quinta-feira, 11 de junho de 2020

A perda de Carlos Lessa: um economista estruturalista preocupado com o Brasil






"Qual é o Brasil que nós queremos? Eu tenho um Brasil do meu sonho e do meu coração [...] Esse não é um sonho compartilhado de maneira inequívoca. Acho que nós temos que avançar nessa discussão [...] O debate brasileiro ainda não está centralizado sobre o Brasil que nós queremos! [...] Qualquer saída brasileira passa por pensar uma alternativa a essa falta de centralidade" 


Carlos Lessa, em entrevista ao Programa Faixa Livre, 05 de janeiro de 2017. 

A economia brasileira perdeu um importante diferencial no último 05 de junho.

O falecimento de Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa - Professor emérito no Instituto de Economia da UFRJ e em diversos outros espaços de ensino e produção de saber, que  também chegou a ser Reitor da mesma universidade (entre julho de 2002 a março de 2003) - aos 83 anos, evoca um luto significativo e o "vazio" próprio daqueles que, na sua vida transformadora, impactam positivamente a realidade.

Lessa era um economista defensor da universidade pública brasileira, motivo a celebrar em tempos em que a economia brasileira do governo ainda "de turno" é liderada por um Ministro que, em reunião ministerial, confessou o desejo de colocar uma "granada" no servidor (e por consequência no serviço) público.

Lessa graduou-se pela UFRJ em 1959, tornou-se Mestre em Análise Econômica pelo Conselho Nacional de Economia e Doutor em Ciências Humanas pela Unicamp (1980).

Mais uma vítima ilustre da pandemia COVID-19, ele sim era um verdadeiro apaixonado pelo Brasil e pelo Rio de Janeiro que, na sua palavra, agregava "melhor e o pior" do Brasil. Não por acaso fundou o Instituto da Brasilidade.

A parte final até hoje não aplicada na prática pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e "Social"- BDES, instituição que também chegou a ser Presidente entre 2003 e 2004, é mérito seu e de suas ideias. 

Entre elas, também havia espaço com a preocupação sobre a cidade, diante da constatação de que o Brasil é um país urbano "metropolizado" sem uma discussão séria sobre a questão "metropolitana".

Além disso, apostava na juventude. "A juventude, que posição vai assumir? Uma coisa essa juventude sabe ou está percebendo de maneira cada vez mais intensa. Não há saída de globalização. Ou a saída é procurada pela unidade, reflexão e organização da vida nacional ou não tem solução" e na busca de um "outro modo de ser" pela nova geração que estaria se gestando em condições de mudar o país, como mostraram as ocupações escolares da qual também foi entusiasta.

Carlos Lessa era um economista que, na sua concepção estruturalista, tinha a dimensão da importância da democracia para um verdadeiro desenvolvimento.

Lessa também foi autor de diversos livros sobre não apenas sobre economia, mas sobre cultura e história. Do seu "Manual de introdução à economia" ao "Rio de todos os Brasis", seus escritos e palestras serviram como registro de um saber econômico menos colonial. 

Pelo que se pôde ouvir de suas falas em tempos recentes, além da falta de um projeto nacional, da ânsia pelo "Brasil que queremos", preocupava-lhe o genuíno desenvolvimento e a necessária soberania econômica do Brasil (inclusive, por exemplo, a capacidade ociosa da indústria metal-mecânica automobilística, a aposta na "construção civil" e a busca do desenvolvimento pela "casa própria" como um denominador comum com capacidade de mobilização da sociedade em um dos poucos segmentos com certa hegemonia nacional, à aposta transformadora em possibilidades de economia popular etc), aspectos muito importantes, especialmente em tempo em que o governo de turno mostra todo o seu "entreguismo".

Em suma, perdemos um grande "intérprete" econômico de um Brasil mais independente e justo.

Fará muita falta não mais poder ouvir Carlos Lessa falar sobre a "situação do Brasil", como fez, por diversas vezes, no Programa Programa Faixa Livre (www.faixalivre.org.br). Foi no Programa Faixa Livre (do qual era um confesso ouvinte), aliás, que, em janeiro de 2017, além de outras ideias aqui destacadas, o Professor Carlos Lessa bem diagnosticava que a nossa crise continuaria amadurecendo. Estava certo. 




sábado, 6 de junho de 2020

Ricardo Antunes está certo: o Brasil quer mesmo a "copa" mortífera da COVID-19...



