sexta-feira, 10 de abril de 2009

Notas sobre angústia e desespero de "ser brasileiro": pegando carona com Kierkegaard e o existencialismo...


Angústia e desesperos são sentimentos permanentes e inerentes a toda e qualquer existência humana, que, por maior que seja a tentativa de condicionamento, sempre é idealmente livre. Com menor ou maior intensidade, a angústia e desespero perpassam momentos pessoais, vivências profissionais e, sobretudo, experiências de relacionamento e expectativa social. É justamente neste último ponto que, apesar de todo estereótipo de povo alegre, dinâmico e conformista, convém refletir sobre a lente múltipla da angústia e do desespero de ser brasileiro e suas diversas projeções.
Começando pelo meio ambiente: é difícil não se viver angustiado quando assistimos a maior floresta tropical do planeta sendo cotidianamente degradada e desmatada, pois, dentre outros inúmeros problemas, a despeito dos recursos naturais merecerem proteção integral e constituírem patrimônio de todos, o órgão ambiental federal de fiscalização (IBAMA), além de não ter mínima estrutura humana e técnica devida (até outro dia, o número de fiscais disponíveis na vigilância da Amazônia era praticante igual ao contigente de servidores disponíveis e lotados na unidade do Distrito Federal), não raras vezes vê-se seguidamente enfraquecido, seja pela “pressão interna” à criação proposital de órgãos paralelos capazes de fracionar o seu poder, seja diante das pressões “externas”exercidas pela classe empresarial e pelo agronegócio, sempre tão temidas pelos governantes e legisladores ávidos pela coleta dos seus recursos no período eleitoral. Que dizer então dos conselhos sociais do meio ambiente em todas as esferas de governo, instâncias deliberativas e de controle ainda solenemente incompreendidas e desconhecidas da população?
A propósito da perversa distribuição da terra, do agronegócio e da alienação do petróleo: será que não é desesperador perceber que, apesar da absurda concentração fundiária ser objetiva, histórica e estatisticamente comprovada, antes de se buscar justa, necessária, urgente e verdadeira reforma agrária, prefere a grande mídia criminalizar movimentos sociais? (no “front doméstico”, por alguns periódicos bem conhecidos, a campanha é franca e aberta, como bem assinala JOSÉ ARBEX JR. na sua obra “O jornalismo canalha” – A promíscua relação entre a mídia e o poder”). Assim, também é demais angustiante perceber que louvar o “agronegócio” de exportação unilateral de “matéria-prima” não resolve nada frente ao problema e a necessidade urgente de revitalizar o parque produtivo nacional. Ao invés de exportar "insumo", que tal agregarmos valor a produtos primários, estratégia não só capaz de fortalecer a indústria nacional, como também apta a provocar aumento de emprego, incremento do setor de serviços que, por sua vez, propiciará maior arrecadação de impostos em prol do crescimento do país? Como não enxergar no Brasil do “agronegócio” (o que dizer da força do lobby e da “bancada rural” no Congresso?), no Brasil que permite leilão a estrangeiros dos poços e suas preciosas reservas de petróleo (alguém já viu a “gorda mídia” enfrentar este tema com propriedade? E o que dizer da responsabilidade do STF para com a manutenção desse estado de coisas?), enfim, como fazer para que o nosso Brasil de hoje não siga os mesmos passos da colônia de ontem explorada no pau brasil, no açúcar e nos minérios...ou será que ignoramos ou teimamos em desafiar e assimilar o aprendizado histórico?
Como não ser tomado de angústia e desespero num país em que os índios, verdadeiro e originários donos da terra, por descaso estatal, são muito mais tido e vistos como exóticos selvagens que travam o "desenvolvimento", como casta de “protegidos”, máxime quando o descaso dos governos e a incompreensão da sociedade não está sendo suficiente para preservar o que existe de válido, universal e necessário na sua cultura? Como aprender a respeitar a ancestralidade indígena, como valorizar este “outro” espelho do passado se as tradições e valores destes povos ancestrais estão distantes e alheios à maior parte dos museus e acervos artísticos nacionais, se o órgão responsável por sua tutela e proteção, além de desestruturado, não raras vezes está recheado pelo “clientelismo”, pela indicação política que lhe retira mínima e necessária credibilidade junto às etnias e aldeias? Como garantir e equilibrar a preservação da cultura frente à universalidade dos direitos humanos sem permitir que haja violação de direitos fundamentais de índios, como saber até que ponto não é a ausência de efetiva e verdadeira "proteção" que está garantindo e permitindo que, na esteira do capital e do consumo desmedido do “mundo branco”, acaba se fomentando a exploração "do índio pelo índio"?
