segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Semelhanças entre o cinema de Holywood e o Carnaval do Brasil: surrealismo, cultura e transformação.


Com a mesma "luz, câmera e ação" que o cínico cinema de Holywood costumeiramente narra determinados e "selecionados" fatos, não raras vezes deturpando ou iludindo seu real e mais tranformador sentido, forçoso reconhecer, de outro lado, que esses mesmos ângulos predeterminados e ensaiados no rasteiro interesse da "Academia" são ainda mais danosos (e alienantes) quando projetam zonas sombrias de crepúsculo, omissão e implacável esquecimento sobre episódios históricos, políticos e sociais traumáticos e empiricamente transformadores que, se bem desenvolvidos, trabalhados e compreendidos, certamente poderiam se constituir em importantes "flores" civilizatórias capazes de colorir cidadania, desabrochar indignação e fazer crescer o pensamento crítico de todo um povo que, além de espectador, precisa ser o autor de seus anseios e reinvindicações.

Felizes daqueles que, como HOWARD ZINN, lembram a existência de "historias que Holywood nunca cuenta", pois a percepção do problema certamente é o primeiro passo emancipatório para que a "logica do negativo" se opere, invertendo a relação de luz e sombra no campo da visibilidade e percepção do sentido.

Em tempo de Carnaval no Brasil a constatação não parece ser diferente.

Continua sendo o Carnaval brasileiro um evento tradicional, de interesse e apelo popular, com apoio e transmissão da grande mídia, que, todavia, nada serve como reflexão, como mobilização, como enfrentamento das mazelas (e das misérias) nacionais.

Basta abrir o jornal, ligar o rádio ou a TV, quando não acessar os "portais" mais "prestigiados" para perceber que tudo o que se consegue é produzir mais futilidade, mais trivialidade do mesmo vazio...

Entre um recado ou outro de uma "celebridade" nas sempre estúpidas entrevistas de camarote, entre a investigação "científica" sobre a estrutura de um "trio elétrico" e o retrospecto detalhado de como foi mais um dia de corpos e "relacionamentos" desfilando nas praias, quem sabe sobre algum tempo para encontrar "o verdadeiro enredo do samba", que, como ritmo, música e expressão cultural que é, não pode (ria) ser esvaziado de seu potencial de transformação e despertar de sensibilidade para, assim, continuar permitindo o genuíno "mascaramento" dos verdadeiros problemas nacionais (que, como "as escolas", continuam se "concentrando" e desfilando em sociedade, com a diferença de que ao invés de trajeto retilíneo continuam perdidos em movimento circular em busca de um ponto efetivo de escape e necessária "dispersão").

Neste estado delirante das coisas que somente pode conduzir a um ponto de vista delirante (BAUDRILLARD), que bom seria se alguns de apoiadores e "personagens" do nosso "festejo nacional" pudessem refundar o movimento "cansei", não pelos patéticos motivos e conteúdos deflagrados ano passado como manobra desastrada de uma elite estúpida aterrorizada e inconformada pela "insegurança" e "violência" de um sistema que ela mesma reproduz e cotidianamente alimenta, mas sim agora tendo como foco a forma absolutamente patológica que reproduz o atual Carnaval do Brasil travestido de um pseudo produto cultural.

Entre fantasias, cores, festival de corpos, espaços e divisões classistas para assistir o "desfile", obviamente não será a "liga independente das escolas" (que para alguns nada mais é do que a cartelização da lavagem de dinheiro do 'crime organizado' paradoxalmente patrocinada com recursos públicos oficiais) que irá transformar o Carnaval brasileiro em verdadeiro e útil instrumento cultural se o povo continuar tolerando e deixando "a banda passar", mesmo quando poderia aproveitar o ritmo incessante da "bateria" para discutir um novo pacto social capaz de trazer luz sobre as raízes dos seus problemas, das razões e múltiplas causas concorrentes que continuam impedindo o Brasil de ocupar espaço de verdadeira e material democracia numa "geografia de espaço" (MILTON SANTOS) mais solidária e humanitária.

Enquanto reproduzirmos a "marcha" alienante do horizonte atual (e não as boas reivindicações, como já dizia PAULO FREIRE), o produto do Carnaval e dos seus pelo menos 04 (quatro) dias de lazer, paralisação e festejo não irá além de incrementar o "turismo" e fomentar simulacro de uma suposta "cultura" que nada transforma ou impacta o tecido social.

