sábado, 6 de junho de 2020

Ricardo Antunes está certo: o Brasil quer mesmo a "copa" mortífera da COVID-19...



Eu já devia imaginar que a pandemia iria ter um retrato ainda mais triste e genocida na periferia do mundo capitalista. No "sul do mundo" as dores são sempre piores.  

A pandemia anunciada inicialmente como de propagação "democrática" e independente de raça ou classe social, progressivamente, em meio a um cenário de gente sem casa ou com moradias precárias, sem saneamento básico, com um sistema público sucateado e subfinanciado e em um cenário de uma assistência social débil e cambaleante sem ações, programas e políticas públicas suficientes, em meio ao "cassino" do capital, mostra que, sim, ela se transmite com maior velocidade no cenário da  pobreza e da desigualdade.

Mas não só: pobreza, desigualdade, irresponsabilidade e insensatez.

Por mais "esforçados" que pareçam, nossos meios de comunicação (mesmo os mais progressistas) não conseguem se engajar (e impactar) da mesma maneira do que fizeram há poucos dias, quando o COVID-19 era uma "novidade", quando as mortes para mais de mil ocorriam na Itália, na Espanha, na França e nos Estados Unidos, para ficar em alguns reduzidos exemplos.

Como entender que um cuidado necessário (em um cenário com praticamente a ausência de outras alternativas) iniciado em meados de março possa ser "flexibilizado" em pleno junho justamente quando o país não atingiu o sinistro pico de infectados e mortos pelo "coronavírus" (que infelizmente, já superam as dezenas de milhares)? 

O Brasil será um caso único no mundo de desprezo deliberado à vida em meio ao caos pandêmico e suas múltiplas crises (sanitária, social, política e econômica). 

Eu gostaria muito de acreditar que a postura tem alguma razão técnica, sanitária ou epidemiológica para essa "flexibilização" em plena pandemia, mas olhando para a trajetória de alguns "representantes" eleitos, sinceramente prefiro não me iludir. Melhor aceitar que o "mercado", de fato,  para muitos, vale mais do que os "direitos humanos". 

O Brasil é o único país que trocou dois Ministros da Saúde em plena pandemia. Como se não fosse suficiente, nós, que tivemos a Ditadura como o maior câncer da nossa história recente (depois do colonialismo), temos um Ministro de Saúde interino que, pelo que se vê, pouco entende ou sabe não só de saúde pública, mas também da ideia de República, pois nela a "pátria" é muito maior do que o desejo de plantão do governante de passagem.

"Acima de tudo" e de "todos" permanecemos regidos, em maior ou menor grau, por diversos (des) governos que, por suas ações e omissões cotidianas, mais concentradas ou diluídas, em diversas esferas federativas, vão da estupidez à insensatez, flertando com a canalhice e abraçando a "necropolítica". 

Em meio a isso (e às muitas outras desgraças do cotidiano, como a triste morte de uma criança quando sua mãe trabalhadora passeava com o cachorro da patroa), ouço a notícia de que o "dólar caiu" e que a Bolsa se aproxima de uma centena de milhares de pontos. É, é duro dizer, mas muitos certamente acham que os pontos da Ibovespa valem mais do que os pontos negros dos "alvéolos" pulmonares, dos pontos ainda não atingidos nessa curva mortal na qual mergulhamos há semanas, dos pontos que, até aqui (e infelizmente vai piorar), impedem, no mínimo (porque na verdade a estatística real é ainda mais perversa) uma brasileira ou um brasileiro de respirar por minuto!

Em meio a isso, o Presidente da República eleito (e graças "às instituições em funcionamento" ainda no cargo) mimetiza "Trump" e ameaça sair da Organização Mundial da Saúde, o mesmo "Trump" que anuncia o momento difícil do Brasil frente à pandemia posando agora de "responsável".

Como admitir que um Presidente possa anunciar uma propositada omissão de informação sobre um dado sanitário essencial como o número de mortos nas últimas 24 horas (ainda que esse número seja provavelmente muitas vezes menor do que a realidade diante de um cenário de ausência de testes e de escancarada subnotificação)? 

Vidas brasileiras importam ou não? 

Eu felizmente ainda não perdi nenhum familiar, amiga ou amigo pela COVID-19, mas já soube de diversas pessoas de minhas relações diretas ou indiretas que passaram por isso. Será muito pedir um mínimo de "alteridade" e "respeito" pelas pessoas que sequer puderam velar adequadamente a morte e a última hora dos seus? 

Como disse o Professor Ricardo Antunes outro dia (em evento do MP Transforma), o Brasil parece estar realmente olhando para a pandemia e pensando..."essa copa tem que ser nossa".

Será mesmo? 




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