domingo, 10 de junho de 2012

Por uma nova comunicação social no Brasil: revisitando o legado da Semana da Arte Moderna para repensar o papel da imprensa




"na música são ridículos, na poesia são malucos e na pintura são borradores de telas" Oscar Guanarabarino

"Precisa-se de um moço honesto que saiba fazer versos futuristas. Exige-se um atestado de ignorância" O Estado de São Paulo, 18 de fevereiro de 1922, p. 2.

A forma como a grande massa da elitista imprensa brasileira reagiu à Semana da Arte Moderna em 1922 é a prova de que a pauta crítica dos meios de comunicação muitas vezes não pode ser levada a sério. O livro "22  por 22: A Semana da Arte Moderna vista por seus contemporâneos" (Edusp, 2008), organizado por Maria Eugenia Boaventura, é uma ótima fonte nesse sentido.

Percorrer a obra mencionada é perceber o quanto o grupo liderado por Oswald de Andrade e Mário Andrade. também composto por Villa-Lobos, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, dentre outros, foi trucidado impiedosamente pela mídia raivosa daqueles tempos.

Entre o passadismo e o futurismo na arte e os caminhos para uma imprensa livre e democrática o caminho ainda é longo.  Se não temos mais o tempo da passagem de cem anos da independência politica do Brasil para que possamos discutir os meios de comunicação social, é fato que estamos a quase duzentos anos sem um projeto consistente de país, sem que os grandes temas nacionais mereçam debate consistente na cotidiana filosofia do jornalismo brasileiro.

Assim como na época da Semana da Arte Moderna coube à Graça Aranha emprestar sua mão forte de "padrinho" progressista aos modernistas, pergunta-se sem cessar quem poderia exercer esse papel nos dias atuais. Democratizar a informação, discutir os grandes temas de interesse nacional, será pedir muito?

Aos meios de comunicação no Brasil, de modo geral, ressalvadas as mesmas exceções, muitas desconhecidas do grande público, parece faltar personalidade e originalidade. Se isso são coisas da complexidade pós-modernista e o mundo todo está do mesmo jeito, fiquemos no recorte da realidade brasileira.

Os exemplos existem aos montes e difundem-se todos os dias. Anuncia-se incisiva e repetitivamente empréstimos para salvamento de bancos espanhóis e não há houve um contraponto sequer...Lê-se matéria no jornal falando sobre a judicialização de direitos na saúde e ela não traz um argumento ou marco teórico sequer, muito menos revela qual a sua ideia de uma saúde pública cuja integralidade todo governo aos poucos quer sequestrar. A morte de um jornalista maranhense que parecia seguir princípios de um  jornalismo de qualidade e interesse público merece pouco mais de que algumas horas de notícia, no espetáculo do crime em si, que sequer avança para cobrar a falta de prioridade e as deficiências de uma investigação aparentemente indigente.

Basta olhar a "grade" (prisional) da rede da televisão aberta no Brasil para perceber que os espaços predominantes estão cercados de culto à celebridade, de pobres programas de auditório...(surpreendentemente não falo das novelas, porque, bem ou mal, quando bem construídas, servem para enfrentar alguns preconceitos, conscientizar a população sobre alguns temas, trabalho feito de modo muito melhor e autêntico do que a maioria dos saudados seriados estadunidenses). No jornalismo aberto, predominam as notícias diárias e fugazes que rendem audiência e apenas isso. Não há  "campo" (Bordieu) para nenhuma outra reflexão mais aprofundada.

Se voltarmos o ouvido para o rádio brasileiro, de maneira geral, exceção feita a algumas emissoras de programação diferenciada, predominam programas de baixa qualidade, cercados pelas piores sonoridades. Os jornalões, por sua vez, ocupam-se dos temas do momento com a mesma e irritante superficialidade; a pauta de hoje é completamente esquecida nos dias seguintes e raras vezes merece algum encadeamento informativo.

Por essas e outras que precisamos pensar num novo marco para os meios de comunicação social no Brasil. É chegada a hora de um barulho parecido com as comemorações de 13 a 18 de fevereiro de 1922. Se ontem houve uma remodelação artística, já é hora dos  meios de comunicação no Brasil passarem por este tipo de processo. Precisamos de uma nova mentalidade, uma nova era no  jornalismo, com características que terão que ser construídas com métodos diferenciados.

Goste-se ou não, a liberdade de imprensa atual soa como verdadeira (e silenciosa) censura. A falta de informação sobre o rumo do país longe da catástrofre e das notícias de todos os dias é tão grande que, admito, hoje reconheço conveniência na perpetuação da tão questionada "Hora do Brasil".

