segunda-feira, 20 de abril de 2009

Diálogo da Arte e o Direito na linha do tempo e da história: entre o Estado e a Liberdade


Fala-se da aproximação da Arte com o Direito na tentativa de se estabelecer algum tipo de diálogo crítico-reflexivo que permita atravessar as linhas do tempo (passado-presente-futuro) e verificar quais as repercussões de sentido refletidas por ambos elementos na vida cambiante e delirante de “ser-aí” em sociedade, seja objetiva ou subjetivamente.



Tal como a Arte teve suas “academias”, categorias (pintura, escultura, etc) e movimentos (uma vez que a linha da pós-modernidade exige transcendência e efetiva interpenetração que confunde compreensões monolíticas no seu campo), assim como a Arte serviu historicamente como instrumento de disseminação e persuasão de uma idéia de Estado (Absolutista, por exemplo), o Direito também possui sua própria dinâmica, seus elementos, suas formas de concepção e de interpretação, por mais que sua história nem sempre seja tão visível, por mais que sua relação com o perfil do Estado, infelizmente, não seja tão perceptível aos olhos "domesticados" (NIETZSCHE) .



As provas das conexões e disjunções entre Direito e Arte, portanto, são evidentes. Reflexos de Direito e Arte e suas escolas nos projetos de Estado e Liberdade, por sua vez, podem ser relevantes espaços de descoberta.



A propósito das “academias da arte no seu passado e presente", o alemão NIKOLAUS PEVSNER possui excepcional obra de pesquisa sobre o tema, através da qual é possível perceber o longo caminho percorrido entre diversas épocas e escolas (que tal começar na Grécia, passar pela Academia Francesa para chegar na Bauhaus?).



No que diz respeito ao “Direito” e suas escolas e “academias”, talvez a cultura errônea do “manualismo” ou do “fast-food” jurídico na crise da (de) formação jurídica esteja impedindo que a maior parte dos estudantes (os "operadores" de amanhã) acessem instrumentos de pesquisa que permitam objetiva compreensão da evolução dos fluxos e refluxos que envolveram e envolvem a busca do “justo”, da “aplicação e compreensão da lei”, que, por sinal, vai muito além de estupidamente querer “dar a cada um o que é seu”, máxime quando muitos ainda esperam pela “Justiça Distributiva” tardia sonegada, ainda mais quando muitos brasileiros esperam a cidadania prometida e, infelizmente, “nada tem de seu”.



Na natureza das coisas, uma das razões para a disparidade talvez esteja no fato da formação e preparo do “profissional” da Arte ser muito mais democrático, aberto, vocacionado e competente do que a forja do que deveria ser um “artesão” do Direito. Problema talvez esteja no fato de a “Arte” ter abandonado e se distanciado da reprodução da natureza e seus estados sem perder a essência dessa escola quando, de outro lado, na "arena jurídica" ainda se luta, não só pelo Direito (IHERING), mas também para reconhecer o “direito natural” como raiz ainda necessária para expressão intuitiva do “justo”.



De outro lado, se para alguns a Arte deve estar obrigatoriamente vinculada a padrões estéticos independentemente do significado, ainda há quem acredite que o Direito precisa sempre preservar a imaginária e mitológica “segurança jurídica” em defesa de um “positivismo” racionalista colado na falsa idéia do “fetiche da lei” e na absurda concepção dos que admitem e preferem um sistema de justiça fechado e sem a devida oxigenação e interlocução com a sociedade. Até quando?



Se a Arte na atualidade conseguiu desprendimento da matriz estatal em nome da liberdade crítica da busca plural de novos sentidos, o que inclui afastamento da idéia paradigmática de “categorias”, ainda mais quando tudo está a exigir intersetorialidade em qualquer forma de expressão no espaço, o Direito, ao contrário, em suas intervenções, continua excessivamente enredado na sua linguagem vetusta e distante da sociedade, atrasado e petrificado nos seus “aprisionamentos” de sentido (bem expressados na alienação propiciada pelas dupla sempre lembrada: “súmulas vinculantes e jurisprudências dominantes”), perdido no senso comum teórico (WARAT) e, o que é pior, não raras vezes posto a total serviço de um determinado tipo de Estado Liberal muito distante do Estado Social Democrático de Direito preconizado pela Constituição da República que, aliás, já passou dos seus vinte anos.