Como esquecer a angústia de vivermos num país onde os direitos trabalhistas são diariamente violados, onde espaços sociais rurais do imenso latifúndio remanescente ainda são alvo do trabalho escravo? Como não se desesperar ao saber que o respeito à legislação trabalhista ainda constitui justa e merecida luta a ser permanentemente travada, ainda mais quando os parlamentares (e empresários) de plantão, certamente movidos por interesses éticos e socialmente escusos, volta e meia ameaçam acabar ou querer "reformar" a Justiça do Trabalho, logo esta parcela de jurisdição célere e próxima do contato com o povo, logo esta fração de poder que via de regra está bem disposta a enfrentar com coragem o conflito constante e permanente com a engrenagem poderosa do "capital"? Ainda, no campo das relações de trabalho, como não se angustiar ou mesmo se desesperar com o fato de presenciarmos o total atrelamento da estrutura sindical brasileira a ser “situação” ou “oposição” irracional a governos, máxime quando as ditas “centrais sindicais”, na prática, seguem o mesmo caminho, mesmo quando se sabe que somente haverá trabalhador forte e em condições dignas se houver, ao seu lado, um sindicato sólido, honesto e independente nas suas ações? Quais sãos os verdadeiros e legítimos sindicatos que temos?
Falando agora de dinheiro, de orçamento: como desprezar a angústia de se viver em um país com aproximadamente 180 milhões de habitantes que, apesar de todas as nossas carências sociais, na agenda da previsão de arrecadação e gastos dos recursos a serem realizados, continua gastando mais de 1/3 (um terço) de nossa riqueza anual para cumprimento de uma dívida externa impagável, nunca auditada, com seus juros e encargos extorsivos, principalmente quando a educação e saúde estão longe de ser prioridade na "caixa preta" orçamentária?
Como esquecer a angústia e desespero se os governantes podem discricionariamente deixar de lado o pagamento de dívida legítima com certa companhia aérea nacional e, de outro lado, paradoxalmente, emprestar dinheiros a bancos, que por sua vez já compram e vendem dinheiro obtendo lucro estratosférico com o seu "spread"? Aliás, será que não é de angustiar saber que existem milhares de brasileiros completamente abaixo da linha da pobreza, demitidos da sua dignidade, vivendo sem condições mínimas de serviços essenciais e saneamento básico, em verdadeira invisibilidade, justamente quando resolve o Brasil “emprestar” dinheiro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que, ao lado de outros “organismos ditos democráticos e internacionais”, tanto estrago já causou aqui no chão batido da nossa América Latina?
Falando agora do Parlamento e do Sistema Policial e de Justiça: Como não nos angustiarmos com o fato de uma operação que resultou na prisão de um banqueiro acusado de desvio de bilhões de reais (Daniel Dantas) seja constantemente “demonizada” e atacada com apoio da grande mídia na tentativa de se mudar a visão do “certo e do errado”, em verdadeira inversão de valores? Como não achar a Justiça Penal “seletiva” e voltada ao pobre quando, a partir da prisão de um banqueiro e do uso da interceptação telefônica para descoberta de gravíssimos casos de corrupção endêmica em obras públicas e outras falcatruas do "colarinho branco", tudo o que se consegue como produto é editar súmula ilegal e pontualmente proibitiva de algemas ou mesmo conceder “liminares-relâmpago de pijama” que sempre se mostraram tecnicamente impossíveis ou distantes de pobres clientes costumeiros da implacável malha punitiva? Que dizer de um sistema que permite a liberdade do sonegador de bilhões lesivos à ordem econômica ao mesmo tempo que aprisiona provisoriamente com facilidade e implacável tolerância-zero o ladrão da padaria para resguardo da “ordem pública” e da “credibilidade da justiça”? O que dizer de um sistema que permite que os réus mais pobres cumpram pena a partir da prisão provisória por falta de acesso à Justiça enquanto poucos abastados se dão ao direito de utilizarem os estreitos canais das instâncias recursais de Brasília para protelaram o julgamento de seus processos enquanto permanecem em liberdade indefinida (e indecente) em nome de uma presunção de inocência unilateral? De fato, prisão mesmo deve ser só para traficante (o inimigo da vez), aliás, a interceptação telefônica também... como se a droga (e as armas) não fossem financiadas pelas estruturas de poder que compõem a “narcodemocracia”. Ainda, como aceitar que no “olho do furacão” da pauta da mídia de hoje esteja mais o dito banqueiro risonho que suborna, mas sim o Delegado de Polícia que coordenou e conduziu a ousada operação de modo supostamente abusivo? Como admitir que, a despeito de todos os desvios de recursos públicos e atos de corrupção praticados na esfera pública ainda haja quem queira assegurar “foro privilegiado” (julgamento exclusivo nos Tribunais e não frente ao Judiciário de primeiro grau) para os Governantes Municipais autores de improbidade administrativa pela via da desonestidade? Quem por acaso sabe que