domingo, 9 de maio de 2010

"Sociologizando" sobre a “arte” do “viver junto”: legado de Roland Barthes




“tomaremos o viver junto como fato essencialmente espacial (viver num mesmo lugar)... em estado bruto, o viver junto é também temporal” (Roland Barthes)

“O que eu quero é que o engajamento e o vazio - postos juntos - criem um sentido” Thomas Hirchhom

1. Certa feita já se disse que se alguém pode ser qualquer um, todo e qualquer um também pode ser alguém. Tudo depende do “script” e dos papéis, de “onde” e “como” cada indivíduo encara a responsabilidade do seu existir, do seu atuar cotidiano, esteja ele agindo só ou, especialmente, experimentando a vida gregária. Hora de pensar na “contemporaneidade”, colocar Roland Barthes "debaixo do braço" e aproveitar a relatividade do tempo e do espaço para (re) pensar e (re) projetar os termos do nosso atual “contrato social” (Rousseau), que talvez já esteja clamando por uma revisão. Afinal, não se desconhece todos nós precisamos de um vínculo em comunidade (Ahlam Shibli). A questão é: "how to live together"?

2. Vivenciamos duros tempos pós-modernos de individualismo exacerbado, de impaciência, de angústia, de escassa e mínima solidariedade. Os elos sociais estão cada vez mais atenuados. Pensar em si soa quase como monolítica obrigação, verdadeiro imperativo categórico (Kant). Definitivamente, o contexto dá a falsa impressão de que não compensa atuar coletivamente. Dilui-se, cada vez mais, reconhecimento da importância da vida em comunidade (o filme argentino “Luna de Avellaneda”, a propósito, propicia uma qualificada reflexão nesse sentido).

3. A impressão que é que estamos perdendo a coesão social e, nesse contexto, aprender a “viver junto” parece ser cada vez mais difícil. Precisamos de uma solução política que melhore e estimule o bem-viver e a convivência em todos os níveis, enfim, algo precisa se mover no (des) encaixar de peças da (des) agregação. Entre ordem e caos, do individual ao social, há de se encontrar o ponto de equilíbrio.

4. Os subsistemas família (socialização primária) e escola (socialização secundária) ainda não assimilaram as mudanças e transformações paradigmáticas necessárias, estando ambos em crise e à espera de necessária e urgente reformulação. Fazer com que a família esteja funcionalizada para estabelecimento das margens e dos limites necessários, bem como propiciar reconstrução do processo “ensino-aprendizagem” com internacionalização de diferencial pedagógico para aqueles alunos que não se enquadram nos formatos convencionais, sem dúvida, são dois enormes desafios que temos pela frente, seja para o núcleo familiar, seja para a escola. A família e a escola, aliás, mais do que nunca, precisam articular-se na ótica do “viver junto”.

5. Apesar disso teimamos e hesitamos... Reproduzimos, de modo automático e acrítico, já há algum tempo, pretéritos e embolorados pensamentos, assumimos atitudes impostoras de senso comum e, por isso, somos incapazes de reconhecermos a visibilidade do “outro” que, quanto mais próximo, mais real, mais “terrorifica” nosso existir "de rebanho" (Nietzsche). Ou buscamos um foco comunitário baseado na alteridade ou então seremos permanentes “estrangeiros” de nós mesmos.

6. Há de se enfrentar, com saber e sabedoria, o desafio conciliador da busca moderna mítica e utópica da razão com o imprevisível com o imaginário do cotidiano, ao sabor dos acontecimentos não planejados, dircernindo teoria da aplicação prática, tudo com a prevalência da criatividade sobre a “standartização”, certos de que a estabilidade e segurança desejadas devem ficar no campo do inalcançável, eterno devir...

7. Nesse balanço, hora de "sociologizar" e discutir qual é o ponto de gravidade central nas relações sociais, se conflito (luta), cooperação ou outra alternativa. Onde é que crescemos mais e em quais alternativas apostamos para aprendermos a compartilhar a existência, para cada um assumir o protagonismo da sua própria história.

8. É justamente partindo da análise das relações sociais como verdadeiro campo de interação e integração de sensações individuais e coletivas, de objetivos e subjetividades que, mais do que nunca, precisamos enfrentar os duros problemas dos “novos-velhos” tempos.

9. Violência, drogas, corrupção, desmobilização, perda de valores, tudo passa por verdadeiro processo de desagregação, de perda alienada e gradativa da humanidade derivada da falta de um projeto comum compartilhado, da carência de um mesmo horizonte de sonho para a humanidade.

