sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Polícia brasileira que Mata: a “pedrada” que vem de dentro...




“Eu sou o pai do menino que vocês mataram”
Carlos Alberto Arnaldi, pai de Henrique Arnaldi, vítima da violência policial em Piracicaba-SP em outubro de 2008



Os níveis de violência policial no Brasil atingem índices alarmantes e, desde há muito, já deveriam ter chegado ao patamar da indignação, intolerância, quando não de verdadeiro e caótico estado de insuportabilidade. Em solo tupiniquim, toda vez que a narcodemocracia e o simbólico e irracional combate às drogas e armas obriga os organismos policiais à truculência inútil do “enfrentamento”, ocorra ele na verticalização geográfica dos morros ou mesmo na horizontalidade das outras cidades, a expectativa de morte de inocentes, duplamente vitimizados pela pobreza e omissão do Estado, constitui perigo real e iminente.

A militarização da Polícia brasileira e seus esquadrões especiais camufladamente treinados para matar não raras vezes atua na atmosfera da guerra. E nesta “guerra”, fácil perceber que quem perde e se vitimiza é a própria sociedade. Afinal, quem promete criminosamente buscar almas e deixar corpos estendidos no chão, pode merecer tudo (de filme premiado a modelo para uma assustada elite higienista), menos expressão e reconhecimento de um Estado Democrático de Direito, especialmente para um país que já presenciou tantas atrocidades praticadas pelos organismos policiais cooptados e desumanizados sob comando perverso da maldita Ditadura Militar. Aliás, tristes nações aquelas que não aprendem com as páginas escuras da sua história (Carandiru, Candelária, Eldorado dos Carajás, Complexo do Alemão...).

A estatística mostra que a letalidade da Polícia brasileira é inversamente proporcional à sua eficiência na prevenção e apuração de crimes, ao investimento humano na formação e valorização dos policiais, e, sobretudo, à efetivação de políticas públicas capazes de evitar alastramento da própria criminalidade. Apenas no Estado de São Paulo, entre 2007 e alguns meses de 2008, nada menos que 673 pessoas foram mortas em suposto “confronto” com a Polícia, quase um morto por dia. Absurdo, especialmente se pensarmos que na França, em todo ano de 2008, houve duas mortes em situação similar (apesar do Sarkozy).

Nesse morticínio todo, admitir idolatria de esquadrões policiais como o BOPE (Batalhão de Operações Especiais) é ignorar premissa básica e simples: o agente policial quando representa o Estado não pode agir de outra forma que não mediante restrito e integral respeito à legalidade. Admitir violência, corrupção de valores, tortura e excesso policial é abrir espaço para que a barbárie se estabeleça. Polícia de elite? Só se for para vigiar e reprimir a própria elite e seus "crimes de colarinho branco", para os quais ninguém fala ou exige “tolerância zero”, nem mesmo a própria classe média que cotidianamente clama por mais segurança e a própria mídia que é a primeira a propalar e disseminar este tipo de sensação.

No contexto do problema, além de maior rigor e fiscalização na qualidade dos orçamentos públicos, na aplicação dos recursos dele derivados, muito antes da beligerância (e da ignorância), há de se trilhar o caminho da promoção do Estado Social, único instrumento capaz de prover condições mínimas de existência digna a todos, além, claro, da formulação e execução de políticas públicas eficientes e adequadas, especialmente no âmbito da segurança pública (direito de todos e dever do Estado, nos termos do artigo 144 da CR).

Repressão, combate e cânticos que semeiam ódio e destruição são painéis que devem ficar longe da oficialidade estatal e perto, muito perto do controle, da fiscalização e do monitoramento a ser feito pelo Ministério Público brasileiro, instituição encarregada de defender a sociedade e, em seu nome, exercer o controle externo da atividade policial (artigo 129, VII, da Constituição da República).

Jovem inocente da periferia morrendo na mão da Polícia em suposto ato de “resistência” é o que não mais podemos tolerar. Não por acaso, recentemente, em julho deste ano de 2009, 30 (trinta) policiais militares foram denunciados por cometimento de crimes dolosos contra a vida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, mesmo local onde a ONU apontou a Polícia como responsável por 18% dos homicídios ocorridos no ano de 2007, média que chega a três mortos por dia. Não esqueçamos que a “operação” desenvolvida no Complexo do Alemão em junho de 2007 resultou na morte de 19 pessoas e quase uma dezena de feridos: massacre digno de um mini-campo de concentração moderno onde a suástica nazista cede lugar a uma “orgulhosa” e venerada figura de caveira.

