quinta-feira, 7 de junho de 2012

Lei Geral da Copa (para quê? para quem?)





1. O Projeto de Lei 2330/2011, materializado na publicação da Lei Geral da Copa ocorrido por intermédio da Lei 12.663/12, no último 5 de junho, constitui verdadeira expressão do Estado de Exceção (Agamben) de um país desviado de um projeto sério e consistente de nação.

2. Constatar a criação de crimes temporários até 31 de dezembro de 2014 não para proteger bens jurídicos relevantes, mas para atender a interesses políticos e ideológicos de ocasião uma entidade que, longe de ser uma marca de “alto renome” (como diz a Lei no artigo 3o),já se mostrou, por diversas vezes, noticiadamente corrupta, como a FIFA, nada mais é do que a prova de que, lamentavelmente, ainda somos colônia. Claro que essa legislação parcial tinha que reservar espaço para a “proteção industrial” de todos emblemas, mascotes e símbolos desta “maravilha” que é a FIFA como entidade.  Nesse contexto, dentre as pérolas do referido Diploma consta a reprodução ou imitação de qualquer símbolo da FIFA como uma “pirataria” qualificada com penas de até 01 ano (artigo 30), incluindo-se aí a exposição à venda desses produtos com pena de até três meses (artigo 31). O mais curioso é imaginar que, como prova da “seletividade” penal da Copa do Mundo como um mega-evento destrutivo de diversas funções republicanas, criaram-se dois tipos penais voltados à repressão do “marketing de emboscada por intrusão”, delitos que, pasme-se, sequer são de iniciativa privada, mas de ação pública condicionada à representação (artigo 34).

3. Se a FIFA é titular de todas as formas de expressão nos eventos (artigo 12), talvez até mesmo a liberdade de manifestação possa ser suprimida e, por conta disso,  alguém venha a ser preso, retirado do estágio ou quem sabe dar causa à indenização do Estado brasileiro se houver algum tipo de protesto (a coisa é tão feia e absurda que a Lei Geral da Copa chega a prever e ressalvar, no artigo 28, parágrafo primeiro, “o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana). Parece brincadeira...

4. Engraçado que, para FIFA,  nem mesmo  um ato de soberania como controle migratório pode ser exercido, daí porque “deverão ser concedidos, sem qualquer restrição (... ) vistos de entrada” (artigo 19). Mais do que isso, não todos os vistos e permissões tem que ser emitidos em caráter prioritário, sem custo e com requerimentos concentrados em único órgão (artigo 21). Quiça possa o cidadão brasileiro exigir o mesmo direito frente a todo e qualquer outro requerimento administrativo.

5. O quê dizer, então, de uma lei promulgada pelo Congresso Nacional com a sanção da Presidente da República na qual a União figura como, aí sim, “seguradora universal” de uma entidade privada? (artigos 22 e 23).

6. A malsinada legislação de excrescência é o “samba de uma nota só”. Tudo que favorece a FIFA é dever; alguns aspectos que poderiam interessar ao país na referida lei, como campanhas sociais de conscientização para um mundo sem armas, sem drogas, sem violência, para um trabalho decente, para divulgação de pontos turísticos brasileiros, isso é mera faculdade ou possibilidade.

7. Num país que ainda é recheado de miséria e pobreza, é revoltante perceber como o Executivo pode, numa tacada, com a conivência fiscalizatória do Poder Legislativo, não só garantir reserva de mercado e salvo-conduto para a prática de crimes econômicos e financeiros a uma entidade voltada a finalidade lucrativa exploratória em detrimento da liberdade de circulação e de exercício de atividade profissional dos trabalhadores do seu país. Para se ter uma ideia, há possibilidade de serem estabelecidas “áreas de exclusividade” e de restrição de circulação e atividades num raio de até 2km (isso mesmo, dois quilômetros!) ao redor dos ditos “locais oficiais de competição” (artigo 11). Para se ter uma ideia, precisou ser dito que o estabelecimento em regular funcionamento não terá suas atividades prejudicadas (mais um pouco e este teria que fechar portas ou estar associado compulsoriamente para dividir seus lucros com a FIFA).

8. Uma barbaridade dessas somente poderia terminar com benesses bem próprias da realidade clientelista brasileira, concedendo prêmios em dinheiro de cem mil reais a ex-jogadores brasileiros campeões mundiais (artigo 37) e auxílio especial mensal (artigo 42) até o máximo da Previdência Social para jogadores sem recursos ou com recursos limitados a serem pagos pelo Ministério do Esporte (o mesmo que deixa faltar quadras esportivas e espaços públicos de lazer esportivo nos quatro cantos do país), num país onde as pessoas ainda passam fome, onde falta moradia, onde faltam investimentos de política públicas de saúde e educação (não por acaso a grave de diversas universidades federais ocorre nesse momento).

9. O atendimento marginal e absolutamente limitado (simplesmente formal) de garantias de ingressos a preços diferenciados para idosos, estudantes ou pessoas em determinada situação de vulnerabilidade existe numa específica categoria e, ainda assim, quantitativamente limitado.

10. Se há um mínimo de mobilização e sensibilidade social interessado em manter uma ideia de pais, movimentos sociais e instituições da República brasileira, atenção, essa legislação da Copa é um verdadeiro acinte, um escárnio à dignidade política do povo brasileiro.

11. Serão 12 (doze) cidades utilizadas como sede da Copa para um investimento projetado em torno de, no mínimo, 15 bilhões, conta que inclui apenas  reforma do Maracanã, que há havia recém reformado para o pretérito "Pan", por mais de um bilhão, isso num país com deficiente sistema de transportes no qual o trânsito faz vitimas fatais todos os dias...é de envergonhar. Mas se até o calendário do sistema de ensino deve se ajustar ao interesse da FIFA para que este coincida com todo o período dos jogos (autonomia pedagógica, para quê!), na forma do artigo 64, por aí já se mede o estrago (se o foco ficar na licitude das licitações e obras públicas realizadas então...).

12. Os direitos humanos e fundamentais nessa Lei Geral como expressão do Estado de Exceção, como bem já tem sido dito pelos corajosos e engajados Comitês Populares da Copa (http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com.br/), estão mesmo “de escanteio”. Nas palavras do Comitê em pronunciamento recente: a Lei Geral é o carro-chefe de uma plataforma de ameaças a direitos e garantias arduamente conquistados pelo povo brasileiro, tais como os direitos do consumidor, o direito ao trabalho e o direito de ir e vir (…)ofende também as liberdades de imprensa, de informação e de expressão e fere o patrimônio público e cultural do país. Como amplamente denunciado, o projeto chega a prever a criação de novos crimes, apenas para garantir monopólio de mercados à FIFA e seus parceiros comerciais”.

13. Há de se fazer algo, travar algum tipo de luta, se não for possível no plano das instituições (pelo que foi demonstrado até aqui), que seja no plano ideológico, ainda que na perspectiva do “repúdio” puro e simples. Se não for assim, como já propôs um "alto" dirigente da FIFA,  talvez mereçamos mesmo “um chute no traseiro” como nação soberana democrática, se não for algo bem pior do que isso...

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