A
separação do Estado da religião, conhecida como laicidade, constitui ganho
civilizatório ou apenas um traço cultural do ocidente? E o capitalismo, não é
ele professado com um fanatismo religioso como se não houvesse outra alternativa?
O
certo é que em tempo de guerras não só capitalistas, mas “religiosas”, este
mundo, velho mundo, parece andar de mal a pior, para não dizer sem rumo.
A
notícia de dias atrás mostra que uma escola tida como excessivamente
“ocidental” gerou uma chacina de crianças na Nigéria; passa-se uns dias, abre-se
o jornal e vê-se que albinos são perseguidos e mortos na Tanzânia, onde ainda
acredita-se em bruxarias, pois seriam, pasme-se, seres inferiores e
amaldiçoados; homicídios plurais e estúpidos continuam sendo praticados todos
os dias, inclusive no trânsito, onde morrem mais de 40 mil pessoas no Brasil
sem que nada efetivamente mude, a não ser mais descoberta de corrupção em obras
públicas de trens e metrôs envolvendo conglomerados internacionais.
De
outro lado, acentuando o grau de doença de uma sociedade que parece não saber
lidar com a sexualidade de maneira saudável, e aqui os moralismos religiosos
também cobram elevado preço, veja-se a absurda profusão de crimes sexuais na
Índia para perceber como o ser humano tem dificuldade para administrar mesmo
algo que lhe é inerente e natural. Até que ponto preconceitos e mutilações
castradoras de desejos geram as anomalias sexuais patológicas é um dos pontos a
se pensar. Talvez se tivéssemos uma “erótica solar”, menos cheia de
impregnações e razões, como diz Onfray, pudesse ser diferente, não?
O
fato é que todos esses acontecimentos nos fazem repensar os marcos
civilizatórios e permitem contestação séria aos otimistas que acreditam que o
domínio sobre a natureza trouxe “progresso”. Isso tudo obriga a pensar o quão
pouco parecemos ter avançado na aplicação das ciências humanas, ciência, este
instrumento tão idolatrada pelo espírito moderno.
Ao
lado disso, sobram paradoxos e surpresas, um dos quais a retomada das relações
entre Estados Unidos e Irã depois de 1979: o dia em que a teocracia reencontra
um curioso formato de “democracia”.
Em
compensação, o diálogo internacional parece ter resolvido o problema da Síria, incentivando
(iludindo?) quem ainda crê na diplomacia que se exerce pela razão comunicativa,
ainda que os motivos sejam outros e mais remotos.
Estados
Unidos da América onde, pelo menos, o fato de o Presidencialismo não ser de
coalizão, permite equilíbrio de forças com o Parlamento, o que mostra que as
crise de governabilidade atualmente integram a agenda de qualquer regime, mesmo
aqueles com maior tradição “democrática”, por mais que adjetivo seja incoerente
com uma série de coisas, Guantánamo, “vigilância eletrônica” e outras “armas”
dos tempos contemporâneos ditados pela velocidade e força da informação.
Nós,
por enquanto, entre outras mazelas, em terrae
brasilis (para lembrar Lenio Streck), temos que aguentar uma Justiça
Eleitoral que custa caro e não coloca sua estrutura informatizada para eleições
não oficiais de conselheiros tutelares a conselhos sociais e, pior do que isso,
não consegue se organizar para registro de novos partidos, isso tudo numa
arquitetura democrática que precisa ser repensada, inclusive quanto a
efetividade dos espaços de jogo institucionais.
Menos
mal que o problema da crise da democracia atualmente ocupa a pauta de um União
Europeia mantida ao custo da opressão da soberania de muitos em prol da
ditadura econômica e política imposta pela Alemanha e França.
E a
Primavera Árabe, afinal, no que consistiu? Qual a análise? Se há um exemplo de
tristeza e frustação de expectativa esta passa pela complexidade da situação no
Egito, onde os militares deram um golpe sorrateiro e lá estão, inclusive com o
financiamento do governo “estadunidense”.
E a
“repristinação” da Lei de Segurança Nacional para prisão de manifestantes com
máscaras e vinagre em pleno e franco direito ao protesto. Foram vinte e cinco
anos da Constituição e sequer temos polícias minimamente democráticas...
Pior
que isso só mesmo aguentar nas notícias da “pré-falência” do “agora menos milionário” Eike Batista, as
projeções eleitorais em cima de “pesquisas” que, curiosamente, juram acertar os
resultados em um país de 200 milhões de habitantes (quando na verdade influem
perniciosamente o voto), isso tudo num país onde alguns governos estaduais
fazem cortes lineares enquanto mantém verbas altíssimas de publicidade em
verdadeira propaganda eleitoral antecipada.
Há
uma cisão entre as demandas e a necessidade de uma nova política e o que se
discute é o quadro eleitoral, alianças e projeções, não o sistema, não o
necessário redimensionamento das relações de poder, que poderia começar pelo
“poder cidadão” como prova da necessidade de superarmos a concepção tripartida
de poderes de sabor europeu.
Sem
a reforma radical de um modelo de “comunicação social” desprovido de
preocupação e controle público para difusão de cultura e educação, que permite
monopólios econômicos (bem lembra João Brant) reprodutores da alienação do lixo,
concessões de rádio e televisão que na sua grande maior parte são relacionadas
a agentes políticos, aí mesmo é que não vai. E não se diga que há limite de
cinco emissoras para um mesmo grupo, pois sabemos que as “afilhadas” e os
“laranjas” completam o serviço sem que nada acontecida... Dentre muitas lutas,
é tempo de se lutar pela democratização da comunicação (e aqui louvo a
iniciativa importante do Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação). Alternativa de alternativas, como diria Boaventura, é o que
precisamos.