A avenida pode estar cheia, os holofotes podem estar acesos, a arquibancada pode estar animada, a imprensa a postos e mobilizada, mas este continua sendo mais um Carnaval do qual se parte do nada para se chegar a lugar algum...

O que poderia ser um momento importante de ativismo e engajamento na discussão dos diversificados problemas do nosso desvairado projeto de sociedade acaba sendo esvaziado no cronômetro cínico do tempo pendular patrocinado pelo sistema totalitário neoliberal entre a chegada de "uma ou outra escola", principalmente para um povo que, muito além (e para "más allá") de "pão e circo" e lazer, precisa mesmo rever e brigar por melhores políticas de saúde, habitação, saneamento e educação...

Numa sociedade que ainda sonha desbragadamente em ser livre, justa e solidária, embalada no imaginário e no simbólico de uma Constituição que já tem mais de vinte anos reais, ainda há de chegar o dia em que iremos assistir e presenciar o enfrentamento de nossos reais enredos (e fantasmas) com a mesma mobilização e energia que os melhores "blocos" orgulhosamente vão à rua entoar seus cânticos, mostrar seus estandartes e empunhar suas bandeiras...

Até que algo efetivamente mude (o que se espera seja breve), a verdadeira "cultura" do Carnaval seguirá cumprindo papel tão diminuído, nocivo e alienante como a estúpida idéia da "pátria de chuteiras" nos tempos de regime militar...

Por enquanto, lá vem mais uma quarta-feira de cinzas e ressaca pela cultura e oportunidades perdidas...

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Sociedade brasileira e seus analfabetos





Indíviduos envolvidos em uma determinada ação ou problema social deveriam estar preparados e engajados para o seu adequado enfrentamento, máxime quando estão na condição de agentes políticos.

Não há razão para se viver em sociedade política a não ser agregar forças em prol da realização de objetivos comuns e metas necessárias.

Educação deveria ser direito de todos e dever do Estado segundo a Constituição da República. A mesma Carta diz que o Estado deveria zelar pela dignidade e pela promoção do bem de todos...

Infelizmente não é o que ocorre com a sociedade brasileira em relação ao analfabetismo.

Ao mesmo passo em que países irmãos latino-americanos já são "territórios livres" do problema (ex: Cuba, Bolívia, Venezuela), eis que o Brasil ostenta vergonhosa e elevada margem elevada de aproximadamente 10,5% (IBGE/2006) de analfabetos absolutos (que dizer então dos funcionais...), algo em torno de quase 20 milhões de brasileiros.

O exitoso e eficiente programa cubano de alfabetização "Yo sí puedo" parece passar longe, muito longe do solo tupiniquim.

Difícil entender como uma política pública que deveria ser prioritária consegue ser inescrupulosamente negligenciada com tanto e tão constrangedor "silêncio".

Também pudera, num orçamento público que prioriza o pagamento da "impagável" e eterna dívida (e por aqui nem se ala em auditoria para aferir a legalidade desta "conta"), muito mesmo não há de sobrar para educação e emancipação do povo pela cidadania positiva, a única capaz de transformar positivamente a realidade.

Na inscrição social (e simbólica) da política brasileira, do "projeto" de nação que temos ou que efetivamente nos falta, realmente erradicar o analfabetismo está longe de ser prioridade ou mesmo preocupação.

Mais do que missão para educadores e pedagogos, mais do que desafio para muitos canalhas da classe política, a razão da persistência do analfabetismo em índices alarmantes no nosso Brasil talvez mereça estudo dos sociólogos verdadeiros (não alguns cretinos que mandam rasgar tudo o que se escreveu quando chegam à Presidência da República).

Inveja e indiferença na sua lógica social, como ensina o sociólogo francês CLAUDE GIRAUD na sua obra "Las lógicas sociales de la indiferencia y la envidia" talvez expliquem, respectivamente, o sentimento que deveríamos nutrir dos nossos vizinhos (inveja) e a razão pela qual o problema continua instalado em nosso tecido social mesmo depois de 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e 20 anos da Constituição de 1988 (indiferença).