o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, foi acionado por improbidade administrativa, processo que, recentemente, e sem nenhum alarde, restou arquivado sumariamente pelo STF, mesma Corte integrada e inclusive presidida pelo próprio réu? Como admitir que parlamentares brasileiros envolvidos em esquemas de corrupção possam continuar legislando “em causa própria”, ocupando postos de destaque sem ao menos esconderem que a sua real intenção é desqualificar e desestruturar instituições que compõe o sistema de justiça e responsabilização (Polícia, Judiciário e sobretudo o Ministério Público), principalmente quando "eles" (e não os “pobres de sempre”, preto, pobre, prostituta) passam a ser os "clientes" possível ou concretamente atingidos? Que país é este onde uma polícia oficial pode subir o morro transportada no blindado e sinistro "caveirão"com a mensagem de que ali se está “para buscar almas” e ainda por cima se vangloriar da lente do cinema para estimular idolatria popular ao personagem do torturador “Capitão Nascimento”? Que dizer quando, ao invés de atacar e vigiar a "polícia verdadeiramente bandida", preferem a OAB e alguns juristas mostrarem-se muito mais preocupados com a “espetacularização” e com o “Estado Policial” somente quando estes mostram-se nocivos ao “andar de cima”? Que dizer da mesma Justiça quando esta, na sua “doçura”, tolera que uma negociata lesiva, ilegítima e viciada ao patrimônio nacional possa “VALEr”?
Por último, como aceitar que na composição de um povo, integrada por pelo menos um terço de crianças e adolescentes, em todos os níveis federativos (União, Estados e Municípios), a "prioridade absoluta" assegurada pela Constituição (artigo 227) e Estatuto da Criança e Adolescente (artigo 4º) na destinação de recursos e formulação de políticas públicas eficientes para estruturar adequada rede de atendimento na atenção da população infanto-juvenil continue sendo ficção, mesmo quando, de outro lado, sobram forças retrógradas e simplistas (nada ocultas) para sustentar a estúpida solução da redução da maioridade penal num país que, pela ausência do Estado, sequer consegue tratar com mínima dignidade os seus quase quinhentos mil encarcerados em condições desumanas e, por conta disso, vulneráveis à “partidarização” e cooptação por organizações criminosas (PCC) no âmbito do caótico sistema penitenciário nacional? Que país é esse (RENATO RUSSO) em que da favela ao Senado continua sobrando sujeira para todo lado, onde ninguém respeita a Constituição (suas crianças e adolescentes), mas todos cinicamente ainda dizem acreditar no “futuro da nação”?
Mais do que exemplos concretos, retornando ao começo, talvez seja hora de lembrar que um dos expoentes teóricos da filosofia e psicologia existencial foi o dinamarquês SOREN KIERKEGAARD (1813-1855). Adaptando sua matriz teórica ao horizonte de sentido que se quer emprestar a estas linhas, deixando de lado a religiosidade exacerbada de KIERKEGAARD mesmo em tempo de Páscoa, sem que isto implique em se esquecer de sua fundamental “fé” no homem, de sua crença na realidade concreta da consciência individual, talvez a maior “angústia” e, por vezes, “desespero” de ser brasileiro, esteja alheio a todo totalitarismo e direcionamento no qual estamos comprimidos e, paradoxalmente, passe pela liberdade de escolha que todos ainda temos (ou deveríamos ter) para enxergar outras possibilidades, na medida em que as opções de outro caminho estão aí, disponíveis, à espera de um mergulho, de um novo olhar, de uma descoberta...OU é isso, OU teremos de aceitar a continuidade do drama atual. Dentro da idéia de que arte e sentido não se descolam, refletir a partir de uma visão antropológica do nosso Brasil tupiniquim, revirar as entranhas de suas "grandes", chocantes e pouco proporcionais recortes e dimensões, ainda que isso seja uma tarefa solitária, quase desértica, talvez seja um dos grandes méritos artísticos do genial "Abapuru" reproduzido por TARSILA DO AMARAL.
Como diria outro saudoso brasileiro, CAZUZA, nesta festa pobre, da qual todos fomos e estamos obrigatoriamente “convidados” a presenciar, no meio de toda esta droga que já vem malhada antes mesmo da gente nascer, ainda temos um Brasil que precisa, sim, mostrar a sua verdadeira cara, seus negócios, seus sócios, um Brasil onde é muito fácil pensar e descobrir quem é que paga, para a gente ficar assim....Se estiver convencido,não só acredite ou confie em mim, mas, sobretudo, assuma responsabilidade e risco pelas suas escolhas. Na melhor linha existencialista, simplesmente faça e assuma o melhor da sua parte....Reconhecer e exercer sua liberdade de escolha pode ser o primeiro passo...a busca emancipatória de uma nova ideologia para viver e, mais do que isso, sonhar em transformar o nosso Brasil.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Conselhos Sociais: espaços de democracia participativa desconhecidos e ainda simbólicos...à espera da revolução

