sábado, 3 de janeiro de 2015

SUS: uma saúde integral e gratuita com "dinheiro no bolso" para dar, não para vender



Chega o último dia de 2014 e, com ele, os tradicionais votos de próspero ano novo e desejos de saúde. Para além do cuidado com o corpo e o bem-estar físico à cargo de cada um, é sempre tempo de celebrar o fato de termos, como política pública,  “o maior plano de saúde do mundo”, o Sistema Único de Saúde – SUS, que atende potencialmente todos os brasileiros e, mais especial e preferencialmente, cerca de 170 milhões de brasileiros que, em geral, não têm condições financeiras de acesso particular e também não podem custear, como consumidores, os conhecidos planos de saúde.

Definido constitucionalmente (artigo 196 da Constituição de 1988) de modo a estabelecer a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, regido pelas Lei Orgânicas da Saúde - 8.080/90 e 8.142/90 e complementado recentemente pela Lei Complementar 141/2012, melhorar o Sistema Único de Saúde (SUS) seria a maior conquista e desejo para todo e qualquer ano prestes a iniciar.

Infelizmente – e os meios de comunicação social em todos os formatos têm grande parcela de culpa nessa desinformação, muitos brasileiros desconhecem o fato de que o SUS, no seu largo acesso, é integral e gratuito, de modo que, juridicamente, tudo que for prescrito deve ser assegurado e disponibilizado – medicamentos, consultas, cirurgias, exames, fórmulas nutricionais etc, ainda que fora de padrão ou protocolo clínico, desde que haja a devida justificativa técnico-terapêutica e que o paciente, o usuário do SUS, observe os caminhos e o fluxo regular do sistema. Esse trajeto começa na unidade básica de saúde próxima de sua residência, podendo envolver tratamento fora de domicílio em centros especializados e hospitais a partir de uma lógica de referência e contrarreferência, percurso que deveria ser em linha reta, claro e transparente, mas que pode se tornar um labirinto se houver, como muitas vezes acontece, a desorganização de gestão e falta de resolutividade entre os entes federados, situação que muitas vezes provoca a sensação equivocada de que o sistema apresenta mais problemas que soluções.

Evidentemente que, como toda política pública básica que envolve a necessidade de realização de um direito de dimensão fundamental (artigo 6o da Constituição), existem dificuldades do SUS de toda a natureza, especialmente de ordem administrativa, operacional e financeira.

Um dos maiores problemas, ao lado da insuficiência do financiamento e do custeio: o SUS ainda é um sistema que gasta na média e alta complexidade todos os recursos que deviam investir de modo prioritário na atenção primária ou na atenção básica à saúde! Enquanto isso continuar acontecendo a ideia de um sistema, que filosoficamente é a estratégia para redução de complexidades, continuará obtendo resultados aquém dos necessários.

Admitindo-se que o SUS ostenta a imagem de uma grande e pesada máquina, não é aceitável que esta funcione arriscando e esperando o momento da parada para troca de motor ou adoção de medidas urgentes,somente quando sobrevier uma pane ou falência geral, quando o mais inteligente a fazer seria garantir a manutenção  e revisão devida de todo aparelho para, no tempo certo para manter a renovação de seus óleos lubrificantes e das encaixe das demais engrenagens capazes de impedir o mal e a despesa maior.  Falta conscientização e educação para a importância da prevenção em saúde.

Enquanto os gestores não tiverem a visão de que  melhorar a saúde da população é compromisso de médio a longo prazo, exigindo adoção de medidas planejadas e corajosas, e continuarem a preferir o investimento para “apagarem incêndios”, por exemplo, no fluxo de urgência e emergência ou na sintomática falta dos leitos, muitas vezes para um ganho político de caráter imediato ou próximo, para uma captação do sufrágio tida como ilícita por alcance o indivíduo como se favor fosse e não o coletivo tratando e reconhecendo como direito, continuaremos assistindo à inversão das prioridades: unidades básicas de saúde desequipadas, abandonadas, sem recursos humanos e o problema de saúde do usuário agravado. Isso faz com que gaste-se mais e pior na “ponta final” para uma atenção à saúde com menor chance de recuperação e incremento da vida como bem a ser protegido..

 Um Sistema Único de Saúde como o brasileiro que, além de focar na prevenção, ao mesmo tempo em que precisa celebrar os benefícios paliativos do Programa “Mais Médicos” (em verdade um curso de pós-graduação importante para mostrar que a saúde do brasileiro não pode estar a mercê de interesses econômicos ou de classe), precisa enfrentar talvez o seu segundo maior obstáculo para uma gestão profissional e responsável, a terceirização ilegal de necessidades permanentes quando a regra de ingresso na carreira pública é a realização de concurso público na forma do artigo 37, II da Constituição. A saúde como política pública, evidentemente, necessita de uma carreira estruturada e adequada não só para médicos, mas para todos os demais profissionais da saúde, notadamente enfermeiras, auxiliares de enfermagem, técnicas de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e, claro, a base da pirâmide e de todo o sistema, as decisivas,  principais e mais numerosas peças que deveriam mover todo o xadrez do tabuleiro do SUS – os agentes comunitários de saúde, que recentemente, em fato pouco comentado, deixaram de ganhar o pior e mais baixo salário de todos, o mínimo. Sem remuneração digna, estrutura e condições de trabalho, não teremos uma política mais adequada de saúde.

Em tempo de balanço, inclusive de composição de Ministérios por critérios predominantemente de “governabilidade”, nada melhor do que refletir para, como ensina Boaventura de Sousa Santos, alargar o presente e encurtar o futuro do nosso SUS que, apesar de tudo, ainda é um extraordinário e pretensioso modelo de atenção à saúde. Conhecer suas premissas de funcionamento para exigir cumprimento do que preconiza e Constituição e a legislação sanitária, mais do que missão das instituições do regime democrático, em especial ao Ministério Público que cabe zelar pela saúde como serviço de relevância pública (artigo 129, II, da Constituição), é dever de todo cidadão, especialmente considerando que uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde é a participação da comunidade (artigo 198, III da Constituição), hoje assegurada, mais formal do que materialmente, é bem verdade, pelos encontros periódicos para discutir as políticas de saúde (Conferências) e pelas reuniões mensais dos conselhos municipais de saúde como instâncias de fiscalização e controle social (Conselhos Municipais, Estaduais e Nacionais de Saúde). Que o ano de 2015 traga saúde administrativa e financeira para o SUS. O constituinte e o legislador brasileiro quiseram uma saúde pública integral e gratuita para dar, não para vender. Se ela for bem gerida e tiver “dinheiro no bolso”, melhor ainda. Feliz 2015!