sábado, 22 de maio de 2010

Ainda os Beatles...40 anos depois



“living is easy with eyes closed - viver é fácil com os olhos fechados

misunderstanding all you see - sem entender tudo o que você vê

it’s getting hard to be someone - está ficando difícil ser alguém

but it all works out(...) - mas tudo parece funcionar bem

it doesn't matter much to me - e isso não importa muito para mim"

(strawberry fields forever)



  1. Eles revolucionaram a música mundial. Compuseram um marco difícil de ser superado em muitas dimensões e direções, mais do que isso, foram um verdadeiro e singular fenômeno.
  2. Os tempos eram justificadamente de histeria, da procura de novos símbolos e significações... Depois da “beatlemania” o mundo nunca mais foi o mesmo. O brilho dos Beatles é a prova viva de que Nietzsche estava particularmente certo ao afirmar que a vida sem música seria um erro. Para muitos, a “maior banda de rock” de todos os tempos é um paradigma imbatível e insuperável, bússola e termômetro do passado que ainda ilumina presente permitindo projeção de um novo futuro....
  3. A personalidade e o pensamento crítico-reflexivo de John Lennon, a musicalidade criativa de Paul McCartney, os bons arranjos de guitarra do também compositor George Harrison e o ritmo firme da alegria contagiante de Ringo Star deixaram, de fato, muita saudade. Já são duros 40 anos sem a lucidez dos Beatles e a impressão é de que nunca haverá tanta genialidade musical reunida.
  4. John e Paul se conheceram em 1957. Juntos, somavam apenas 32 anos. Eram, portanto, precoces na deflagração de uma grande parceria, ainda que posteriormente tumultuada e recheada de brigas. Em 1958 esta próspera dupla Lennon-McCartney é reforçada pelo ingresso de George Harrison, então com 15 anos.
  5. A partir de 1961 mudanças significativas ocorreram com os “Fab Four”. Dali para diante apareceu o grande “manager” Brian Epstein, que assumiu a criação e os mais importantes conceitos de identidade do quarteto mais famoso de todos os tempos. Ao lado de um competente e leal empresário, tiveram os Beatles o produtor musical George Martin, para muitos uma espécie de “quinto” integrante, responsável pela assunção de Ringo Star na bateria. Tinha tudo para dar certo, e assim foi. Estamos falando dos idos de 1962 e o quarteto já estava completo.
  6. Na trajetória de sucesso dos Beatles houve mais de uma dezena de discos (Please Please Me, With the Beatles, A Hard days night, Beatles for sale, Help, Rubber Soul, Revolver, Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band, Magical Mistery Tour, The Beatles, Abbey Road e Let it be), álbuns de inúmeros e multifacetados conceitos, marcantes e diferentes capas. Foi mais de uma década fabulosa de letras, ritmo, música e, sobretudo, descobertas.
  7. Eles revolucionaram uma época de muitas transformações e reivindicações, souberam conciliar a condecoração junto à Rainha da Inglaterra com a exótica visita à Índia e, apesar de tudo, tiveram muito mais encontros do que desencontros...
  8. Não por acaso, sinalizaram um caminho singular “across de universe” (aliás, está aí um ótimo filme do gênero musical contemporâneo para reviver e refletir com os Beatles)....As canções partiram do trivial, começaram falando de amor, de romantismo adolescente, mas logo depois já saiam dos chavões juvenis apelativos do “please please me”, do “love me do”, do “can’t buy me love”, do “i wanna hold your hand”m, do “she loves you” para horizontes muito mais críticos, para letras um tanto quando densas e reflexivas sobre os conturbados anos 60, tempo de Vietnã, de busca dos direitos civis, de Luther King, da revolução cultura chinesa, dos progressos espaciais russos, e de tanta coisa mais, algo bem propício para que se pensasse em “help”... No ápice da efervescência cultural dos Beatles, não é difícil compreender suas canções como verdadeiras aulas de crítica social, de sociologia, de metafísica, de espiritualidade e, porque não, de muita filosofia, de lição de vida... Afinal, é exatamente dessa possibilidade de múltiplas interpretações e versões que se alimentam os clássicos.
  9. Os Beatles marcaram a história... deram vida, cor e sensibilidade a uma geração toda de pós-guerra, que queria muito mais do que “a day in the life” (“i saw a film today, oh boy..the english army had just won the war..a crowd of people turn away, but i just had to look... uma sociedade que pretendia libertação, não se contentava com o que tinha, que aspirava mudar e revolucionar o mundo (“you said you want a revolution... well you know, we all want to change the world...you tell me that it’s evolution... well, you know, we all want to change the world...