Após o advento da merecidamente festejada Constituição da República de 1988, assentada a idéia do Estado Democrático de Direito como opção efetiva para transformação da perversa e historicamente injusta realidade social brasileira (artigo 1º, CR), inegável reconhecer que os “Conselhos Sociais”, ao lado dos sempre esquecidos instrumentos do plebiscito, referendo e iniciativa popular (artigo 14 da CR – cuja escassez de uso pela desacreditada classe política mostra o quão embolorado e atrasado está o nosso ainda materialmente “totalitário” modelo de nação), constituem-se em poderosos e decisivos instrumentos de soberania popular para exercício da democracia participativa na otimização e incremento dos direitos fundamentais pela via das políticas públicas.
Resumidamente, se antes da Carta da República as políticas públicas voltadas à coletividade eram tratadas no ar viciado e despótico dos gabinetes, rarefeitos de democracia e não raras vezes alérgicos à interlocução e efetivo contato proativo com a população, por decisão subjetiva única e monocrática do “representante” Chefe do Poder, “jogo” quando muito compartilhado com assessores diretos (comissionados, claro) nas decisões administrativas de suas muitas Pastas e Secretarias, já faz pelo menos 20 (vinte) anos que o assunto exige tratamento diverso e efetiva concorrência, fiscalização, alerta e participação da sociedade. Prejudicando a catalisação e aceleração deste processo, sem dúvida, está o fato de o tema passar invisível aos olhos e alcance de grande mídia, verdadeiro “trem” cada vez mais dominado e forjado no trilho que conduz e transporta o interesse mesquinho, conservador e dominante que, infelizmente, tem partida e destino certo para aqueles que sabem muito bem como fazer para que o maior número de pessoas continue preferindo ficar preso no escuro da metafórica “caverna” de PLATÃO.
Assim, nos dias atuais, assegurar que a sociedade tenha assento em órgãos colegiados que devam se reunir periodicamente para diagnosticar, discutir e deliberar providências e medidas para enfrentamento dos problemas e concretização de políticas públicas de educação, saúde, infância e juventude, meio ambiente, promoção e defesa pessoas em situação de vulnerabilidade social (ex: idosos, portadores de necessidades especiais, etc), mais do que medida simplesmente recomendável, constitui-se em verdadeira exigência e impositiva obrigação de qualquer governo minimamente representativo e sério, que não faça pouco caso da Constituição como maior Lei vigente no país.
Nessa balada, certo é que a expressão sólida da democracia participativa, que nada mais é do que a exigência de que a população seja constantemente chamada a participar do projeto de construção das políticas públicas e efetivação da cidadania, não pode continuar manca, materialmente vazia e destituída de efetividade.A poderosa “arma” dos Conselhos Sociais continua indisponível pela desinformação, alienação e falta de empoderamento efetivo da sociedade para que esta ocupe não só quantitativa (formal), mas qualitativamente (material) esses espaços.
Por mais que hoje existam “Conselhos Sociais”criados e em formal funcionamento e existência em todos os níveis federativos (ex: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, Conselhos Estaduais de Educação, Conselhos Municipais do Meio Ambiente, Conselhos Municipais de Saúde, etc), pouco, muito pouco se fala deles.Desafortunadamente, “caro leitor” (para lembrar MACHADO DE ASSIS), a atuação destes organismos colegiados no qual a sociedade civil sempre há de estar representada, geralmente metade das suas “cadeiras”, é muito mais simbólica e ilusória do que, propriamente, expressão de substancial instrumento de democracia participativa.Estes Conselhos Sociais, portanto, ainda ilustres desconhecidos do povo brasileiro (para alegria dos gestores corruptos de plantão), especialmente no âmbito das cidades, não raras vezes tem seu processo de criação e escolha viciado pela falta de legitimidade e maior discussão e esclarecimento das suas atividades junto à população, situação que gera, muitas vezes, o seu funcionamento atrelado e completamente subordinado ao Poder Executivo, perigoso e nefasto espaço “pelego” similar àqueles sindicatos que não cumprem com o seu papel de defender os trabalhadores no enfrentamento do capital e suas mazelas.