Para cada Caros Amigos, existem muitas Vejas. Para um Juremir Machado, existem outras dúzias de colunistas reacionários e desinformados da pior espécie. Para cada Programa Faixa Livre existem toda a sorte de outras porcarias para se ligar pedindo música e mandando um abraço ao compadre, quando não para uma vil propaganda politica antecipada. E assim a banda toca...ao contrário do que diz a propaganda da Coca Cola, definitivamente, as boas coisas da mídia não  parecem ser maioria. O fantasma de Mário Pinto Serva, pretenso algoz da Semana da Arte Moderna, continua rondando mais do que nunca na mente de diversos seres-aí.

Se antes o Parnasianismo e suas regras era o grande adversário, quem sabe hoje o problema não esteja justamente na falta de regras, uma delas prevista na própria Constituição (artigos 221 a 224 tratam da comunicação social).  O que é fazer restrição à expressão e à informação (artigo 220 "caput")?  Obstaculizar espaços de emancipação crítica do povo brasileiro não é uma forma de censura política, ideológica e artística? (parágrafo segundo do artigo 220). E por que será que estamos cercados de publicidade sobre produtos, práticas e serviços nocivos à saúde e meio ambiente? (parágrafo terceiro do artigo 220).  Contrariamente ao que dita a Constituição, por que será que os meios de comunicação social continuam direta e indiretamente objeto de monopólio e oligopólio?  (parágrafo quinto do artigo 220).  Os princípios de finalidade educativa, artística, cultural e informativa, de promoção da cultura nacional e regional, de estimulo à produção independente, de regionalização da produção, de respeito aos valores éticos e sociais da pessoa (artigo 221 e incisos), onde estão? Daqui a pouco essas normas se vão sem que se sequer tenham um dia chegado à nossa realidade. Diante desse quadro, perguntar o que o Poder Executivo tem feito para renovar concessão, permissão e autorização de rádio e televisão de modo a observar o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (artigo 223) parece ser uma grande e irônica brincadeira. Ou alguém por acaso conhece um ato do Congresso Nacional que tenha deixado de renovar uma concessão ou permissão, quem sabe  uma decisão judicial (parágrafos terceiro e quarto do artigo 223). E o Conselho de Comunicação Social, existe e funciona de fato? (artigo 224).

Fossemos usar a "régua"de Guanarabarino, citada de pórtico, diríamos o quê da imprensa de hoje? Não me surpreenderia se ignorante e ingenuamente muitos utilizassem deturpadamente uma frase de Sérgio Buarque de Holanda para afirmar: "Somos bárbaros!...Avante".

Avante sim, sempre, mas necessariamente para outra direção. Parafraseando a imprensa lá de trás, cabeça cidadão também não é "bacia de barbeiro". Ontem, uma reforma da arte; hoje, à espera de uma evolução dos meios de comunicação. Que a "boa imprensa", dócil e gentil com os interesses dominantes, seja substituída por algo realmente novo, ainda que incerto.

Assim como a Semana trouxe múltiplas ideias de arte, que possamos ter múltiplas ideias para pensar a comunicação social no Brasil. Sem regulação não chegaremos a emancipação....Por mais que possam haver exageros, eles são naturais e, afinal, como bem disse Mário de Andrade "não se constrói um arranha-céu sobre um castelo moçárabe". Do mesmo mundo que se quis rotular os modernistas brasileiros como amestrados imitadores do "futurismo de Marinetti", que não cometamos o mesmo erro de se classificar como "inimigo da imprensa livre" quem apenas quer fortalecê-la com novos e necessários compromissos, com oxigênio de transformação social cobrada pelo Estado Democrático de Direito que escolhemos.

A tarefa é complexa e difícil, afinal, o ramo da comunicação social, da hoje louvada mídia, cada vez mais influente na vida em sociedade, tal com a arte, "é vastíssimo, é infinito" (Sérgio Buarque de Holanda). Ontem arte pela arte (Victor Cousin), hoje comunicação pela comunicação, desde que sobre novo paradigma.

Chega de repouso, já é chegada a hora de retratarmos o "movimento" e de buscarmos alguma agitação. Se antes Oswald de Andrade preocupava-se com o academicismo inglório da literatura e da arte, o  "caruncho" da grande mídia está aí para ser desafiado, de outro modo não será possível "educar o Brasil" para viver numa democracia de verdade. Aqui exigir-se-á uma certa rebelião, não com o passado da arte, mas com o passado que fez e faz com que nos contentemos com a democratização formal da comunicação social no Brasil. Ela já foi celebrada demais..ela por si só não nos basta...

O problema é que, talvez como a Semana da Arte Moderna de 1922,  é bem provável que faltem patrocínios para esta causa...Não se espere o espaço privilegiado das poltronas de um "Teatro Municipal" para começarmos trabalho. Que venham as sempre lembradas teses de Feuerbach debaixo do braço, não sem antes lembrar que a Gazeta Renana (e a imprensa) abriu mais espaços para o Marx do que a própria universidade. O mais triste de tudo será enxergarmos isso muitas décadas depois...a história teimosamente se repete.


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