terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Recovery Plan no deserto do Real: tinta azul ou vermelha?


O filósofo e psicanalista esloveno SLAVOJ ZIZEK, na sua obra "Bem Vindo ao Deserto do Real",conta a estória de um operário alemão que, ao ir trabalhar na Sibéria, sabendo de antemão que suas correspondências seriam lidas pelos censores, combinou um código com seus amigos segundo o qual, nas suas missivas, o que tivesse escrito em tinta azul assumiria condição de "verdade", ao contrário do estado de "mentira", que seria escrito impiedosamente com tinta vermelha...reza a lenda que o operário, em uma de suas primeiras mensagens, depois de escrever uma série de "impressões" sobre o novo país, em azul (portanto, aparentemente verdadeiras), teria escrito, ao final do relato, que o único problema era que não estava encontrando tinta vermelha...

Possível e pequena moral da história: numa mensagem cifrada, mais do que reste textualmente dito ou escrito, o que vale mesmo é o correto uso da referência ao código, sempre com inteligência...(o mesmo aliás poderia ser dito do direito e da "cega" interpretação gramático-literal da lei frente ao cenário de possibilidades trazido pela hermenêutica)

Pois bem, ontem à noite, o recém eleito Presidente estadunidense BARACK HUSSEIN OBAMA discursou destacando, em seu festejado Recovery Plan, algumas premissas extremamente paradoxais com o discurso neoliberal, coisa que tem sido extremamente comum no tempo de la crisis. (ainda que pouco se fale ou se explore a respeito na mídia de massa).

Dentre diversas outras idéias e projeções econômicas agregadas em fala fácil e inegavelmente bem articulada, OBAMA afimou que, na situação atual, somente a intervenção do Estado pode salvar a economia e romper com o "círculo vicioso" do desemprego galopante que, por sua vez, reduz o poder de consumo que, assim, enfraquece ainda mais a economia.

Segundo o Mr. President "do mundo", só mesmo o tempo dirá se o plano de gastar quase de 850 bilhões de dólares para "aquecer" a economia, proposta agora já aprovada pelo Congresso Norte-Americano, surtirá ou não o efeito desejado.

Contudo, se há incertitumbre quanto aos resultados práticos do Recovery Plan uma certeza é indiscutível: está aí mais um motivo para dar ainda mais risada e fazer ainda mais deboche dos frenéticos "papagaios" do capitalismo global que, até ontem, defendiam, na melhor desenvoltura canalha, a tese de que o Estado não precisa intervir na economia...(só excepcionalmente, como alguns tolos ainda insistem em propagandear).

Historicamente acostumados a espoliar países subdesenvolvidos, a estimular "ditaduras" e regimes totalitários, a nação expoente do sistema capitalista global, que ainda patrocina armas, guerras e que, no fundo, precisa e depende da própria "narcodemocracia" (ALEXANDRE MORAIS DA ROSA), parece que, além de suas twin towers, também perdeu a "blindagem" e, com ela, a vergonha de se reconhecer massacrada e nocauteada pelo "monstro-deus" mercado autofágico que ajudou a criar.

A idéia é que o plano "salvador" americano possa reverter a tendência de desemprego e proporcionar a manutenção ou criação de 4 milhões de empregos (percebam a distância - e a malandragem - que vai do manter ou criar - artimanhas da linguagem, sempre ela...).

Voltando para a história inicial, por trás do discurso impactante e simbólico, resta dúvida sobre a cor da tinta do discurso, de sua promessa e dos reais interesses: tinta azul ou tinha vermelha?

Ambas cores, não por acaso, estão na paranóica, fantasiosa e hoje cada vez mais paradoxal bandeira norte-americana...

Mr. President to the United States of America:
Welcome to the desert of Real (Bem-vindo ao Deserto do Real)

A genuína bolha da "virtualidade artificial" do american way of life está prestes a estourar, se é que já não rebentou...

Como ensina ZIZEK, muito mais difícil do que denunciar ou desmascarar como ficção (o que parece ser) a realidade é reconhecer a parte da ficção na realidade "real"...

Afinal, quem acredita ou se engana com o Recovery Plan?

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