quinta-feira, 13 de agosto de 2020

De quais "reformas" o Brasil realmente precisa?

 

O Brasil precisa de "reformas"? Quais os significados desse significante "reformas"? Alguns dirão: reformas verdadeiramente transformadoras e estruturantes. Não de quaisquer "reformas" que, em verdade, "mudem não mudando". Certo, pode ser. Uma delas, inclusive, da qual nada se fala nos "jornalões": a Reforma Agrária!

Há quem, com o olhar atento para a história da América Latina, diga que o Brasil precisa muito mais do que isso. Não por acaso Nildo Ouriques defende a necessidade de uma "revolução brasileira". A Revolução na nossa realidade ainda é uma "ausência". E então, a velha pergunta, o que fazer?

De  qualquer modo, mesmo essas eventuais mudanças significativas, na otimista via da "reforma", todavia, certamente não virão de um governo de extrema direita aliado ao "centrão" e ao que existe de pior e mais fisiológico na política brasileira, isso tudo para dizer o menos. Muitas outras e igualmente comprometedoras podem ser as relações. 

Por mais que os defensores do "mercado" repitam, como mantra, a necessidade ampla e genérica de "reformas" (ontem a previdenciária e a trabalhista; hoje a tributária e a administrativa; amanhã a política etc), é preciso discutir quais seriam as suas bases e razões. 

A revolução ou mesmo as "reformas" de verdade que o Brasil precisa para ser um país soberano menos desigual e dependente não passam pelo enfraquecimento do Estado brasileiro, pelo menos para o propósito que justifica a existência do próprio Estado como ficção. Se há um Direito do Estado, um Direito Constitucional, um Direito Administrativo, certamente que é para um determinado propósito de um Estado construído para as pessoas, não para o mercado. Projetar um país e o seu desenvolvimento (melhor do que isso, "bem viver") em todos os níveis, inclusive social, vai muito além disso.

Aliás, sempre bom lembrar, qual é o paradigma do Estado brasileiro?  Um Estado Democrático de Direito que precisa buscar a transformação social (artigo 1o, parágrafo único, da Constituição). Goste-se ou não, esse é o projeto constitucional (ainda um tanto quanto descumprido, a despeito de diversas "emendas" à Carta Cidadã de 1988).

Uma pergunta importante é se as ditas e solicitadas "reformas" são para o "Estado" brasileiro ou para o "mercado". Desnecessário dizer que na dita e tacanha "agenda liberal", essa mesma defendida por muitos editoriais da grande mídia, não há espaço para outra coisa a não ser o endeusado "mercado". O mesmo "amor" que sobra ao mercado é o "ódio" destinado ao Estado na sua pior e mais estigmatizada "versão" (o mesmo que, paradoxalmente, é chamado a todo tempo para socorrer o mercado nas muitas crises do "capital" - esse sim o pior e mais letal vírus).

Assim, não é preciso muito esforço crítico para se saber que as defendidas "reformas" não são para cumprir o projeto do Estado constitucional brasileiro na sua eficiência, mas apenas para atender a interesses declarados (e não declarados) do "mercado". 

A única "liberdade" que instiga a mobilização por ditas "reformas" da ala econômica do atual governo é uma só: a do "mercado", não a da vida concreta das pessoas em um país de marcante desigualdade e injustiça, ainda mais acentuadas em tempos de pandemia. Mesmo nesse novo tempo do mundo, assiste-se a um "velho normal": é o "mercado" que precisa ser protegido, não o "povo brasileiro" no seu conceito mais restrito.

A única "radicalidade" que interessa a "essa turma", no seu egoísta e mesquinho horizonte neoliberal como "razão do mundo", não raro movida por uma lógica de "morte" (portanto, negadora da "vida"),  é a do "mercado". O "mercado" é a única vida que importa. Ele é um culto "monoteísta" sempre reverenciado.

Não por acaso, essa mesma  gente tacanha ironiza e ridiculariza a expressão "genocídio". À "necropolítica" que louva "ditadores" e "ditadura" definitivamente não importam as "mortes em massa". 