A Polícia brasileira, Militar (PM) ou Civil (PC - também conhecida tecnicamente como Polícia Judiciária), tenha a função de prevenir, reprimir ou mesmo de investigar crimes, precisa tomar urgentemente o rumo da legalidade democrática, não podendo se constituir numa causa perdida (ZIZEK), embora as vezes tudo assim pareça, especialmente quando, por exemplo, um jovem de periferia perde a vida ao receber múltiplos disparos pelas costas simplesmente por ter ultrapassado uma barreira policial ao dirigir sem habilitação: caso da vítima Henrique, lembrada no pórtico do texto.

Investir na formação técnica, psicológica e humana dos agentes que fazem a operacionalização da segurança pública nas cidades e apostar na compreensão de que direitos humanos são conquistas de todos (inclusive policiais-bandidos, por mais que esses, uma vez julgados e condenados no crime ou improbidade administrativa, mereçam banimento e afastamento das corporações) precisa ser missão e compromisso engajado de um real programação nacional capaz de repensar o caminho da política de segurança pública.

E quem não quiser entender que a Polícia age em nome do Estado, que este, por sua vez, somente atua dentro da mais estrita e absoluta legalidade, melhor não só preparar o “BO” (Boletim de Ocorrência), como ajustar o espírito para enfrentar o duro banco dos réus, quando não a própria submissão à Júri Popular, palco democrático onde dificilmente sobra espaço para a impunidade.

Os dados indicativos de uma polícia verde-amarela fardada “que mata” mostram que a violência e visão que temos dela precisa estar em paralaxe, ou seja, colocada e compreendida a partir de uma mirada em perspectiva. Que o diga a “indústria da segurança” e as abomináveis e incontáveis “milícias”, poder paralelo que, tal como crime organizado, ocupa lacunas deixadas pela própria ineficiência ou desonestidade dos governantes.

De qualquer forma, é mais do que chegada a hora de prevalecer a cidadania e não se continuar permitindo que a polícia sobreponha-se aos limites da Justiça para aplicar “pena de morte”, seja ilegalmente nas cotidianas e covardes “subida” aos morros, seja até mesmo no “abate” (nome bem explicativo para definir que o “inimigo” não é visto de modo muito diferente que um animal) de uma simples aeronave clandestina carregada de “drogas” sobrevoando a Amazônia (ou, a propósito, alguém acha que a Lei 9.614/98 patrocinada na era FHC é constitucional?)

A Constituição brasileira, ao mesmo tempo em que garante a vida (artigo 5º), proíbe a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, conforme artigo 5º, XLVII. Quem sabe a violência policial tenha chegado no ponto crítico no qual infelizmente está porque, para muitos, a guerra já foi e está de fato “declarada”. Enfim, tudo pode ser uma questão de conceito (mais uma vez estamos no campo da linguagem). Que o digam alguns governantes e Secretários de Segurança, sempre ávidos por mais um holofote "eleitoreiro", mais uma manchete de jornal, personagens caricatos não raras vezes mais preocupados em maquiar a "fria" e desfavorável estatística com explicações prontas e mirabolantes do que efetivamente comprometidos em estabelecer foco crítico capaz de impedir a morte de novas vítimas.




Por trás de suas ações "espetaculosas", ternos, palavras de "ordem" e canetadas, mais do que reforço ao empoderamento, controle e participação popular na Conferência Nacional de Segurança Pública para construção de verdadeira e permanente política de segurança pública de Estado (não de governo), por vezes o que se tem é o próprio Estado refém da "representatividade" que determina e planeja agir sem rever métodos, mesmo sabendo e correndo o risco assumido de continuar empilhando e embalando as vítimas da sua própria tragédia.

Que possamos, na esteira da intelectualidade de ZIZEK (sempre ele), encontrar um significante-mestre (point de capiton) capaz de romper o estado de acomodação e a ausência de “choque” que, até aqui, tem amortecido a reação e entorpecido o poder de resistência (ou tolerância) da sociedade brasileira no tocante à violência praticada por agentes policiais. Construir cidadania e defender direitos humanos, não esqueçamos, também é combater violência.

Afinal de contas, na sempre lembrada vidraça da lei e ordem e suas “janelas quebradas”, a pior pedrada é justamente aquela que vem de dentro...

Um comentário:

  1. Boa 'pedrada' Márcio!
    E ainda aqueles que acreditam na bondade dos bons...
    Continue com a excelente qualidade do blog!

    Abraço!

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