sábado, 7 de março de 2009

Ser original na arte e na vida é saber "piratear" bigode na Monalisa...


Ser original é ter relação de pertencimento e identidade consigo mesmo e ao mesmo tempo saber viver junto e ao lado.

Saber criar é assumir o risco de entregar algum ser ou produto-aí no mundo para ver como eles se desenvolvem e se transformam.

Assim surgem os filhos, as músicas, os discos, os livros, as idéias, os amores, os sonhos, as lutas e tudo o mais...

A originalidade reside na impressão pessoal subjetiva, no lançamento de uma idéia, enfim, na projeção do invento e no despertar inusitado da criação sobre algo que de alguma forma já existe, por mais sempre haja a natural pretensão de se querer fazer algo novo.

Basta que haja espaço para uma intervenção humana consciente e inconsciente e ter-se-á verdadeiro ato de sucessão e substituição sem que se possa falar em produto acabado ou termo final. Goste-se ou não sempre haverá possibilidade de criação, ato contínuo de preenchimento e, ao mesmo tempo, de eterna falta e vazio...

O mundo e as coisas são sucessões de acontecimentos, obras de autores plurais, célebres e anônimos, retratos de uma produção derivada e contínua, legado da humanidade e de um permanente e inexorável fluxo de intervenção.

Que o diga o implacável ciclo e curso da história, que infelizmente poderia repetir maior esperança e prosperidade em troca de guerras, massacres e violência patrocinada por sistemas econômicos totais (os mesmos de sempre).

Nesse contexto, proveitosa reflexão sobre originalidade traz a obra de MARCEL DUCHAMP.

Tal qual NIETZSCHE ficou consagrado como o “demolidor de religiões” (conquista necessária para qualquer Estado laico e secularizado que se ambicione democrático), não resta dúvida de que o notável francês não só quebrou paradigmas estéticos como, sobretudo, fez questão de trabalhar entendimento de que o simples fazer e intervir sobre uma obra de arte, por mais consagrada e conhecida que ela seja, não deixa de torná-la, de alguma forma, algo próprio e particularmente meu, com minha assinatura, meu traço, minha concepção, meu desejo, minha identidade...Pensar o contrário seria reduzir tudo ao "objeto" quando a força sempre há de estar no "sujeito", verdadeira essência e sentido das coisas.

Assim, ao retratar a célebre “Monalisa” de DA VINCI com um fino e sutil bigode, DUCHAMP traz grande e magnífica lição para a arte e para vida, perpétuos processos de significação e atribuição de sentidos sempre feitos para o “outro”.

Em tempo de concentração de renda, de emprego, de dignidade, como é bom saber que a originalidade e as possibilidades de minha intervenção compartilhada com o mundo ainda podem superar a precária e galopante “desumanização” que a tudo quer padronizar e aprisionar ao modo do leviano e vil, embora "feliz", “homem unidimensional” (MARCUSE).

Como se vê, a originalidade (na arte e na vida) precisa cambiar conceitos, ainda que alguns poucos continuem atuar e pensar o mundo com olhos de seu império e pés pretensiosamente justapostos na cerca limítrofe do próprio (e vazio) quintal, ao tempo em que o planeta, o território, e os melhores pátios da terra (e tantas coisas mais) gritam divisão, compartimento e redistribuição para edificação de outro novo/velho projeto emancipatório possível para se viver mais, melhor, mas sobretudo junto (em exercício constante e delirante de alteridade).

No universo democrático (na vida e na arte), quando mais em tempo de revolução cultural digital, saber que todos podem ser autores e criadores representa valioso alento, ponto de partida para compreensão que a genuína e inexorável lei passa longe dos códigos e das interdições.

Por essas e outras que pensar e problematizar a “pirataria” no contexto e universo da linguagem exige boa dose de reflexão e alguma distância da astuta “mídia gorda” e das concepções rasteiras e pré-concebidas do universo do capital, palco de preocupações distantes e indiferentes do seus verdadeiros atores e destinatários do jogo: nós!

Por mais que haja uma essência a preservar, a sabedoria está em manter o limite necessário e imprescindível para retransmitir e nunca deixar de criar. Nesse giro revolucionário, tudo que puder ser expressão e intervenção do gênero humano, tudo o que dizer respeito à essência não poderá ser aprisionado como propriedade minha nem de ninguém. Um bom projeto ou idéia não está assegurado pela sua patente ou registro, mas sim pela capacidade de se transformar, convencer e, sobretudo, seduzir...Destruir o que não presta também vale e não raras vezes constitui interferência necessária para que se conceba algo mais próprio e original.

O egoísmo, a mesquinhez, a falta do desejo de saber e querer compartir, dar e receber, criar e destruir, constitui insegurança própria dos verdadeiros “homens medíocres” (INGENIEROS). E homens medíocres, nas suas tolices, mitos, verdades e sentidos, continuaram vivendo sem saber o que é ser original, à margem de tudo que liberta. Eles sim vivem na “cópia”, no palco da farsa e, infelizmente, em asséptica e desastrosa reprodução.

Por mais difícil que seja pensar coletivamente um outro marco civilizatório possível em tempos de dignidade e solidariedade cotidianamente sonegadas e desestimuladas, tudo que puder sofrer transformação pela criatividade e pela ação humana sempre haverá de continuar sendo de um e todos ao mesmo tempo, meu, teu, seu e, sobretudo, nosso...original...tal como a Monalisa e seu olhar penetrante, com ou sem bigode...Tudo depende da mirada....

4 comentários:

  1. Pessoalmente,não gosta desta RELEITURA de DU CHAMP na Monalisa de DA VINCI.Acho sim de extremo maú gosto,e não alcanço qual a intenção.Gostei muito do artigo , nota milllllllll, mas deixo minha tesourada para a INTERVENÇÃO DE MARCEL DU CHAMP,para ele a nota é ZERRRRRROOOOOO!

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  2. Tesoura, interessante a proposta do site. As "tesouradas" críticas demonstram que elas precisam ferver... sempre!
    Linkei no meu.
    Vamos conversando!

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  3. Eu gostei dessa explicação pq diz tudo sobre originalidade; de forma clara e direta! Muito bom parabens! Adorei

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  4. só fiquei com uma dúvida - e me questiono - se aqueles que pretensamente imprimem sua marca sua subjetividade na expressão e criação de outro não são medíocres também.

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