Se ensinar exige compreender que a educação é uma forma humana de intervenção no mundo de acordo com a pedagogia da autonomia do saudoso e genial PAULO FREIRE, dúvida não resta de que, em nossa democracia de papel, entre notas fiscais não esclarecidas e não-transparentes de "parlamentares", no "castelo" de cartas marcadas da disputa pelo poder, no alheamento e irresponsabilidade social da mídia sobre o tema, não falta quem queira prosseguir com uma "global" democracia de papel que ainda conta com a incapacidade e a alienação dos analfabetos para continuar fazendo deste Brasil um país onde não saber ler e escrever é pressuposto para continuemos com mais do mesmo, ou seja, reprodução de uma errada ideologia dominante que ainda impede o "desmascaramento" de quem quer deixar tudo exatamente como está.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O mundo e suas trocas civilizatórias (im) possíveis


Entre significar “algo” ou percorrer “ciclo do nada”, que leitura se pode fazer do mundo e seus marcos civilizatórios?
A delirante e racional busca de sentido se justifica ou tudo não passa de ilusão, pois a incerteza é a verdadeira e implacável regra do jogo?
Segundo o filósofo francês JEAN BAUDRILLARD, “não existe equivalência para o mundo (...) não há verificação possível do mundo – e por isso que a ‘realidade’ é uma impostura (...)”, afinal, nem tudo deve passar pelo “tratamento homeopático do mundo pelo princípio único da realidade”.
EMIL CIORAN, filósofo romeno radicado em solo francês, no seu agnosticismo, foi categórico ao entender que “se a vida tem um sentido, então, somos todos fracassados”. Será melhor embarcar no “pessimismo” e perder a esperança ou ainda podemos sonhar com um sentido para humanidade? (qual?)
Por mais que queiramos identidade (BAUMANN), será que temos sabedoria e tolerância de respeitar a diversidade e compreender a existência de assuntos insolúveis, efetivas e inexoráveis “trocas impossíveis” (BAUDRILLARD)?
Por maior que seja o desejo de “sistema”, do desenvolvimento linear e “limpo” de cada coisa no seu lugar e com um sentido, ser feliz e (sobre) viver no mundo de hoje talvez passe (ou mesmo exija) aceitação da desordem e, sobretudo, originalidade de um pensamento cada vez mais delirante.
Talvez o desafio do “sentipensar” (WARAT) e o “charme da singularidade” (BAUDRILLARD) sejam as melhores armas para desafiar o terreno flácido e líquido (BAUMANN) das mais gélidas e angustiantes incertezas civilizatórias...
Atualizando o contexto, examinando flagelos recentes, a maior incerteza atual pode estar em fazer conviver a universalidade dos direitos humanos com o duelo Ocidente-Oriente nas suas incertas “trocas (im) possíveis”...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Recovery Plan no deserto do Real: tinta azul ou vermelha?


O filósofo e psicanalista esloveno SLAVOJ ZIZEK, na sua obra "Bem Vindo ao Deserto do Real",conta a estória de um operário alemão que, ao ir trabalhar na Sibéria, sabendo de antemão que suas correspondências seriam lidas pelos censores, combinou um código com seus amigos segundo o qual, nas suas missivas, o que tivesse escrito em tinta azul assumiria condição de "verdade", ao contrário do estado de "mentira", que seria escrito impiedosamente com tinta vermelha...reza a lenda que o operário, em uma de suas primeiras mensagens, depois de escrever uma série de "impressões" sobre o novo país, em azul (portanto, aparentemente verdadeiras), teria escrito, ao final do relato, que o único problema era que não estava encontrando tinta vermelha...

Possível e pequena moral da história: numa mensagem cifrada, mais do que reste textualmente dito ou escrito, o que vale mesmo é o correto uso da referência ao código, sempre com inteligência...(o mesmo aliás poderia ser dito do direito e da "cega" interpretação gramático-literal da lei frente ao cenário de possibilidades trazido pela hermenêutica)

Pois bem, ontem à noite, o recém eleito Presidente estadunidense BARACK HUSSEIN OBAMA discursou destacando, em seu festejado Recovery Plan, algumas premissas extremamente paradoxais com o discurso neoliberal, coisa que tem sido extremamente comum no tempo de la crisis. (ainda que pouco se fale ou se explore a respeito na mídia de massa).

