Na mesma terra em que CESARE LOMBROSO pensou equivocadamente a idéia do “criminoso nato”, sustentando maior propensão à criminalidade de determinados sujeitos portadores de um específico biotipo físico, o atual caricato Presidente direitista SILVIO BERLUSCONI, não apenas tem semelhança estereotipada com a amaldiçoada ilicitude do “colarinho branco” como está envolvido até a “testa”, com bastante verossimilhança, em verdadeiro e grave escândalo de corrupção.
O fato: nesta semana foi divulgada decisão de segundo grau do Tribunal de Milão (por sua 10ª Seção Criminal) condenando o advogado inglês DAVID MILLS por ter prestado falso testemunho para encobrir fraudes em operações financeiras ilícitas de milhões de dólares envolvendo negócios da família Berlusconi e a financeira Fininvest (evasão fiscal, lavagem de dinheiro, etc).
Os advogados e seguidores políticos do premier italiano BERLUSCONI (e o próprio) alegam que a Justiça tomou uma decisão “absurda” e “escandalosamente política” em nome da “oposição”, mas os argumentos apresentados são aparentemente inconsistentes frente a uma decisão judicial colegiada fundamentada e idealmente imparcial.
Mesmo assim, parte da grande mídia italiana divulgou o fato e, ao mesmo tempo, propôs a pauta do assunto buscando enfatizar, de modo “sensacionalista” e “barato” a idéia da guerra entre o sistema de Justiça e o Presidente BERLUSCONI (em italiano: I giudici X Berlusconi), temática logo conectada à discussão sobre a forma de provimento dos cargos da “magistratura” (que, bom lembrar, na Itália contempla tanto as carreiras do Ministério Público quanto do Judiciário).
Pior do que isso só mesmo o fato de parte significativa da imprensa italiana der dado vazão ao monolítico e desesperado argumento de BERLUSCONI, insinuando que a magistrada presidente do órgão colegiado determinante de sua condenação seria sua “inimiga” política declarada por ser adepta ideologicamente de linhas políticas esquerdistas (la sinistra, como dizem os italianos).
Determinado e famoso programa da televisão italiana (que de modo geral, aliás, é de baixíssima qualidade), ao invés de explorar e aprofundar o fato na sua essência, dedicou tempo precioso para discutir o fato da magistrada presidente do Tribunal (NICOLETTA GANDUS) ter participado do Fórum Mundial de Juízes realizado em Porto Alegre em evento paralelo ao Fórum Social Mundial, como se isso denunciasse certa tendência sua a contrariar a linha política de BERLUSCONI...lamentável.
O episódio permite extração de lições boas e más.
Dentre as boas, importante ver que a Justiça Italiana consegue ter rapidez, celeridade e discernimento suficiente para assegurar, em decisão colegiada de segundo grau, uma sanção criminal que, na sua origem, implica e constrange, ainda que indiretamente, ninguém menos do que o Presidente da República de um dos principais países europeus. Igualmente animador é ver que a corrupção (além de não ser privilégio do Brasil), mesmo nas mais altas esferas, apesar de todas as dificuldades, pode ser alcançada e efetivamente perseguida. Verticalizando o tema, forçoso reconhecer que a idéia exorta a importância da independência do Judiciário e do Ministério Público enquanto instituições fundamentais para resguardo do bem comum e do interesse público, seja na Europa, no Brasil, onde for...
Por outro lado, é de se lamentar que o sistema de justiça brasileiro ainda esteja longe, muito longe, de conseguir julgar e efetivar casos desta dimensão com a mesma celeridade e eficiência, a começar pelo fato de o Poder Judiciário não ter regras claras e objetivas que permitam prioridade no julgamento de delitos envolvendo corrupção ou crime de “colarinho branco” (o único critério “tradicional” ainda seguido é o de “réu preso”, classificação que, pela seletividade do sistema penal, raramente ocorre com os criminosos que desfilam de terno e têm largos braços na mídia e nos poderes constituídos).
No contexto do caso, mais uma vez, é de se lamentar a forma tendenciosa que a imprensa de massa explora o episódio, perdendo a essência na particularidade e no subjetivismo, preferindo enfatizar mais uma manchete sensacionalista beligerante de suposta “guerra” ou mesmo insinuar qual seria a opção ou preferência ideológica política de uma das magistradas julgadoras do que, propriamente, explorar a gravidade das provas e do fato em si.
Aliás, é de esperar que o fato de qualquer membro do sistema de Justiça buscar estudar ou pensar criticamente a sua instituição em um Fórum de debates não possa ser tido como vinculação ou “politização” capaz de gerar perda da imparcialidade, mas sim como consciência do dever de aprimoramento e aperfeiçoamento, além de dever de exercício responsável da cidadania, para o bem da própria instituição e, sobretudo, da sociedade.
Tendo Brasil e Itália mais pontos comuns do que a própria e histórica emigração e os laços culturais, sem dúvida que a maneira através da qual determinado fato de corrupção envolvendo alta escala de poder repercute na Itália permite algumas reflexões críticas “tupiniquins”.
Lamentavelmente, não por acaso, recentemente, o operoso (e corajoso) Juiz Federal FAUSTO DE SANCTIS que julgou e condenou um conhecido e poderoso empresário por corrupção, teve sua independência e fundamentação afrontadas dentro da própria cúpula do Judiciário por Ministros do Supremo Tribunal Federal. O mesmo magistrado chegou a ser questionado na sua “ideologia” por parte da imprensa simplesmente porque citou ou utilizou, na fundamentação de sua decisão, argumento de renomado jurista constitucionalista alemão. Nada seria mais surreal se, recentemente, juízes federais que assinaram manifesto de apoio a este mesmo juiz não tivessem sido instados a prestarem “esclarecimentos” pela Corregedoria do Tribunal ao qual estão vinculados... Como já lembrou CAETANO VELOSO, alguma coisa deve estar mesmo fora da ordem, fora da nova ordem mundial...
Em suma, o mais recente “episódio Berlusconi” e seus reflexos na realidade italiana, como se vê, é um significante a partir do qual, sempre no novelo complexo da linguagem, bricolando de cá e de lá (como ensina o Mestre ALEXANDRE MORAIS DA ROSA), podemos construir vários e atuais significados, mais do que isso, verdadeiros “recortes críticos”. O mesmo pode ser dito e feito a partir dos inspiradores horizontes e sugestivos landscapes do talentoso e singular pintor inglês J.M.W. TURNER, especialmente se tivermos firme a idéia de que a literatura, o direito, a arte, o cinema assim como outras expressões culturais, estão (ou precisam estar) em permanente diálogo de fontes...
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