10. O modelo macroestrutural de sociedade no qual estamos inseridos não está nos ensinando e preservando a convivência, de modo que cada vez mais sabemos menos sobre o segredo e a estratégia de “como viver junto”. Em uma palavra: intolerância.

11. No âmbito de um particular recorte, a sensação é de alienação e de impotência frente a existência de uma enorme demanda de problemas para insuficientes/deficientes políticas públicas, qualquer que seja o viés (quantitativo/qualitativo). Na sociedade de massa, saímos do individual para o coletivo, com perda de subjetividade e sem ganhos....

12. Nessas horas que a sociedade precisa cobrar e mostrar sua voz. As estruturas sociais da família, da escola, dos bairros, dos grupos, das ruas, precisam ser estimuladas, fortalecidas, empoderadas, por mais que muito longe disso ainda estejamos.

13. A grande “matrix” do sistema-mundo precisa de um “choque” revolucionário de humanidade. É hora de fincarmos nossos olhos na realidade “tragédia”, assistirmos e nos preocuparmos com os dramas e a decadência, dos mitos gregos aos super-heróis, do contrário o verdadeiro e incontornável fim pode estar mesmo próximo (Watchmen), especialmente se acabarmos sem uma ideologia para viver, sem um convincente e persuasivo “discurso de justificação”.

14. O perigo parece estar por toda parte. Mais do que os pseudos e simbólicos inimigos passageiros de uma sociedade contemporânea esvaziada de qualificados referenciais (as drogas, as armas, os terroristas etc), o maior risco (e verdadeiro medo) pode estar na lacaniana falta de esperança de um horizonte melhor entre indivíduo e sociedade.

15. Pequenos gestos são necessários. Refletir pode ser o melhor caminho..Logo ali do outro lado da esquina pode estar a chance da grande e necessária“ virada de mesa”, o reencontro do laço perdido no passado, o ponto em que perdemos o sentimento de interdependência, a expectativa e crença na necessidade do “aprender a viver junto” (tema da 27a Bienal de São Paulo, em 2006, prova de que a arte pode ser importante ferramenta para a reconstrução político-social tão almejada, o começo de um novo movimento...

16. O método a seguir precisa ser livre, contando que saibamos onde queremos chegar, desde que possamos fugir do dualismo sujeito-objeto, seguindo o percurso livre e caótico da linguagem e suas possibilidades. Se conseguirmos ingressar no ciclo de pesquisa de uma nova base para o “viver junto” já terá valido a pena...trata-se apenas de “refletir sobre o que nós estamos fazendo”(Hannah Arendt) e reconhecer o valor da experiência.

17. Fragmentos de um tecido social que precisa ser trabalhado, (re) construído e (re) inventado...custe lo que custe.....espaço para a “imaginação sociológica”, sempre transgressora...

18. Nesse contexto, basta ingressar na complexa causa Israel-Palestina para mostrar as idas e vindas do mundo nas origens e na sua multiplicidade, na investigação sociológica sobre os lugares distintos da história (sempre feita pelos mais fortes) e solidariedade com seus respectivos agentes e sujeitos. Se estamos diante de “refuseniks” ou “trackers” é do jogo, isso está entre as possibilidades...tudo é questão mais de escolha, mais do que origem. Em último grau, trata-se de responder a questão de Barthes: “A que distância devo me manter de meus semelhantes para construir com os outros uma sociabilidade sem alienação?"

19. Buscar uma nova vida coletiva num bloco-mundo cada vez mais verdadeiramente sem fronteiras para a solidariedade é especialmente recomendável, especialmente quando se quer buscar a senha criptografada do “viver junto”, utopia de todos os ciclos da história. Que cada um possa ir “sociologizando” e refletindo à sua maneira no percurso da sua existência, de preferência sem perder a dimensão da comunidade, da permanente e desafiadora busca de novos parâmetros para inspirar nova circularidade para o “viver junto”, tal como já fez Roland Barthes...

2 comentários:

  1. Excelente texto!!! Adorei! Beijos, PB

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  2. Acredito que o Contrato Social (Rousseau)entre sociedade e Estado exista apenas por se tratar de uma dominação legítima racional (Weber), mas que apresenta seus rumores de rompimento, o que já é constatado a partir do descaso com a política (Sennet), o que agrava ainda mais a situação.
    Muito bom seu texto. Aproveito para convidá-lo a visitar o meu blog http://cafecomsociologia.blogspot.com/

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