A desculpa é sempre a mesma (e falsa): o povo não quer participar. Como se alguém pudesse se interessar e desejar por algo que simplesmente desconhece.Saber que existem Conselhos Sociais que não foram criados, que foram criados sem devida e adequada base-legal, que não se reúnem ou que o fazem à “porta fechada”, sem publicidade e prévio esclarecimento à população, saber que o “clientelismo” ainda paira na deformada e bizarra representação política de muitos colegiados em detrimento e prejuízo da emancipação efetiva da sociedade civil, mais do que “simulacro” e “simulação” (BAUDRILLARD), constitui triste constatação mais do que suficiente para sonharmos com a necessidade da vivência e experiência da educação pela “revolução” e convencimento capaz de mostrar à sociedade a necessidade destes espaços serem aproveitados com decisão, independência, compromisso e discernimento.
Enquanto não houver enfrentamento sério deste tema pelos governantes (inclusive Governos Federais e Estaduais que, aliás, poderiam exigir condições materiais de funcionamento para repasse de recursos e não simplesmente a formal existência desses Conselhos – não fazem!), pela imprensa e pela própria sociedade civil como um todo, a democracia participativa e a edificação de políticas públicas efetivamente voltada aos anseios e enfrentamento das angústias da população mais carente sob o ponto de vista econômico e social ainda continuará sendo realidade distante, posta no plano do “virtual” (ZIZEK).
De outro lado, se cada ser-aí (HEIDEGGER) cidadão (do outro lado da tela), à sua maneira, no seu espaço de cidadão (MILTON SANTOS), souber compreender e divulgar a idéia e o sentido dos Conselhos Sociais, buscar acompanhar diligentemente as suas reuniões, exigir a divulgação e a transparência das atas das suas reuniões (que de preferência devem ser pautadas com antecedência e realizadas em horários aos quais seja possível a participação da sociedade) para, no fim das contas, cobrar medidas propositivas e efetivas para os problemas sociais experimentados, aos poucos o quadro começa a mudar.
Isso porque, apesar de tudo, a esfera de decisão dos Conselhos Sociais vincula o administrador e o gestor público a efetivar o desejo e o anseio materializado pelo seu funcionamento. O que se delibera, o que se decide por instrumento da sociedade, não se discute, se cumpre! Talvez por isso não haja interesse na verdadeira capacitação destes atores e no fortalecimento deste espaço.
Parte eficiente da “munição”, certamente, deve estar na aproximação que precisa ser cada vez maior entre o Ministério Público e a sociedade, já que à instituição cabe exercer a defesa dos interesses da coletividade.
Mobilizar e esclarecer a população da importância da tomada coletiva e efetiva destes espaços precisa constituir marcha e grito de ordem democrática. Já é mais do que hora de começar a mudar e virar a página desta história da qual a geração que nos é contemporânea está sendo testemunha passiva, quando não propriamente omissa. Na temática dos conselhos sociais, definitivamente, entre a teoria e a práxis, the time it is out of joint (SHAKESPEARE em “Hamlet”), o tempo (e povo), estão, fora do seu eixo...
A propósito, como ensina DERRIDA[1], vencidas a cênicas idéias contidas no teatro revolucionário do processo de tomada de poder em 1789 (Revolução Francesa na sua liberdade-igualdade e fraternidade ainda esperadas), na “primavera dos povos” do Manifesto Comunista de MARX e ENGELS e na Revolução Russa de 1917 e a posterior “corrupção” do seu projeto, superada a desumanidade e os traumas do pós-Guerra (1945), ainda é possível crer na revolução como interrupção radical no curso ordinário da História. Afinal, toda a responsabilidade é revolucionária e, por conta disso, é preciso reinventar condições de resistência (SABATO[2]).
Os Conselhos Sociais enquanto instâncias democráticas de imprescindível pertencimento social precisam sair do “papel” no rompimento de seu luto para ganhar “vida”, corpo e alma, forma e matéria. Estes valiosos colegiados não podem se constituir em ideais sonegados capazes de jogar esperança no túmulo, até porque, como ensina DERRIDA, o extravio de um ideal ou de uma esperança é a pior das coisas, como a condenação à morte do imaginário.
Afinal de contas, na crise da representatividade da democracia tupiniquim, não se pode esquecer e perder a utópica e necessária crença de que, nos termos do artigo 1º, parágrafo único, da maior Lei deste país, todo o poder emana do povo que tem o poder-dever de exercê-lo diretamente nos termos da Constituição.
A soberania do Estado laico-secularizado, definitivamente, não pode estar com Deus(es) ou Mito, nem com o rei, muito menos de modo exclusivo com as mãos de todo e qualquer governante da República. A verdadeira e genuína soberania não se constrói sem compartilhamento, discussão e participação direta do povo.
O que estamos esperando para a luta e tomada de consciência na realização do "controle social"?


