sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Descartes e a razão & a razão de Descartes


“(...) eu tinha certeza de usar em tudo minha razão, se não perfeitamente, ao menos da melhor maneira possível (...) estejamos despertos ou adormecidos, não devemos nunca nos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão” René Descartes.

1. Discurso do método, obra de autoria de René Descartes (1596/1650) é uma leitura interessante e valiosa. Antes de ser texto formal e sisudo, a formulação teórica em questão traduz um diálogo persuasivo do início ao fim.

2. Pensar que este célebre francês, fechado e voltado para a “tranqüilidade” do seu mundo interior, patrono da filosofia dita “moderna”, quis explicar “razão” a partir de conceitos de corpo e alma, a partir da garantia da existência de Deus, não deixa de ser uma brutal contradição. Uma metafísica sustentada sobre a ideia de Deus parece estar mais para teologia, não seria esta uma “clara” e “certa” constatação?

3. De qualquer forma, as quatro “leis” triviais de DESCARTES solidificaram seu pensamento para eternidade: 3.1) o uso da razão acima de tudo, 3.2) o desdobramento por partes das questões complexas, 3.3) a necessidade de ordenação lógica das coisas e, por derradeiro, 3.4) importância dos aportes e contribuições criticas de terceiros para aprimoramento da ideia. Esses quatro parâmetros não deixam de ser importantes referenciais, úteis, inclusive, para iluminar a caminhada científica, tal como feito por KHUN ao tratar do seu conceito de paradigma.

4. Pena que a obcecada busca de “verdade” como projeto de vida, inegavelmente tenha ofuscado uma pretensão que poderia sim, que sabe, ser de verossimilhança....reconhecer a impossibilidade fática de se obter verdade é cada vez algo mais palpável, especialmente no universo da linguagem ou mesmo da filosofia dos sujeitos concretos;

5. Se é preciso existir para pensar, se pensar é sinal de existir, se essas são as faces reversas do cogito, quem sabe poderia Descartes ter concluído que para não se encontrar a verdade basta achar e acreditar que ela exista... Nada mais aprisionador do que se encastelar em cima de verdades, dogmatismo insuperável que traz um tom restritivo a uma proposta filosófica que poderia ser ampliada.

6. Será que a busca da verdade e da perfeição é justamente a engrenagem utópica através da qual René flerta uma “logicidade” que ele sabia ser inatingível? Será a busca da verdade o passo necessário e permanente na busca de uma teoria do conhecimento? Pelo não dito já se vê que o discurso do método pode abrigar muito mais do que “racionalismo”.

7. O mais curioso é que no interior do pensamento de Descartes, no “uso público” da razão, é possível vislumbrar uma alteridade voltada para uma dimensão coletiva do viver, voltado ao serviço da sociedade, privilégio que deveria ser buscado por seres humanos...todos juntos bem mais longe do que cada um em particular poderia ir;

8. Se a natureza do conhecimento e a sua extensão precisam buscar uma razão de uso público, um bem-estar geral, quem sabe não é hora de dar uma (re) leitura do Discurso do método por uma lente mais generosa?

9. Se o leitor acha que os devaneios sobre Descartes ficaram longo demais, nada mais simples e lógico do que orientar o uso da razão e a leitura por partes, seguindo a ordem proposta, tudo para que as contribuições e objeções de todos sejam levadas em consideração.

10. Afinal de contas, já que conduzimos nossos pensamentos por vias diversas e não consideramos as mesmas coisas, Descartes e a razão & razão de Descartes pode sim, porque não, ser uma tema em aberto à conversação, mais do que isso, uma gaveta puxada à espera de atualização;

11. Pensar para existir, existir para pensar, temática de luz e sombra determinantes para construção do edifício do conhecimento para o futuro. A propósito, nossos cuidados devem ir mais além do tempo presente, esse já era um ensinamento de Descartes..

12. Tudo que sabemos é quase nada, comparado ao que resta por saber e isso vale para o conteúdo do discurso do método, por que não?

13. Pensar e existir...uma verdadeira engrenagem para conceber e compreender o mundo para além daquilo que ele efetiva e materialmente nos mostra.

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