Nesse contexto é possível arriscar algumas projeções, por mais que estas estejam em permanente (re) construção de sentido.



Primeira: a Arte hoje é muito mais livre do que o Direito. Ainda que para alguns isso possa ser óbvio, basta examinar o histórico de superação hermética das “academias” na história da Arte para sonhar que o Direito também possa um dia ser embalado na esperança de que nenhum paradigma é impossível de ser vencido ou superado, nem mesmo o positivismo.Nesse contexto, uma das muitas patologias do Direito, por sua vez, é continuar sendo manipulado e utilizado como instrumento de força de um “Estado” que pode não refletir as escolhas e os anseios reais do povo como grupo humano que ocupa um território em busca de vida digna.



Segunda: para a Arte a angústia do rompimento do “academicismo” talvez resida na perda e na dificuldade de persuadir significados uniformes que seriam tão necessários em tempos pós-modernos e líquidos de perda de valores e referências. Já para o Direito o problema parece estar na dificuldade de transmissão de seus significados por meio de uma linguagem democrática que precisaria se mostrar muito mais acessível e persuasiva do que a simples coação e imposição de uma “ditadura de justo” ou de “aplicação cega e sem crítica” da lei construída de modo unilateral e sem participação e divisão de responsabilidade entre as partes (e a sociedade). Tal como a Arte, o Direito precisa concorrer com alguma outra coisa, pois nem sempre será ou se servirá da lógica do "monopólio" (a mediação e justiça restaurativa estão aí, afinal das contas).



Assim como a derrocada do Estado Absolutista fez com que determinado tipo de academicismo “dirigido” e “pago” pelo rei fosse abolido, é de se esperar o dia que o Direito irá se livrar de uma vez por todas da estrutura neoliberal e dos riscos da lógica “eficientista”, desumanizadora e simplista da análise econômica do direito (a lição aqui é do excepcional ALEXANDRE MORAIS DA ROSA). A crise da economia também é do Direito, cuja prosperidade passa pela contaminação positiva da idéia sempre revolucionária de liberdade, pelo pensamento crítico-filosófico e pela funcionalidade de uma hermenêutica constitucional “marxiana”, instrumentos de exercício permanente para que o Direito nunca perca sua conexão com as ciências sociais, sua tridimensionalidade (e humildade) de saber que a “norma” precisa trabalhar e se (re) modelar a partir de um “fato” ao qual deve ser atribuído um “valor”, exercício essencial ao Estado Democrático de Direito (que o diga a escola de arte “Bauhaus” que tanto sofreu com a derrocada dos postulados altruístas da República de Weimar na Alemanha Nazista, regime totalitário que, por sinal, tinha “amparo” no “positivismo” ainda hoje tão defendido por muitos).



Afinal, assim como cada um por si, sozinho, não vale nada (e a lição é de ERNESTO CHE GUEVARA), o mesmo deve ser dito da “norma” sozinha, isolada e aplicada de modo desvinculado do compromisso de transformação do que precisa ser modificado na realidade das coisas, o mesmo também podendo ser dito do Direito enquanto campo de saber que precisa ceder aos postulados da “inter” e da transdisciplinaridade, embora muitos teimem aceitar o contrário.



Se a Arte deve estar desvinculada de uma determinada idéia de Estado em prestígio da liberdade, o Direito, por sua vez, precisa prezar e valorizar a Liberdade de aprendizado, de interpretação e de sentido para permitir a tão esperada implementação transformadora do Estado Democrático de Direito, promessa ainda distante em tempo de um “positivismo” opressor, em tempo de súmulas e jurisprudências tortamente vinculantes (e a mídia, o que delas tem feito?).



Se a função da história é “iluminar o passado a fim de permitir que o presente opere suas escolhas com conhecimento de causa” (e a lição é de ANTONIO PINELLLI), as relações do Estado e da Liberdade com a Arte e com o Direito representam uma importante e desafiadora interlocução para o futuro de ambos campos do saber e, sobretudo, da humanidade. A sensibilidade e a abertura permanente para construção de diálogo e consenso pode ser um caminho, de preferência livre do “academicismo” à serviço "do rei" ou do “positivismo” à serviço da reprodução sórdida dos interesses dominantes.

Um comentário:

  1. Interessante recorte no artigo.
    Encontrei este Blog na procura pela relação Direito x Arte e tive boas informações na leitura.
    Poderia haver mais posts sobre o assunto!

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