quinta-feira, 12 de março de 2009

"Resistindo" com Sabato para (re) formatar o mundo (e a dimensão da velhice)




O argentino Ernesto Sabato (1911), no auge de sua extraordinária vivência centenária, ensina-nos que, no âmbito de uma sociedade doentia e desumanizada, no balanço sombrio de nossa era, definitivamente é preciso coragem e postura para saber oferecer algo simples, mas necessário nos dias atuais: resistência!
Não é preciso muita acuidade visual e perceptiva para notar que a opressiva civilização pós-moderna, com seus produtos fúteis e bizarras criações, com sua arrogante “uniformidade”(que tanto estrago causa no campo do "direito" como ciência), constitui ambiente no qual a exploração da força de trabalho e a alienação sócio- intelectual proporcionada por manipulação da (des) informação pela grande mídia atuam orquestradamente com a melodia injuriosa do massacrante discurso econômico neoliberal. O resultado disso? Padecimento da dignidade da pessoa humana e a ausência de emancipação dos sujeitos na luta diária pela aquisição de mínima, efetiva e real cidadania, triste e permanente dragagem do projeto de uma sociedade mais fraterna, livre, justa e solidária.
Tal como o jurista italiano Norberto Bobbio já tinha feito na sua obra “Tempo de Memória”, com suas lúcidas e válidas lições, Sabato também nos ensina que a velhice não necessariamente implica em desinteresse, estorvo societal-familiar ou mesmo inconseqüente senilidade, mas, muito antes pelo contrário, integra fonte de experiência e sabedoria, lição que as civilizações antigas já respeitavam, mas que acabou quedando esquecida e gradualmente perdida na memória dos tempos, quando não propriamente eliminada pela velocidade impressionante do “giro civilizatório” do capital que, com seu cínico discurso, continua a permitir que as tacanhas noções utilitaristas atuais consigam alimentar o viciado discurso de que ao idoso há de se aplicar a lógica do “descarte”e da “indiferença”.
Nesse contexto, na lógica míope do capital, na esquiva dos melhores valores, se o "velho" não tem mais condição de ser explorado como força de trabalho, e se assim ele mais reflete e pouco ou menos consome (numa troca diária e irracional do velho pelo novo - Baudrillard que o diga), nada melhor do que propriamente desconsiderá-lo ou mesmo conformar desde o núcleo da atmosfera familiar condições para que seu entendimento seja solenemente ignorado e desprezada por (quase) todos.
Porém, na carona e nos dizeres de Sabato, que tal acordarmos na esperança demencial e em condições de sentir que as possibilidades de uma vida mais humana estão ao alcance de nossas mãos? Que tal pararmos para pensar na grandeza que ainda podemos pretender se ousarmos avaliar a vida de outra maneira?
Como ensina o sábio argentino, ainda é tempo de reverter este abandono e essa convicção,quem sabe, deva nos possuir até o compromisso...
A propósito, se a mentalidade do homem mudar, o perigo que vivemos será paradoxalmente uma esperança
Mais do que refletirmos sobre a importância de reformatar o mundo, nessa missão de alteridade e (re) construção do mundo para o “outro” numa sociedade carente de ócio-reflexivo, talvez também seja a hora de redimensionarmos a atual e dominante concepção de velhice...
Como ensina o sábio argentino, a comunhão do homem com tudo o que é simples e familiar se acentua mais na velhice, quando vamos nos despedindo dos projetos e nos aproximamos mais da terra da nossa infância...
E ter infância é não esquecer dos prazeres e sonhos, e sobretudo acreditar na magia e na possibilidade de transformar o mundo, a começar pela trivialidade das "pequenas grandes coisas", a começar pela vivência e compreensão das diferentes concepções dos antigos valores, do fortalecimento do senso de comunidade e o elo entre os homens.
O segredo está em descobrir alternativas à pobreza existencial e saber despertar olhares de algo grande que nos consagre a cuidar com empenho da terra em que vivemos. É preciso sentir que a angústia e as situações-limite nas quais nosso mundo desaba podem ser as únicas capazes de nos despertar desta inércia que nos move...
Está feito o convite para oferecermos“resistência”com Sabato e, sobretudo, acreditarmos no diálogo, na dignidade da pessoa humana, na liberdade...é preciso sentir saudade, quase ansiedade de um infinito, mas humano, na nossa medida...

3 comentários:

  1. "Trágicamente, el hombre está perdiendo el diálogo con los demás y el reconocimiento del mundo que lo rodea, siendo que es allí donde se dan el encuentro, la possibilidad del amor, los gestos supremos de la vida. Las palabras de la mesa, incluso las discusiones o los enojos, parecen ya reemplazadas por la visión hipnótica. La televisión nos tantaliza, quedamos como prendados de ella. Este efecto entre mágico y maléfico es obra, creo, del exceso de la luz que con su intesidad nos toma. No puedo menos que recordar ese mismo efecto que produce en los insectos, y aun en los grandes animales"...
    Excelente recordação da viagem a Buenos Aires (2000). Demorou para ser traduzido e publicado no Brasil...
    Fraterno abraço, Dado

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  2. Excepcional texto. Realmente vale uma reflexão acurada acerca do atual estágio em que vivemos, sob a perspectiva tratada. Parabéns, Márcio, por nos fazer pensar um pouco mais...

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  3. Texto FANTÁSTICO, maravilhoso e nos leva realmente À REFLEXÃO.
    Vou reler este texto, muitas vezes.
    Como disse Shopenhauer em A arte de escever:
    " 'NADA PODE SUBSTITUIR O PENSAMENTO.Quando a EXPERIÊNCIA se vangloria de que somente ela, fez progredir o SABER HUMANO, é como se a boca quisesse se gabar por sustentar sozinha a existência do corpo.
    OBRIGADO E PARABENS .

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