domingo, 18 de abril de 2010

Haiti: angoisse, tragédie et desespoir (angústia, tragédia e desespero)




“um terremoto dilacerou um país que já estava de joelhos”

Dany Laferriève - escritor haitiano


1. Recentemente parece que o mundo acordou e passou a ter olhos para o Haiti, ainda que só por alguns dias...Data: 12 de janeiro de 2010. No mínimo 150 mil mortes num terremoto de aproximadamente 7,3 graus na Escala Richter, devastador evento da natureza que motivou recente e destacada “visibilidade” para o país mais pobre das Américas. Talvez 1/3 da população do país desabrigada (3 milhões de pessoas)...Difícil encontrar palavras para definir o que aconteceu...;


2. Tratou-se do PIOR terremoto ocorrido no país com o PIOR Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do hemisfério ocidental!


3. O Haiti, ex- colônia francesa (cedida à França pela Espanha em 1697, muito próspera no século XVIII devido a exportação e açúcar, cacau e café), além de inúmeros golpes de Estado (mais ou menos 32), já desafiou a escravidão, tendo sido o primeiro país do mundo a aboli-la, posteriormente conseguindo independência heróica diante do simbólico Império de Napoleão (representado por seu cunhado Charles Lecrerc, por uma batalha de 1802...Tanto assim que já em 01 de janeiro de 1804 proclamava-se a independência da primeira República da América Latina: o Haiti.


4. Mas a boa parte da história parou por aí. Apesar desse começo promissor, tudo o que houve posteriormente não foi nada promissor para a civilização haitiana;


5. O massacre do Haiti não passa apenas pelo recente e terrível terremoto, tendo começado muito antes...Para que se tenha uma ideia, em 1825 já tinha o Haiti que pagar pesada indenização à França, de quem antes era colônia. Posteriormente, sucederam-se intervenções militares americanas por aproximadamente 20 anos até 1934, substituídas por abomináveis e cruéis ditaduras nepotistas da família Duvaliers, no caso, François (Papa-Doc) e seu filho Jean-Claude (Baby Doc), isso já nos idos de 1957-1986;


6. Após grande período de instabilidade política, o Conselho de Segurança da ONU aprovou em 01 de junho de 2004 a MINUSTAH, Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, assumindo o Exército Brasileiro papel destacado, ainda que a eficácia da ajuda humanitária deva ser criticamente pensada, refletida e questionada;


7. Muito antes do terremoto, a miséria a a pobreza extrema absoluta há tempos já estão instalados no código genético do Haiti. Afinal, também desde muito antes do terremoto, assiste-se a passividade e insuficiência dos esforços “globais” do mundo dito “desenvolvido” e “civilizado” para trazer melhores condições de vida ao povo haitiano;


8. Para uma população que aumentou dez vezes em menos de uma década, o caos urbano de Porto Príncipe (quase 2 milhões de habitantes), agora, pior de tudo, além de escombros, de miséria, de cemitérios por todos os lados, mescla violação de soberania militarizada travestida de auxílio comunitário...algo a se pensar;


9. Ao invés de ajuda solidária ou humanitária, “ajuda” militarizada, especialmente de parte dos norte-americanos (bases na Colômbia, golpe de Honduras, quarta frota próxima da Venezuela...), é o que mais se vê nas ruas empoeiradas e destruídas do Haiti, onde atualmente existem quase mil pontos de barracas, notícias de necessidade de assentamentos de milhares e milhares de famílias, tudo agravado pela experiência da estação chuvosa, pelo risco da temporada de furacões que inicia em junho....a tarefa não será nada fácil;


10. Como questiona Sandra Quintela, como explicar que a longínqua China envie alimentos que chegam mais rápido que os dos EUA, que está a menos de uma hora de vôo de Porto Príncipe?” São os Estados Unidos de sempre, agora sem Bush, mas ainda tratando o mundo como uma mera extensão do seu quintal...Será que se faz verdadeira ajuda humanitária com “militarização”? E esta é só uma parte do problema;


11. Analfabetismo de quase 50%, mortalidade infantil nas alturas, mais de metade da população na extrema pobreza, população eminentemente urbana para um país contraditoriamente vocacionado para produção agrícola, são esses apenas alguns índices da desgraça humana e do paradoxo que é o Haiti enquanto nação;


12. O terremoto, como se vê, foi apenas mais uma tragédia entre tantas desgraças que há aconteceram para o Haiti, que parece “pagar elevado preço” por ter um dia ousado desafiar a a escravidão e a independência...