  10. O engajamento rebelde e positivamente transgressor dos Beatles permitiu que o sentido e o “recado” da banda representasse arte para além do palco e dos sucessos nas rádios. Os Beatles inovaram conceitos, invadiram o cinema, fizeram filmes de vários gêneros, incluindo desenhos animados, souberam direcionar o talento para encantar e hipnotizar toda uma geração, ensinando-a a atravessar a “hard days night” pela “faixa de segurança” da Abbey Road, sem esquecer da fantasia infantil do “yellow submarine”... and “the magical mistery tour”. Com eles aprendemos que a vida guarda coincidências e muitas surpresas, tudo depende de onde e como se está. Não por caso esses célebres britânicos permanecem no imaginário coletivo da música mundial com uma atualidade impressionante e inquestionável: a marca da imortalidade.
  11. Ouvir Beatles, mais do que resgatar uma febre nostálgica do passado, é não só viajar no tempo mas, sobretudo, aprender meios de superar, com sensibilidade, os muitos momentos difíceis da existência, saber buscar força na frustração... Com Beatles podemos ir da reflexão pessimista ao otimismo desenfreado, firme na crença de que nunca, por nada, devemos nos deixar derrubar. Se alguém duvidar, que ouça a busca de forças de aprimoramento nas estrofes simétricas de “Hey Jude”... saiba esperar o calor da hora da chegada do sol para ver que dará tudo certo (“he comes the sun”), sem esquecer de experimentar a melódica ideia de perseverança acima de tudo (“don’t let me down”). Fugindo do senso comum e do cotidiano, os Beatles deixaram mensagem, a sabedoria de saber que tudo pode ser transformado, modificado, a depender da forma como enxergamos as coisas, do prisma, desafio de paralaxe....
  12. De Liverpool para o mundo, do “Cavern Club” para a BBC e os estádios de futebol, certamente não são poucos os qualificativos que fizeram (e fazem) dos Beatles, para muitos, simplesmente o maior conjunto musical de todos os tempos!
  13. Eles definitivamente puderam dizer muito mais do que as coisas de todos os dias (things we said today), proporcionando uma experiência musical até então inédita e extraordinária. Sentir os Beatles é mais ou menos como começar uma viagem sem fim, cheia de dúvidas, criatividade, sinais de de duplo sentido (“Lucy in the Sky with Diamonds...tangerine trees and marmalade skies” - precisa dizer mais?)
  14. Partir de uma música triste para algo melhor, saber enfrentar a vida com coragem, superar dificuldades sem medo, apanhar, colher, encontrar, conquistar, aprender sempre a melhorar, por aí se vê apenas algumas passagens de um grande aprendizado..”hey jude, don’t make it bad, take a sad song and make it better, remember, to let her into your heart, then you can start to make it better (...) hey jude, don’t be afraid, you were made to go out and get her.
  15. Até mesmo a busca de um melhor caminho para a humanidade, com Beatles, pode ser um pouco mais fácil do que parece. Quem sabe uma fração importante do tanto que hoje nos falta esteja em lembrarmos de ter um pouco mais de “amor” e olhos pelo outro, na diferença, na convicção humilde de que “there’s nothing you can make that can’t be made. No one you can save that can’t be saved. Nothing you can do, but you cant learn how to be you in time...it’s easy. Nunca é demais lembrar que ainda estamos longe de viver tempos de paz...
  16. Embora haja muita polêmica sobre as causas do fim e da separação dos Beatles (abril de 1970), ainda que a busca desesperada de culpa oscile do ingresso de Yoko Ono na vida de John Lennon à vaidade egoísta e antiética de Paul MacCartney na busca de sua carreira solo, entre diversas outras versões, o fato é que eles tiveram o mesmo fim, o mesmo ponto final que existe para tudo que um dia começa... A finitude que permite a atribuição de sentido (Heidegger), inclusive, para os 40 anos de saudade e de paciente espera para que algo de novo possa acontecer na música mundial...
  17. Não esqueçamos porém que a música não vem isolada do seu contexto e das suas circunstâncias... e nesses tempos difíceis, a falta de novos “Beatles” não são nada mais do que reflexo da pós-contemporaneidade, período em que nos falta "pertencimento" na mesma proporção doente que nos sobra alienação e desvio de perspectiva.
  18. Enfim, com os Beatles reside uma parte de toda nossa grande angústia, a lição e o desafio do porvir, de nossas históricas e existências. All we need is love! Ou será que precisamos de uma mensagem melhor para o mundo de disputa atômica, do capitalismo desenfreado, de cega intolerância racial, étnico-religiosa, da destruição do planeta pela contínua e desvairada devastação ambiental?
  19. E por falar em amor, amar os Beatles, mais do que tudo, “it’s a love that last forever, it's a love that has no past” (é um amor que dura para sempre, um amor que não tem passado). Já se foram 40 anos e o legado do quarteto continua transcendendo, teimosamente embalando e oxigenando os anseios das novas gerações...