[1] DERRIDA, Jacques. ROUDINESCO, Elisabeth. De que amanhã – Diálogo. Editora Jorge Zahar, 2004.

[2] SABATO, Ernesto. A resistência. Editora Companhia das Letras, 2009.

terça-feira, 24 de março de 2009

Garimpando "ouro" e produzindo "lixo": manual prático de como degradar o ambiente


Tal como ocorreu em relação às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade, a defesa e proteção do meio ambiente, pelo menos no marco teórico-legal, atravessou o paradigma da “indiferença” rumo à “proteção integral.

Da teoria à prática, porém, a distância é enorme, para não dizer propriamente “amazônica”.

Na desumanidade padronizada global, não obstante proteger e preservar o meio ambiente devesse constituir compromisso ético e obrigação cívica de todos, nos termos da Constituição da nossa República (artigo 225), mesmo constituindo a defesa do meio ambiente sprincípio da ordem econômica (artigo 170, V), a verdade é que estas promessas "democráticas" constituem-se em palavras menores abandonadas (a expressão aqui é do sensível jurista LUIS EDSON FACHIN) perdidas na dinâmica fria do velho e histórico conflito nunca esquecido: capital e trabalho. Definitivamente, não pode surpreender o fato de a barbárie ambiental caminhar de mãos dadas com a exploração e a falta (cada vez mais "lacaniana") do trabalho, problemas cada vez mais contemporâneos.