É por isso que o mesmo "teto de gastos" que se pretende aplicar na saúde e educação não serve para os "bancos". 

Da mesma maneira que a discutida "reforma tributária" dificilmente trará a tributação das "grandes fortunas"(cada vez maiores)  e dos "dividendos", enfim, do conhecido "andar de cima". Já os "livros" e as editoras independentes: ah esses são "objetos perigosos"! (resta saber para quem...).

É nessa conjuntura que a pobreza do noticiário jornalístico da "grande imprensa" dos últimos dias nos desafia a refletir. Em meio a uma pandemia mortífera, afinal, o quê deveria representar a comentada  e ruidosa"saída" de dois auxiliares da equipe e do "time" de Paulo Guedes como Ministro da Economia? Os "textos" e justificativas especulados ou confessados para as saídas dizem muito a quem tiver mínimo espírito crítico. Ali, certamente, não houve uma renúncia por "razões de Estado", ao menos se compreendermos o Estado brasileiro pelo que exige a Constituição. Os interesses certamente são outros...

Ora, a pior e mais preocupante e progressiva "debandada" proporcionada pelo governo Bolsonaro que merece ser efetivamente lamentada é uma só: "debandada" de direitos. Enfraquecimento da democracia. Desrespeito aos direitos humanos, um dos quais a saúde. Outro, o meio ambiente. E muito mais. Ao que se diz, outra "debandada" que dizem que é questão de tempo para se efetivar é a do "ainda" Ministro Paulo Guedes. O Ministro exemplar de uma "economia dependente". Aquele que, com pouco "saber" ao fundo, valendo-se do "poder" que o cargo ora lhe confere, ora vocifera lunaticamente na "curva em v", ora parece prostrado e desconfortável em um trágico (des) governo.

Isso porque a "agenda" deste governo Bolsonaro é muito pior do que simplesmente "liberal". Ela é vergonhosamente  "dependente". É tudo, menos "Pró-Brasil". Isso tudo em um atrapalhado  e babilônico (des) governo "cheio" de militares (o dito partido ou "núcleo fardado" que ainda cerca e protege o "capitão"). No mínimo curioso. 

Perceba-se que Maia e Alcolumbre (e muitos outros, incluindo boa parte da "grande imprensa") definitivamente não são adversários desse "projeto" de governo. São "aliados". O trem "político" é o mesmo, só muda o vagão.

Se as tímidas e até mesmo conservadoras "reformas de base" propostas por Jango levaram à Ditadura de 1964/1985, o que poderá ocorrer no dia que o Brasil pretender reformas estruturantes e necessárias para modificar o Estado brasileiro? Não por acaso que no horizonte da intelectualidade brasileira não dependente, como é o caso de Nildo Ouriques, que sabe a lição e o aprendizado da história no "sul" do mundo e na América Latina, subsista a proposta de muito mais do que uma reforma, uma "revolução". Desprezando a "ciência" e sem a mudança de "cultura", como chegar lá? 

Sobra espaço para algum otimismo na vontade e pessimismo na razão? Talvez.

Será muito imaginar o fim da pandemia com algum espaço para a "democracia radical" voltar à cena? Eis aí um elemento ainda pouco e insuficientemente estudado e sempre indeterminado e potente (inclusive porque representa a "potentia", o poder em si que, como Dussel ensina, é sempre do povo) que pode levar para algum "novo lugar", ainda que seja o da "reforma" tática e não da "revolução" (brasileira) como estratégia.

A história terá muito para contar desses nossos tristes tempos pandêmicos.  A ver o que virá. Fiquemos atentos e vigilantes pela democracia substancial e transformadora no conjunto de suas múltiplas cores e dimensões. Essa mesma democracia, especialmente aquela de alta intensidade que, de algum modo, há de nos tirar de um eclipse que logo ali, poderá nos abandonar na mais completa escuridão.



 

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