domingo, 9 de maio de 2010

"Sociologizando" sobre a “arte” do “viver junto”: legado de Roland Barthes




“tomaremos o viver junto como fato essencialmente espacial (viver num mesmo lugar)... em estado bruto, o viver junto é também temporal” (Roland Barthes)

“O que eu quero é que o engajamento e o vazio - postos juntos - criem um sentido” Thomas Hirchhom

1. Certa feita já se disse que se alguém pode ser qualquer um, todo e qualquer um também pode ser alguém. Tudo depende do “script” e dos papéis, de “onde” e “como” cada indivíduo encara a responsabilidade do seu existir, do seu atuar cotidiano, esteja ele agindo só ou, especialmente, experimentando a vida gregária. Hora de pensar na “contemporaneidade”, colocar Roland Barthes "debaixo do braço" e aproveitar a relatividade do tempo e do espaço para (re) pensar e (re) projetar os termos do nosso atual “contrato social” (Rousseau), que talvez já esteja clamando por uma revisão. Afinal, não se desconhece todos nós precisamos de um vínculo em comunidade (Ahlam Shibli). A questão é: "how to live together"?

2. Vivenciamos duros tempos pós-modernos de individualismo exacerbado, de impaciência, de angústia, de escassa e mínima solidariedade. Os elos sociais estão cada vez mais atenuados. Pensar em si soa quase como monolítica obrigação, verdadeiro imperativo categórico (Kant). Definitivamente, o contexto dá a falsa impressão de que não compensa atuar coletivamente. Dilui-se, cada vez mais, reconhecimento da importância da vida em comunidade (o filme argentino “Luna de Avellaneda”, a propósito, propicia uma qualificada reflexão nesse sentido).

3. A impressão que é que estamos perdendo a coesão social e, nesse contexto, aprender a “viver junto” parece ser cada vez mais difícil. Precisamos de uma solução política que melhore e estimule o bem-viver e a convivência em todos os níveis, enfim, algo precisa se mover no (des) encaixar de peças da (des) agregação. Entre ordem e caos, do individual ao social, há de se encontrar o ponto de equilíbrio.

4. Os subsistemas família (socialização primária) e escola (socialização secundária) ainda não assimilaram as mudanças e transformações paradigmáticas necessárias, estando ambos em crise e à espera de necessária e urgente reformulação. Fazer com que a família esteja funcionalizada para estabelecimento das margens e dos limites necessários, bem como propiciar reconstrução do processo “ensino-aprendizagem” com internacionalização de diferencial pedagógico para aqueles alunos que não se enquadram nos formatos convencionais, sem dúvida, são dois enormes desafios que temos pela frente, seja para o núcleo familiar, seja para a escola. A família e a escola, aliás, mais do que nunca, precisam articular-se na ótica do “viver junto”.

5. Apesar disso teimamos e hesitamos... Reproduzimos, de modo automático e acrítico, já há algum tempo, pretéritos e embolorados pensamentos, assumimos atitudes impostoras de senso comum e, por isso, somos incapazes de reconhecermos a visibilidade do “outro” que, quanto mais próximo, mais real, mais “terrorifica” nosso existir "de rebanho" (Nietzsche). Ou buscamos um foco comunitário baseado na alteridade ou então seremos permanentes “estrangeiros” de nós mesmos.

6. Há de se enfrentar, com saber e sabedoria, o desafio conciliador da busca moderna mítica e utópica da razão com o imprevisível com o imaginário do cotidiano, ao sabor dos acontecimentos não planejados, dircernindo teoria da aplicação prática, tudo com a prevalência da criatividade sobre a “standartização”, certos de que a estabilidade e segurança desejadas devem ficar no campo do inalcançável, eterno devir...

7. Nesse balanço, hora de "sociologizar" e discutir qual é o ponto de gravidade central nas relações sociais, se conflito (luta), cooperação ou outra alternativa. Onde é que crescemos mais e em quais alternativas apostamos para aprendermos a compartilhar a existência, para cada um assumir o protagonismo da sua própria história.

