domingo, 24 de março de 2013

A democratização dos meios de comunicação social (censura é o monopólio que temos hoje).



Chegou o momento de conciliarmos a liberdade de comunicação (artigo 5o, IX, da Constituição) com a garantia de que os meios de comunicação sejam, de fato, sociais. Está na hora.

A comunicação social não pode ser mais um capítulo perdido no meio da Constituição (artigos 220 a 225) e precisa ser discutida pelo povo.

Premissas equivocadas devem ser derrubadas.

Controle para que os meios sejam de fatos sociais não é a “restrição” constitucionalmente vedada.

Permitir monopólios privados também é uma forma diferenciada e perversa de censura, até mesmo porque, segundo o parágrafo quinto do artigo 220 da Constituição, “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

Tomemos o exemplo da “telinha”. A televisão está em 96,9% dos domicílios, sendo de longe o meio de comunicação mais difundido e utilizado. O mais curioso é que neste bendito meio qualquer propaganda de informação e utilidade pública que não seja a garantida pelo horário político-eleitoral tem que ser paga (e bem caro) para ser veiculada.

Por que o Poder Executivo não muda isso? Simples. Porque as vezes é o próprio Governo que capitaliza lucro eleitoral com esse sistema. Para ficar num exemplo concreto, é por essas e outras que ao invés de se esclarecer que o SUS (Sistema Único de Saúde) é gratuito e que a assistência farmacêutica é um direito de todo o cidadão, conforme prevê o artigo 6o da Lei 8.080/90, o Governo, no caso o Federal, prefere pagar propagandas nos mais diversos e grandes jornalões  "vendendo" a ideia de que remédio de graça é "favor" da Presidenta. Barbaridade.

Se existem princípios para que as programações de rádio e televisão observem, pergunto: quais são as finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (quem diz é o inciso I do artigo 221) que temos na televisão aberta e pública nos dias de hoje?  Alguém acha que os meios fazem uma difusão adequada da cultura nacional e regional (inciso II do artigo 221)? A regionalização é observada (inciso III do artigo 221)? Quem se arrisca a atravessar a programação com foco nessas questões?

De nada adianta a restrição de propriedade de meios a brasileiros natos e naturalizados com mais de dez anos ou a pessoas jurídicas constituídas no Brasil, condicionantes para edição e seleção da programação se, na prática, isso não tem nenhum resultado prático e pode ser burlado pela permissividade com o setor.

Lembrando que cabe ao Poder Executivo tratar das concessões, permissões e autorizações para o serviço de radiodifusão, devendo o Congresso Nacional apreciar o ato.

A propósito, alguém sabe dizer quais casos em que não houve a renovação de concessão ou permissão que já ocorreu pelo Congresso Nacional (artigo 223, parágrafo segundo, da Constituição), possibilidade prevista pelo artigo 223, parágrafo segundo?

Já houve alguma decisão judicial determinando cancelamento de alguma concessão? (artigo 223, parágrafo quarto)

E o que dizer, então, do Conselho de Comunicação previsto como órgão auxiliar do Congresso Nacional, na forma do artigo 224, funciona? Quem são seus membros? O que discutem? Cadê as atas? Onde está, aqui, no campo da mídia, a democracia participativo-deliberativa como princípio? Ou será que a preocupação com uma Conferência de Comunicação que busque transformá-la será correr os mesmos riscos do Governo Argentino de Cristina Kirchner, sempre tachada (como ocorria com Chávez) como “inimigo” da imprensa?

Além de fazer justiça aos bons veículos que volta e meia cuidam do tema (Le Monde Diplomatique, Caros Amigos, Programa Faixa Livre, TV Cultura, Globonews – curiosamente esta última disponível apenas para assinantes e não para informar o povo), antes de emitirem editorais direcionais e preconceituosos pela mudança da ordem das coisas que ocorre em alguns países da América Latina, gostaria de ver os meios de comunicação no Brasil ocupados em fazer um debate sério sobre assunto.

O mundo complexo do direito, os juristas, também precisa pensar na efetividade desses dispositivos.

A comunicação precisa ser de fato social e não refém dos interesses do deus-mercado.

O espectador não é apenas consumidor, mas também cidadão, o que não interessa às grandes redes (e, verdade seja dita, também não interessa a muitos governos que, distantes da “potentia” do poder em si e próximos do fetiche autorreferencial do “potestas” como poder delegado estão geograficamente longe da política como ofício que, como bem ressalta Dussel, deve ser um ofício nobre e patriótico).

Na imprensa brasileira, de modo geral, especificamente na televisão, como bem afirma com lucidez Silvio Caccia Brava, “não há análises de contexto, os fatos não se inscrevem em lógicas mais amplas. [...] os meios de comunicação vivem uma relação promíscua com o poder político e o poder econômico [...] Basta ver quem detém as concessões, por exemplo, das estações retransmissoras das principais redes televisivas, distribuídas, em grande parte, para as oligarquias e lideranças políticas regionais. Seu objetivo não é mais servidor à sociedade, mas se servir dela para alavancar interesses privados, para alavancar negócios, para reproduzir as elites no poder”.

É por isso que as discussões não avançam. É por isso que após a escolha do papa volta-se a curiosidades fúteis, sem que a Igreja Católica como instituição seja discutida, com respeito a visão do ocidente e do oriente, com respeito à liberdade, com a indicação sistematizada dos fatos, da inquisição à teologia da libertação; é por isso que os noticiários dos crimes de trânsito episódicos não revertem numa discussão série sobre a necessidade da legislação ser revista, sobre a necessidade de se discutir a municipalização na fiscalização do trânsito na maior parte das cidades brasileiras, sendo mais fácil divulgar a tragédia do episódio;  o mesmo vale para as matérias que se ocupam da água apenas no seu dia mundial, esquecendo a poluição hídrica fomentada pelo próprio Estado, as agruras da nefasta transposição do Rio São Francisco, a burrice que é produzir energia com a morte da vida em diversos rios quando existem outros canais alternativos; isso vale também para o jornalismo que prefere explorar a “espetacularização” dos julgamentos concretos sem discutir a total falta de prioridade do Poder Judiciário brasileiro para priorizar o processamento e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, que na periferia brasileira são julgados por vezes 10 ou 15 anos depois do fato realizado, sobre o que pouco ou nada se diz em tempo em que a “justiça” chega nos aeroportos; é por isso que a discussão do IDH não resiste a duas ou três manchetes e resvala para a exploração política ao invés de discutir o tema com profundidade e de modo responsável.

Os discursos da mídia são tanto inofensivos como perigosos. Inofensivos porque não permitem que nada se transforme; perigosos porque distorcem e não raras vezes desinformam.

Tudo se resume em divulgar as pesquisas dos institutos, “ibopetizar” e “datafolhar” as coisas, desde a avaliação do governo, das instituições, dos direitos...Não por acaso existem tantas visões distorcidas e equivocadas.

Nesse quadro, a comunicação digital ainda é o que temos de melhor, mais horizontal e democrático...

Ninguém aguenta mais tanto jornalismo "canalha" (José Arbex Junior).