1. O Projeto de Lei 2330/2011, materializado
na publicação da Lei Geral da Copa ocorrido por intermédio da Lei 12.663/12, no
último 5 de junho, constitui verdadeira expressão do Estado de Exceção
(Agamben) de um país desviado de um projeto sério e consistente de nação.
2. Constatar a criação de crimes
temporários até 31 de dezembro de 2014 não para proteger bens jurídicos
relevantes, mas para atender a interesses políticos e ideológicos de ocasião
uma entidade que, longe de ser uma marca de “alto renome” (como diz a Lei no
artigo 3o),já se mostrou, por diversas vezes, noticiadamente
corrupta, como a FIFA, nada mais é do que a prova de que, lamentavelmente,
ainda somos colônia. Claro que essa legislação parcial tinha que reservar
espaço para a “proteção industrial” de todos emblemas, mascotes e símbolos
desta “maravilha” que é a FIFA como entidade. Nesse contexto, dentre as pérolas do referido Diploma consta
a reprodução ou imitação de qualquer símbolo da FIFA como uma “pirataria” qualificada
com penas de até 01 ano (artigo 30), incluindo-se aí a exposição à venda desses
produtos com pena de até três meses (artigo 31). O mais curioso é imaginar que,
como prova da “seletividade” penal da Copa do Mundo como um mega-evento
destrutivo de diversas funções republicanas, criaram-se dois tipos penais
voltados à repressão do “marketing de emboscada por intrusão”, delitos que,
pasme-se, sequer são de iniciativa privada, mas de ação pública condicionada à
representação (artigo 34).
3. Se a FIFA é titular de todas as
formas de expressão nos eventos (artigo 12), talvez até mesmo a liberdade de
manifestação possa ser suprimida e, por conta disso, alguém venha a ser preso, retirado do estágio ou quem sabe
dar causa à indenização do Estado brasileiro se houver algum tipo de protesto
(a coisa é tão feia e absurda que a Lei Geral da Copa chega a prever e
ressalvar, no artigo 28, parágrafo primeiro, “o direito constitucional ao livre
exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da
dignidade da pessoa humana). Parece brincadeira...
4. Engraçado que, para FIFA, nem mesmo um ato de soberania como controle migratório pode ser
exercido, daí porque “deverão ser concedidos, sem qualquer restrição (... )
vistos de entrada” (artigo 19). Mais do que isso, não todos os vistos e
permissões tem que ser emitidos em caráter prioritário, sem custo e com
requerimentos concentrados em único órgão (artigo 21). Quiça possa o cidadão
brasileiro exigir o mesmo direito frente a todo e qualquer outro requerimento
administrativo.
5. O quê dizer, então, de uma lei
promulgada pelo Congresso Nacional com a sanção da Presidente da República na
qual a União figura como, aí sim, “seguradora universal” de uma entidade
privada? (artigos 22 e 23).
6. A malsinada legislação de
excrescência é o “samba de uma nota só”. Tudo que favorece a FIFA é dever; alguns
aspectos que poderiam interessar ao país na referida lei, como campanhas
sociais de conscientização para um mundo sem armas, sem drogas, sem violência,
para um trabalho decente, para divulgação de pontos turísticos brasileiros, isso
é mera faculdade ou possibilidade.
7. Num país que ainda é recheado de
miséria e pobreza, é revoltante perceber como o Executivo pode, numa tacada,
com a conivência fiscalizatória do Poder Legislativo, não só garantir reserva
de mercado e salvo-conduto para a prática de crimes econômicos e financeiros a
uma entidade voltada a finalidade lucrativa exploratória em detrimento da
liberdade de circulação e de exercício de atividade profissional dos
trabalhadores do seu país. Para se ter uma ideia, há possibilidade de serem
estabelecidas “áreas de exclusividade” e de restrição de circulação e
atividades num raio de até 2km (isso mesmo, dois quilômetros!) ao redor dos
ditos “locais oficiais de competição” (artigo 11). Para se ter uma ideia,
precisou ser dito que o estabelecimento em regular funcionamento não terá suas
atividades prejudicadas (mais um pouco e este teria que fechar portas ou estar
associado compulsoriamente para dividir seus lucros com a FIFA).
8. Uma barbaridade dessas somente
poderia terminar com benesses bem próprias da realidade clientelista
brasileira, concedendo prêmios em dinheiro de cem mil reais a ex-jogadores
brasileiros campeões mundiais (artigo 37) e auxílio especial mensal (artigo 42)
até o máximo da Previdência Social para jogadores sem recursos ou com recursos
limitados a serem pagos pelo Ministério do Esporte (o mesmo que deixa faltar
quadras esportivas e espaços públicos de lazer esportivo nos quatro cantos do
país), num país onde as pessoas ainda passam fome, onde falta moradia, onde
faltam investimentos de política públicas de saúde e educação (não por acaso a
grave de diversas universidades federais ocorre nesse momento).
9. O atendimento marginal e
absolutamente limitado (simplesmente formal) de garantias de ingressos a preços
diferenciados para idosos, estudantes ou pessoas em determinada situação de
vulnerabilidade existe numa específica categoria e, ainda assim,
quantitativamente limitado.
10. Se há um mínimo de mobilização e
sensibilidade social interessado em manter uma ideia de pais, movimentos
sociais e instituições da República brasileira, atenção, essa legislação da
Copa é um verdadeiro acinte, um escárnio à dignidade política do povo
brasileiro.
11. Serão 12 (doze) cidades
utilizadas como sede da Copa para um investimento projetado em torno de, no
mínimo, 15 bilhões, conta que inclui apenas reforma do Maracanã, que há havia recém reformado para o pretérito "Pan", por mais de um bilhão,
isso num país com deficiente sistema de transportes no qual o trânsito faz
vitimas fatais todos os dias...é de envergonhar. Mas se até o calendário do
sistema de ensino deve se ajustar ao interesse da FIFA para que este coincida
com todo o período dos jogos (autonomia pedagógica, para quê!), na forma do
artigo 64, por aí já se mede o estrago (se o foco ficar na licitude das licitações e obras públicas realizadas então...).
12. Os direitos humanos e
fundamentais nessa Lei Geral como expressão do Estado de Exceção, como bem já
tem sido dito pelos corajosos e engajados Comitês Populares da Copa (http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com.br/),
estão mesmo “de escanteio”. Nas palavras do Comitê em pronunciamento recente: “a Lei Geral é o carro-chefe de uma plataforma de ameaças a direitos e
garantias arduamente conquistados pelo povo brasileiro, tais como os direitos
do consumidor, o direito ao trabalho e o direito de ir e vir (…)ofende também
as liberdades de imprensa, de informação e de expressão e fere o patrimônio
público e cultural do país. Como amplamente denunciado, o projeto chega a
prever a criação de novos crimes, apenas para garantir monopólio de mercados à
FIFA e seus parceiros comerciais”.
13. Há de se fazer algo, travar algum
tipo de luta, se não for possível no plano das instituições (pelo que foi demonstrado até aqui), que seja no plano ideológico, ainda que na perspectiva do “repúdio” puro e simples. Se não for assim, como já propôs
um "alto" dirigente da FIFA, talvez mereçamos
mesmo “um chute no traseiro” como nação soberana democrática, se não for algo
bem pior do que isso...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê a sua tesourada, faça o seu comentário: