este estudioso alemão individualista quando entendia que a sociedade era composta de ações individuais que precisariam buscar um visado sentido subjetivo? Seria mesmo Weber responsável pela idéia de “desencantamento”, ladrão do “sonho” de uma sociedade mais igual, ainda que este fosse completamente contrário a qualquer forma de determinismo, ainda que ele apostasse na autoridade e na dominação pelo valor ou pelo lado afetivo e da sensibilidade do ser humano? Essas e muitas outras questões sem resposta pré-dada podem ser extraídas da travessia intelectual repleta de interessantes passagens do universo weberiano, aqui grosseiramente percorrido e tangenciado, mais como estímulo a interlocuções futuras e tesouradas críticas sobre sociologia do que com qualquer absurda pretensão de síntese...Agora é esperar as tintas, luzes (ou pedras) dos legítimos “weberianos”....

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