Dentre diversas outras idéias e projeções econômicas agregadas em fala fácil e inegavelmente bem articulada, OBAMA afimou que, na situação atual, somente a intervenção do Estado pode salvar a economia e romper com o "círculo vicioso" do desemprego galopante que, por sua vez, reduz o poder de consumo que, assim, enfraquece ainda mais a economia.

Segundo o Mr. President "do mundo", só mesmo o tempo dirá se o plano de gastar quase de 850 bilhões de dólares para "aquecer" a economia, proposta agora já aprovada pelo Congresso Norte-Americano, surtirá ou não o efeito desejado.

Contudo, se há incertitumbre quanto aos resultados práticos do Recovery Plan uma certeza é indiscutível: está aí mais um motivo para dar ainda mais risada e fazer ainda mais deboche dos frenéticos "papagaios" do capitalismo global que, até ontem, defendiam, na melhor desenvoltura canalha, a tese de que o Estado não precisa intervir na economia...(só excepcionalmente, como alguns tolos ainda insistem em propagandear).

Historicamente acostumados a espoliar países subdesenvolvidos, a estimular "ditaduras" e regimes totalitários, a nação expoente do sistema capitalista global, que ainda patrocina armas, guerras e que, no fundo, precisa e depende da própria "narcodemocracia" (ALEXANDRE MORAIS DA ROSA), parece que, além de suas twin towers, também perdeu a "blindagem" e, com ela, a vergonha de se reconhecer massacrada e nocauteada pelo "monstro-deus" mercado autofágico que ajudou a criar.

A idéia é que o plano "salvador" americano possa reverter a tendência de desemprego e proporcionar a manutenção ou criação de 4 milhões de empregos (percebam a distância - e a malandragem - que vai do manter ou criar - artimanhas da linguagem, sempre ela...).

Voltando para a história inicial, por trás do discurso impactante e simbólico, resta dúvida sobre a cor da tinta do discurso, de sua promessa e dos reais interesses: tinta azul ou tinha vermelha?

Ambas cores, não por acaso, estão na paranóica, fantasiosa e hoje cada vez mais paradoxal bandeira norte-americana...

Mr. President to the United States of America:
Welcome to the desert of Real (Bem-vindo ao Deserto do Real)

A genuína bolha da "virtualidade artificial" do american way of life está prestes a estourar, se é que já não rebentou...

Como ensina ZIZEK, muito mais difícil do que denunciar ou desmascarar como ficção (o que parece ser) a realidade é reconhecer a parte da ficção na realidade "real"...

Afinal, quem acredita ou se engana com o Recovery Plan?

sábado, 7 de fevereiro de 2009

As janelas do dia de PABLO NERUDA...



O poeta chileno PABLO NERUDA (1904/1973), na sua obra “Cem sonetos de amor” (Nobel de Literatura em 1971), abre muito mais janelas que um primoroso romantismo voltado à sua “Matilde”. Suas metáforas combinadas com as estações e os elementos da natureza são pródigas e certamente capazes de deixar nosso interior em verdadeiro e inspirador “estado de aberto” (HEIDEGGER).
Afinal, como bem ensina a afetiva obra nerudiana, o “hoje, ontem e amanhã se comem caminhando”.
Ao apresentar sonetos divididos por fases na evolução do dia, possível interpretar que o poeta chileno quis registrar para a humanidade a importância de se descobrir o amor desde a primeira fração da manhã até o último suspiro da noite, diretamente, sem problemas, nem orgulho, certamente porque não saberemos fazer a paz (e amar) um mundo melhor de outra maneira.
Por essas e outras que, em tempos de liquidez (BAUMAN), alguns recortes destes preciosos “sonetos de madeira” precisam bater à porta de cada subjetividade em "pura substância", como bem já dizia NERUDA.
Que o sol da manhã brilhe um horizonte mais justo; que a equação do meio dia não nos tire o alimento do sonho; que a clareza da tarde e a aspereza da vida levem as cadeiras do salão perdido, afinal, logo chega a noite e precisaremos de lenha para continuar fazendo fogo na montanha, sempre na espera de um novo e renovado dia.