Na engrenagem viciada do sistema capitalista, hoje experimentando, mais uma vez, o gosto amargo da queda dos seus frágeis e até então quase intocáveis “muros”, não é por acaso que, da extração do metal precioso cuja descoberta encanta o imaginário (ouro) até o esquecimento e abandono dos muitos resíduos produzidos pela sociedade líquido-consumista (e seu lixo), acabe sobrando grave degradação do ambiente e a percepção nefasta de que tratamos o planeta como se ele, tal como nós, tivesse “prazo de validade”, como se o mundo valesse apenas para nossa existência de seres-aí (bom exemplo de que a preocupação com o “outro” está longe de ser prioridade), verdadeira “troca impossível” (BAUDRILLARD).

Da mesma forma que a extração do “ouro” produz impacto ambiental gigantesco, processo no qual, para descolamento do minúsculo metal escondido na rocha com freqüência a perigosa liberação química de mercúrio, que, em meio à exploração insalubre, cretina e indigna da servidão alheia, abre verdadeiras e desesperadoras crateras capazes de "sangrar" não apenas a crosta terrestre, mas a saúde do trabalhador-escravo (ex: La Rinconada – Peru, para lembrar os incas, embora também pudéssemos falar do “rombo” de Batu Hijao, na Indonésia), a forma criminosa com a qual a imensa maioria dos países trata o seu “lixo” ainda atesta o grau estreito da nossa civilização (ex: exemplo disso reside no fato da imensa maioria dos municípios brasileiros ainda tratar seus resíduos vergonhosamente ao céu aberto – 80% segundo IBGE, sem aterros sanitários controlados e licenciados, contando com a insuficiência ou incompetência da fiscalização e a falta de uma política de gerenciamento de resíduos de alcance nacional – vale lembrar que projeto de lei referente ao tema dorme “em berço esplêndido” em meio ao “festival” de desnecessários cargos, virtuais funções e no mais das vezes imerecidos salários existentes no côncavo e no convexo do desacreditado Congresso Nacional).

No caminho desta verdadeira e “diabólica” encruzilhada (que paradoxalmente não seduz nem mesmo traz prazer), enquanto não houver efetiva mobilização da sociedade civil e dos escassos meios da mídia responsável que ainda resistem, pouco se verá e menos ainda se fará para compreender o meio ambiente como direito fundamental de terceira dimensão, situação insana que torna a despreocupação com esses problemas o “curto caminho longo” (aparentemente mais fácil, mas que demora quando não inviabiliza a condução do caminho onde precisamos realmente chegar), verdadeiro calvário que continuaremos tendo que atravessar sabe-se lá como...e com quem...(cuidado com a companhia!)

Assim, da complexa e cruel garimpagem do “ouro” (que no seu lugar privilegiado na “tabela periódica” tanto traz a “jóia” da ostentação para desfrute fútil de poucos como também faz lastro para conservar a economia em apuros produtora de miséria massificada para muitos) à degradação ambiental que inviabiliza uma política humana de gerenciamento e manejo racional do ‘lixo”, respectivamente, sobram exploração do trabalho e desperdício de oportunidades para criar novos postos de ocupação (ex: reciclagem, cooperativas, etc). Quando o “capital” resolve mostrar a sua "cara", nesse caso, há um só ponto comum: destruição do meio ambiente.

Em suma, no jogo "sujo" da poluição ambiental, ao mesmo tempo em que se ignora o valor econômico do lixo como verdadeira "matéria-prima" fora do lugar, superestima-se e sobretaxa-se cada vez mais um metal-deus (elemento "Au") que, mesmo sendo funcionalmente pouco útil, continua sendo histórica, estética e sobretudo economicamente fascinante (ex: ouro – que subiu nada menos do que 235% nos últimos 8 anos).

São tempos árduos de contínuo “desmatamento” do pouco verde que resta, nos quais o “amarelo” do ouro pode ser tudo, menos sinal de esperança... E por aí vai se desbotando as cores predominantes da bandeira (do país e, sobretudo, de uma boa causa para lutar, ainda que isso pareça agora, inclusive, fora de “moda”...lá se vão 17 anos da ECO-92...quem ainda lembra?).

Apesar disso, a comunidade precisa seguir lutando por sua humana sustentabilidade, mesmo que na beira da utopia. Em meio a este verdadeiro “ensaio sobre a cegueira”, é de cada um a “responsabilidade de ter olhos quando os outros já os perderam” (SARAMAGO). Na construção da educação e na “alfabetização ecológica” (CAPRA) podem estar os novos e ainda inexplorados valores, a verdadeira e boa “corrida”...