8. É justamente partindo da análise das relações sociais como verdadeiro campo de interação e integração de sensações individuais e coletivas, de objetivos e subjetividades que, mais do que nunca, precisamos enfrentar os duros problemas dos “novos-velhos” tempos.

9. Violência, drogas, corrupção, desmobilização, perda de valores, tudo passa por verdadeiro processo de desagregação, de perda alienada e gradativa da humanidade derivada da falta de um projeto comum compartilhado, da carência de um mesmo horizonte de sonho para a humanidade.

10. O modelo macroestrutural de sociedade no qual estamos inseridos não está nos ensinando e preservando a convivência, de modo que cada vez mais sabemos menos sobre o segredo e a estratégia de “como viver junto”. Em uma palavra: intolerância.

11. No âmbito de um particular recorte, a sensação é de alienação e de impotência frente a existência de uma enorme demanda de problemas para insuficientes/deficientes políticas públicas, qualquer que seja o viés (quantitativo/qualitativo). Na sociedade de massa, saímos do individual para o coletivo, com perda de subjetividade e sem ganhos....

12. Nessas horas que a sociedade precisa cobrar e mostrar sua voz. As estruturas sociais da família, da escola, dos bairros, dos grupos, das ruas, precisam ser estimuladas, fortalecidas, empoderadas, por mais que muito longe disso ainda estejamos.

13. A grande “matrix” do sistema-mundo precisa de um “choque” revolucionário de humanidade. É hora de fincarmos nossos olhos na realidade “tragédia”, assistirmos e nos preocuparmos com os dramas e a decadência, dos mitos gregos aos super-heróis, do contrário o verdadeiro e incontornável fim pode estar mesmo próximo (Watchmen), especialmente se acabarmos sem uma ideologia para viver, sem um convincente e persuasivo “discurso de justificação”.

14. O perigo parece estar por toda parte. Mais do que os pseudos e simbólicos inimigos passageiros de uma sociedade contemporânea esvaziada de qualificados referenciais (as drogas, as armas, os terroristas etc), o maior risco (e verdadeiro medo) pode estar na lacaniana falta de esperança de um horizonte melhor entre indivíduo e sociedade.

15. Pequenos gestos são necessários. Refletir pode ser o melhor caminho..Logo ali do outro lado da esquina pode estar a chance da grande e necessária“ virada de mesa”, o reencontro do laço perdido no passado, o ponto em que perdemos o sentimento de interdependência, a expectativa e crença na necessidade do “aprender a viver junto” (tema da 27a Bienal de São Paulo, em 2006, prova de que a arte pode ser importante ferramenta para a reconstrução político-social tão almejada, o começo de um novo movimento...

16. O método a seguir precisa ser livre, contando que saibamos onde queremos chegar, desde que possamos fugir do dualismo sujeito-objeto, seguindo o percurso livre e caótico da linguagem e suas possibilidades. Se conseguirmos ingressar no ciclo de pesquisa de uma nova base para o “viver junto” já terá valido a pena...trata-se apenas de “refletir sobre o que nós estamos fazendo”(Hannah Arendt) e reconhecer o valor da experiência.

17. Fragmentos de um tecido social que precisa ser trabalhado, (re) construído e (re) inventado...custe lo que custe.....espaço para a “imaginação sociológica”, sempre transgressora...

18. Nesse contexto, basta ingressar na complexa causa Israel-Palestina para mostrar as idas e vindas do mundo nas origens e na sua multiplicidade, na investigação sociológica sobre os lugares distintos da história (sempre feita pelos mais fortes) e solidariedade com seus respectivos agentes e sujeitos. Se estamos diante de “refuseniks” ou “trackers” é do jogo, isso está entre as possibilidades...tudo é questão mais de escolha, mais do que origem. Em último grau, trata-se de responder a questão de Barthes: “A que distância devo me manter de meus semelhantes para construir com os outros uma sociabilidade sem alienação?"

19. Buscar uma nova vida coletiva num bloco-mundo cada vez mais verdadeiramente sem fronteiras para a solidariedade é especialmente recomendável, especialmente quando se quer buscar a senha criptografada do “viver junto”, utopia de todos os ciclos da história. Que cada um possa ir “sociologizando” e refletindo à sua maneira no percurso da sua existência, de preferência sem perder a dimensão da comunidade, da permanente e desafiadora busca de novos parâmetros para inspirar nova circularidade para o “viver junto”, tal como já fez Roland Barthes...