MANHÃ
E o sol estabeleceu sua presença celeste (...)
E aquela vez foi como nunca e sempre:
Vamos ali onde não espera nada
E achamos tudo o que está esperando (...)
E tudo vive para que eu viva:
Sem ir tão longe posso ver tudo (...)
E se constrói então de novo a claridade
Obedecem as coisas ao vento da vida

MEIO DIA
Meio dia estabelece sua equação no céu (...)
Divididos serão os pesares: a alma
Dará um golpe de vento, e a morada
Ficará limpa como o pão novo na mesa(...)
Esta simplicidade sem fim da ternura

TARDE
Como as cadeiras de um salão perdido (...)
As amargas alturas das cordilheiras conhecem meus passos(...)
E desde então sou porque tu és
E desde então és, sou e somos
E por amor serei, serás, seremos.(...)
A morte é só pedra de esquecimento
Tragamos lenha. Faremos fogo na montanha.

NOITE
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora
Gira a noite sobre suas invisíveis rodas(...)
Só a lua no meio de sua página pura
Sustém as colunas do estuário do céu (...)
Há que voar a cada instante (...)
Há que vencer os olhos de Saturno e estabelecer novos sinos
Já não bastam sapatos nem caminhos
Já não servem a terra aos errantes
Já cruzaram a noite as raízes”

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

La lengua popular e a boa música de Calamaro...



Como rodagem musical a ver, merece atenção o novo e último disco do argentino ANDRES CALAMARO: "La lengua popular".

Ex-integrante de LOS RODRIGUEZ, o hermano consegue articular boas e diferenciadas canções com letras particular e verticalmente interessantes, algo difícil na massiva e totalitária indústria fonográfica atual (será culpa da platéia ou a "sociedade de consumo" descarta qualquer sonoridade capaz de despertar e aguçar um pouco mais os sentidos?).

Fato é que não são poucas as boas produções sonoras que se perdem na falta de conteúdo crítico-reflexivo; de outro lado, a toda hora se vê promissoras letras não encontrarem musicalidade suficiente para emplacar.

Gostos musicais e ecletismo à parte, os apreciadores dos valiosos músicos igualmente argentinos FITO PAEZ e SPINETTA certamente encontrarão no novo CD de ANDRES CALAMARO uma agradável (e boa) surpresa.

A proposta e o estilo de "La lengua Popular" traz um equilíbrio interessante entre ritmo, sonoridade, criatividade e originalidade.

O próprio CALAMARO confessa declaradamente não ter o costume de ouvir e comparar seus projetos uns com os outros, atitude que, além de mostrar desapego com a vaidade e uma mirada egocêntrica, parece compreender sabiamente que cada "disco-aí-no-mundo" é só mais um e ao mesmo tempo único (e HEIDEGGER que nos perdoe pela rasteira referência...hoje não era para falar nada de filosofia).

Assim, a concepção do disco é de uma informalidade e de uma subjetividade fascinante, a começar pelos grafismos qualificados e essencialmente distintos da assepsia que tantas vezes vemos na prateleira como habitual, todos marcos pelo traço consagrado do talentoso dibujante argentino RICARDO LINIERS. Por conta disso, "La Lengua Popular" definitivamente é daqueles (poucos) CDs que não merecem ser "pirateados", não por respeito reverencial à ditadura opressiva e pelos preços extorsivos das gravadoras, mas sim pela competência e qualidade do material oferecido ao consumidor.

Não por acaso "La Lengua Popular" tem sido lido e interpretado por antigos conhecedores da trajetória de Andres como seu melhor e mais arrojado trabalho solo.

Quem quiser curtir o som baladeiro-poeta de CALAMARO, esteja pensando ou não em "Carnaval de Brasil" (uma das melhores canções do disco), habrá que desenvainar las espadas del texto, y escribir una canción aunque no haya algún pretexto, y dedicársela al primero que pase caminando, al que se quedó pensando, al que no quiere pensar, al olvido selectivo, a la memoria perdida, a los de los pedazos de vida que no vamos a perder... jamás.

Linguagem, intuição, arte, espontaneidade, subjetividade e, sobretudo, boa e inspiradora música, são mesmo pedaços (e desejos) de vida que não podemos perder, jamais...