Eu já devia imaginar que a pandemia iria ter um retrato ainda mais triste e genocida na periferia do mundo capitalista. No "sul do mundo" as dores são sempre piores.  

A pandemia anunciada inicialmente como de propagação "democrática" e independente de raça ou classe social, progressivamente, em meio a um cenário de gente sem casa ou com moradias precárias, sem saneamento básico, com um sistema público sucateado e subfinanciado e em um cenário de uma assistência social débil e cambaleante sem ações, programas e políticas públicas suficientes, em meio ao "cassino" do capital, mostra que, sim, ela se transmite com maior velocidade no cenário da  pobreza e da desigualdade.

Mas não só: pobreza, desigualdade, irresponsabilidade e insensatez.

Por mais "esforçados" que pareçam, nossos meios de comunicação (mesmo os mais progressistas) não conseguem se engajar (e impactar) da mesma maneira do que fizeram há poucos dias, quando o COVID-19 era uma "novidade", quando as mortes para mais de mil ocorriam na Itália, na Espanha, na França e nos Estados Unidos, para ficar em alguns reduzidos exemplos.

Como entender que um cuidado necessário (em um cenário com praticamente a ausência de outras alternativas) iniciado em meados de março possa ser "flexibilizado" em pleno junho justamente quando o país não atingiu o sinistro pico de infectados e mortos pelo "coronavírus" (que infelizmente, já superam as dezenas de milhares)? 

O Brasil será um caso único no mundo de desprezo deliberado à vida em meio ao caos pandêmico e suas múltiplas crises (sanitária, social, política e econômica). 

Eu gostaria muito de acreditar que a postura tem alguma razão técnica, sanitária ou epidemiológica para essa "flexibilização" em plena pandemia, mas olhando para a trajetória de alguns "representantes" eleitos, sinceramente prefiro não me iludir. Melhor aceitar que o "mercado", de fato,  para muitos, vale mais do que os "direitos humanos". 

O Brasil é o único país que trocou dois Ministros da Saúde em plena pandemia. Como se não fosse suficiente, nós, que tivemos a Ditadura como o maior câncer da nossa história recente (depois do colonialismo), temos um Ministro de Saúde interino que, pelo que se vê, pouco entende ou sabe não só de saúde pública, mas também da ideia de República, pois nela a "pátria" é muito maior do que o desejo de plantão do governante de passagem.

"Acima de tudo" e de "todos" permanecemos regidos, em maior ou menor grau, por diversos (des) governos que, por suas ações e omissões cotidianas, mais concentradas ou diluídas, em diversas esferas federativas, vão da estupidez à insensatez, flertando com a canalhice e abraçando a "necropolítica". 

Em meio a isso (e às muitas outras desgraças do cotidiano, como a triste morte de uma criança quando sua mãe trabalhadora passeava com o cachorro da patroa), ouço a notícia de que o "dólar caiu" e que a Bolsa se aproxima de uma centena de milhares de pontos. É, é duro dizer, mas muitos certamente acham que os pontos da Ibovespa valem mais do que os pontos negros dos "alvéolos" pulmonares, dos pontos ainda não atingidos nessa curva mortal na qual mergulhamos há semanas, dos pontos que, até aqui (e infelizmente vai piorar), impedem, no mínimo (porque na verdade a estatística real é ainda mais perversa) uma brasileira ou um brasileiro de respirar por minuto!

Em meio a isso, o Presidente da República eleito (e graças "às instituições em funcionamento" ainda no cargo) mimetiza "Trump" e ameaça sair da Organização Mundial da Saúde, o mesmo "Trump" que anuncia o momento difícil do Brasil frente à pandemia posando agora de "responsável".

Como admitir que um Presidente possa anunciar uma propositada omissão de informação sobre um dado sanitário essencial como o número de mortos nas últimas 24 horas (ainda que esse número seja provavelmente muitas vezes menor do que a realidade diante de um cenário de ausência de testes e de escancarada subnotificação)? 

Vidas brasileiras importam ou não? 

Eu felizmente ainda não perdi nenhum familiar, amiga ou amigo pela COVID-19, mas já soube de diversas pessoas de minhas relações diretas ou indiretas que passaram por isso. Será muito pedir um mínimo de "alteridade" e "respeito" pelas pessoas que sequer puderam velar adequadamente a morte e a última hora dos seus? 

Como disse o Professor Ricardo Antunes outro dia (em evento do MP Transforma), o Brasil parece estar realmente olhando para a pandemia e pensando..."essa copa tem que ser nossa".

Será mesmo?