quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A lição que vem do Egito: February 11th


  1. Bem que ENRIQUE DUSSEL ensina que a história inter-regional precisa ser contada por lente diversa da tradicional visão romano-helênica do mundo, começando pelo período histórico egípcio-mesopotâmico.
  2. Até mesmo o conservador ORTEGA Y GASSET já falava da “história como sistema”.
  3. Delimitado o local, examinada a história como campo de interações, inegável que muitos acontecimentos não eclodem sem um bom substrato de razão histórica e cultural, por maior que tenha sido o período de latência.
  4. Por conta disso é que a chegada da liberdade democrática para o povo do Egito merece ser vivamente festejada, por mais tardia que seja.
  5. A ecosofia das relações sociais (GUATTARI) como forma de pressão revolucionária para a democracia, mais do que nunca, está na ordem do dia.
  6. O milagroso segredo para que 30 anos de Ditadura possam ruir em 18 dias é bem simples, passando pela compreensão radical de que o poder existe para o povo. Power to the people, right on, como já ensinava LENNON. Protesto é a arma!
  7. Não há serialização de subjetividade que resista à opressão. Uma hora chega o dia em que o sono da censura e o efeito paralisante do medo acabam sendo inundados pela realidade. A indignada revolução molecular, mesmo quando é exercida com violência, com abusos, sempre tem no horizonte infinitas possibilidades. Não violência maior do que não poder participar da vida política-social do país. Tudo é uma questão de padrão.
  8. A experiência democrática e a mobilização do povo nas Praça Tahrir, nas ruas e em todos os espaços da cidade do Cairo, se de um lado mostram quão cretino pode ser o consenso e o conforto de quem aceita ser dominado passivamente, sem chance alguma de escolher o rumo do próprio destino, de outro evidenciam que o potencial de mudança estrutural da sociedade depende de pressão e da força popular, dois ingredientes fundamentais para uma vida mais digna, justa e solidária.
  9. A revolta incrível do povo egípcio precisa ser a enzima catalisadora de novas transformações. Tudo está de alguma forma relacionado e imbricado. Não há mais lugar para autonomias sedantes isoladas do próprio ambiente de contexto.
  10. A democracia definitivamente precisa ser um valor existencial capaz de transcender figuras ditatoriais que não se justificam a não ser por falta de mobilização e conscientização popular.
  11. A ressonância dos exemplos positivos e democráticos há de produzir muitas ondas. Atirada a pedra no rio, mais do que uma nova Constituição e pauta para mídia internacional, resta saber qual o alcance da lição do Egito para o resto do mundo, tomara que para muito além da superfície.
  12. Basta saber dialogar com as circunstâncias para que outras revoluções sejam inspiradas. Razão históricas é o que não faltam. O que estamos esperando para começar?
  13. Se o Egito foi a civilização que mais tempo perdurou na história é de se desejar que o valoroso e corajoso exemplo dado por seu povo ao mundo há de transcender e se perpetuar para outras fronteiras.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Descartes e a razão & a razão de Descartes


“(...) eu tinha certeza de usar em tudo minha razão, se não perfeitamente, ao menos da melhor maneira possível (...) estejamos despertos ou adormecidos, não devemos nunca nos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão” René Descartes.

1. Discurso do método, obra de autoria de René Descartes (1596/1650) é uma leitura interessante e valiosa. Antes de ser texto formal e sisudo, a formulação teórica em questão traduz um diálogo persuasivo do início ao fim.

2. Pensar que este célebre francês, fechado e voltado para a “tranqüilidade” do seu mundo interior, patrono da filosofia dita “moderna”, quis explicar “razão” a partir de conceitos de corpo e alma, a partir da garantia da existência de Deus, não deixa de ser uma brutal contradição. Uma metafísica sustentada sobre a ideia de Deus parece estar mais para teologia, não seria esta uma “clara” e “certa” constatação?

3. De qualquer forma, as quatro “leis” triviais de DESCARTES solidificaram seu pensamento para eternidade: 3.1) o uso da razão acima de tudo, 3.2) o desdobramento por partes das questões complexas, 3.3) a necessidade de ordenação lógica das coisas e, por derradeiro, 3.4) importância dos aportes e contribuições criticas de terceiros para aprimoramento da ideia. Esses quatro parâmetros não deixam de ser importantes referenciais, úteis, inclusive, para iluminar a caminhada científica, tal como feito por KHUN ao tratar do seu conceito de paradigma.

4. Pena que a obcecada busca de “verdade” como projeto de vida, inegavelmente tenha ofuscado uma pretensão que poderia sim, que sabe, ser de verossimilhança....reconhecer a impossibilidade fática de se obter verdade é cada vez algo mais palpável, especialmente no universo da linguagem ou mesmo da filosofia dos sujeitos concretos;

5. Se é preciso existir para pensar, se pensar é sinal de existir, se essas são as faces reversas do cogito, quem sabe poderia Descartes ter concluído que para não se encontrar a verdade basta achar e acreditar que ela exista... Nada mais aprisionador do que se encastelar em cima de verdades, dogmatismo insuperável que traz um tom restritivo a uma proposta filosófica que poderia ser ampliada.

6. Será que a busca da verdade e da perfeição é justamente a engrenagem utópica através da qual René flerta uma “logicidade” que ele sabia ser inatingível? Será a busca da verdade o passo necessário e permanente na busca de uma teoria do conhecimento? Pelo não dito já se vê que o discurso do método pode abrigar muito mais do que “racionalismo”.

7. O mais curioso é que no interior do pensamento de Descartes, no “uso público” da razão, é possível vislumbrar uma alteridade voltada para uma dimensão coletiva do viver, voltado ao serviço da sociedade, privilégio que deveria ser buscado por seres humanos...todos juntos bem mais longe do que cada um em particular poderia ir;

8. Se a natureza do conhecimento e a sua extensão precisam buscar uma razão de uso público, um bem-estar geral, quem sabe não é hora de dar uma (re) leitura do Discurso do método por uma lente mais generosa?

9. Se o leitor acha que os devaneios sobre Descartes ficaram longo demais, nada mais simples e lógico do que orientar o uso da razão e a leitura por partes, seguindo a ordem proposta, tudo para que as contribuições e objeções de todos sejam levadas em consideração.

10. Afinal de contas, já que conduzimos nossos pensamentos por vias diversas e não consideramos as mesmas coisas, Descartes e a razão & razão de Descartes pode sim, porque não, ser uma tema em aberto à conversação, mais do que isso, uma gaveta puxada à espera de atualização;

11. Pensar para existir, existir para pensar, temática de luz e sombra determinantes para construção do edifício do conhecimento para o futuro. A propósito, nossos cuidados devem ir mais além do tempo presente, esse já era um ensinamento de Descartes..

12. Tudo que sabemos é quase nada, comparado ao que resta por saber e isso vale para o conteúdo do discurso do método, por que não?

13. Pensar e existir...uma verdadeira engrenagem para conceber e compreender o mundo para além daquilo que ele efetiva e materialmente nos mostra.