Desejos de vida que oscilam no menos e no mais; desejos de vida que ora aparecem e ora se escondem, mas quando surgem fazem como se estivessem estado sempre ali, em busca de uma nova descoberta...Afinal, desde sempre, no blog e na vida, que hay días para quedarse a mirar, hay días en que hay poco para ver, hay días sospechosamente light, hay un deseo que pido siempre que pasa un tren (música Mi Gin Tonic).

Quem quiser tomar uma carona no"trem de Calamaro", fique à vontade:
http://www.youtube.com/watch?v=hpfTlz4OJZY (Carnaval de Brasil)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Cortázar, desemprego na China de Mao e o "sistema vampiro"


Documentário recente no canal BBC emprestou lentes à tenaz e recente desgraça chinesa com o crescimento alarmente (não do "desenvolvimento"), mas, agora, dos índices de desemprego...

Em tempos de crise, cada vez mais derrubado, espancado e desmoralizado o mito do "do livre mercado", a China capitalista experimenta o gosto amargo da sua "prática e contradição", só para não esquecermos da dialética de MAO.

Por mais "simbólico" que seja, fábricas de brinquedos na poluída atmosfera chinesa têm proporcionado milhares de demissões em progressão geométrica, tudo para "diversão" dos banqueiros e eternos chantagistas de plantão, sempre prontos para tentar, no mínimo e mais fugaz prejuízo, extorquir resposta e "pacotes" de apoio do Estado (o mesmo Estado que se mostra invisível para direitos sociais dignos, o que inclui mínima proteção contra o desemprego, contra a precarização das relações de trabalho e muito mais).

Como ensina ZIZEK, em livro no qual, aliás, fala de MAO, "o sinal mais confiável do triunfo ideológico do capitalismo é o virtual desaparecimento da própria palavra nas últimas duas ou três décadas: dos anos 1980 em diante...". Afinal, continua ZIZEK, "a China é hoje o Estado capitalista ideal: liberdade para o capital, com o Estado fazendo o 'trabalho sujo' de controlar os trabalhadores".

Voltando ao documentário, este mostra uma jovem de 25 anos que começou a trabalhar aos 14, deixando o filho com a mãe para vê-lo na frequência incessante de uma vez ao ano, agora impiedosamente desempregada...

E viva o desenfreado capitalismo "comunista" chinês que vai dando o seu irônico recado...

O sistema atual do neoliberalismo cru (e cruel) parece lembrar à pátria de MAO TSÉ-TUNG na qual, de fato, como este já advertia, criou-se campo fértil para que "uma só centelha possa iniciar um incêndio na pradaria"...

O "embalo" do ritmo incessante de crescimento na lógica exclusiva do capital parece estar chegando para cobrar o seu doloroso e massacrante preço.

Como diria MAO, tudo passa por "avaliar corretamente a situação ideal e resolver a questão de como proceder". E agora?

O "pé no freio" da expansão capitalista em solo chinês, mais do que derrubar postos de trabalho, está confirmando a idéia de que o sistema financeiro especulativo estelionatário mundial opera mesmo na lógica do "vampiro", o que lembra um bom conto de CORTÁZAR ("El hijo del vampiro", para quem quiser conferir).

Pior de tudo é saber que crucifixo e punhal de prata provavelmente não servirão para matar a sanha de um efeito represado e de projeção "global"...

Até que outro projeto de sociedade seja possível, como certa feita disse o valioso argentino CORTÁZAR, o vampiro continuará passeando nas galerias do castelo em busca de vivos depósitos de sangue (e emprego)...

O sistema está, cada vez mais faminto ou, diria ainda CORTÁZAR, loco de hambre...

E a dignidade, cada vez mais pálida, precisando de uma "transfusão" de novos horizontes e sentidos.

Tal como os médicos responsáveis pelo parto do filho de vampiro no conto de CORTÁZAR, ainda há quem queira disfarçar o medo (ou será decepção?) com o que chegou ou ainda está por chegar

Pior de tudo só mesmo saber e concluir que todos os fantasmas (tal como certamente os "médicos" de DAVOS) sabiam que ali já tinha nascido um vampiro...

Porém uma coisa é certa:é matar ou, definitivamente, murir la muerte de los vampiros...