13. Não passados muitos dias da Páscoa, celebração religiosa marcada pelo renascimento, pela solidariedade, pela esperança, fé, não é muito exigir pensamento e reflexão sobre as perspectivas de melhora das condições de vida e direitos humanos da população do Haiti...lembrando que lá a população dos católicos é de quase 70%....(a propósito, qual foi a ajuda mesmo do Vaticano?); talvez George Samuel Antoine, Cônsul do Haiti em São Paulo, devesse ter pensado sob este prisma antes de emitir suas lamentáveis e estúpidas declarações logo depois da tragédia; segundo ele, a culpa seria da “maldição do africano” e da "macumba: ABSURDO!;


14. Final de março reunião da ONU em Nova Iorque indicou que 60 países ajudarão com um total de 5,3 (cinco vírgula três) bilhões de dólares nos próximos 18 meses, mas será que isso é suficiente e proporcional à necessidade do Haiti e à possibilidade de grandes economias, como Estados Unidos, por exemplo? Se atentarmos para o fato de que a República Dominicana foi o país que proporcionalmente mais ajuda ofereceu comparativamente à sua riqueza, diferente será a constatação...Estima-se que só os prejuízos do terremoto foram da ordem de oito bilhões ...e aí


15. Pior de tudo é pensar que a corrupção e a ausência de fortalecimento das instituições não trará melhor horizonte ao país, ainda que a prometida ajuda comunitária se efetive no patamar anunciado; não se vê e não se fala no fortalecimento e no empoderamento da população local;


16. Até porque, sem estrutura de fiscalização, mesmo a aplicação de um valor ainda muito insuficiente para cobrir as necessidades da população, não há como se pensar que o combate à corrupção e o fortalecimento das instituições do Haiti não deva ser uma prioridade da ajuda internacional, do contrário não haverá espaço para “políticas públicas”... se a ONU quiser mesmo ajudar a emancipar o Haiti (e não explorá-lo mais), terá de enxergar muito além de uma assistência financeira temporária e superficial que, a rigor, não ataca a causa do problema...


17. Há um governo, um país e um povo hoje a ser fortalecido, teste de fogo para a solidariedade global, para testar se a ONU pode cumprir minimamente com a sua finalidade...e este lugar é o Haiti, lá numa parte da Ilha de São Domingos...


18. (Re) construir um país depois de uma tragédia, em meio a angústia, tragédia e desespero, este o tamanho do desafio do Primeiro-Ministro Haitiano Jean Jacques Bellerive, do Presidente Rene Preval, do enviado pela ONU Bill Clilton e, sobretudo...do mundo....de cada um de nós protestando e interpretando a situação à sua maneira....


19. A situação do Haiti é tão preocupante que, por ela, podemos medir o grau de (in) sensibilidade global para as catástrofes coletivas;


20. Afinal de contas, podíamos estar na condição do “outro” (povo haitiano)... Como é que lidamos com isso? Não por acaso, o que acontecerá para o Haiti pode ser um grande prenúncio do (des)caminho da humanidade...O Haiti está aí para colocar a prova o “espírito de cooperação” (Fidel Castro);


21. “Pense no Haiti, reze pelo Haiti...o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui” (Caetano Veloso)


22. E no meio da angústia, tragédia e desespero, para um país em estado de luto permanente, vamos acompanhar o que virá. A propósito: Conta da Embaixada do Haiti no Brasil - SOS HAITI: Banco do Brasil: CNPJ 04.170.237/0001-71 - agência 1606-3 -c/c 91.000-7 (quem arrisca o saldo da conta?). Contato: embhaiti@terra.com.br.






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