Voltando à fala inicial, não por acaso a “indiferença” ao meio ambiente (e conseqüentemente às crianças e adolescentes), na cronologia angustiante dos tempos (tão bem abordados por FLORESTAN FERNANDES), ao mesmo tempo que destrói a herança do passado, prejudica e compromete o presente, sobretudo, faz do futuro ruína, compondo o cenário macabro de mais um neo“campo de concentração” (nunca é demais lembrar o holocausto quando autoridade eclesiástica do cristianismo teima inseri-lo no imaginário...loucos tempos)

É o preço do meio ambiente que, no garimpo da “miséria”, padece no leito da humanidade, doente, entre o “ouro” e o “lixo” e suas jazidas, minas, usinas, empregos, vidas... “coração, desejo e sina...tudo mais, pura rotina...". De qualquer maneira, que venha o outono...".quiçá um dia a fúria desse 'front' virá lapidar o sonho até gerar o som, como querer...o que há de bom" (DJAVAN).

terça-feira, 17 de março de 2009

Democracia e Direitos Humanos: conceitos complexos e os riscos do “utilitarismo” nos seus “vestidos”


Estabelecida a laicidade do Estado como relevante conquista civilizatória, resta saber e questionar se as premissas de ontem (e aqui pausa para lembrar o quanto se quis incluir e enganar dentro do conceito de “evangelizar”, proposta que trouxe flagelo e violência para os povos originários, notadamente os índios) não foram ou estão sendo atualizadas à luz de um novo, sedutor e mais elaborado discurso no atual sistema-mundo (IMMANUEL WALLERSTEIN): democracia e direitos humanos.

Por incrível que pareça, o risco atual pode estar escondido onde menos se espera: no discurso utilitário e abusivo da necessidade de “democratizar” nações e promover “direitos humanos”, argumentos teoricamente elevados que, contudo, na prática, como nos mostra a história recente (ex: invasão do Iraque pelos EUA), estão sendo barata, banal e ilegitimamente invocados para justificar intervenção militar e proteção exclusiva dos interesses econômicos dos países ricos frente a outras nações da subperiferia ou periferia do capital, destrutiva e inteligente forma de continuar a exploração neocolonial que remonta às expansões marítimas desde o século XV envolvendo as principais potenciais Européias e, particularmente, os Estados Unidos.

A idéia equivocada de que a civilização “superior” estaria no Ocidente, além de implicar na egoísta negativa do “outro” oriental muçulmano, versão perversa e atualizada do “anti-semitismo” (GIORGIO AGAMBEN), também pode conformar patológica situação de uso falso, distorcido e impróprio de conceitos valorosos e necessários como “democracia” e “direitos humanos”. Esta percepção faz com que ambos conceitos sejam confinados em "campo de concentração", a pretexto de chancelar e legitimar o que muitas vezes não passa de uma violação à soberania de nações pobres ou em desenvolvimento, "missão" motivada por interesses políticos que, por detrás, trazem indisfarçavel significado econômico (afinal, não é outra a lógica do capital: que dizer do desespero por “petróleo” e a situação envolvendo o Oriente Médio como palco permanente de conflitos?).

O risco da criminosa invocação “utilitária” do discurso dos direitos humanos e da democracia aumenta com a possibilidade de que a concepção de ambas idéias perca-se ou dilua-se na subjetividade (NOAM CHOMSKY) ou mesmo na liquidez transitória e instável (BAUMANN) dos valores contemporâneos, atmosfera cada vez mais degradada, ainda mais se levarmos em conta a pauta comprometida da “grande mídia”, infelizmente alheia e divorciada dos reais e humanos problemas da sociedade.

Os direitos humanos precisam promover valores verdadeiramente solidários, dentre eles a paz e a harmonia entre os povos; a democracia, por sua vez, precisa ser substancial e experimentada em ambiente próprio a partir da combinação dos elementos (povo-Estado-território). Ambos conceitos não podem ser “simulacros” (BAUDRILLARD) e, ao contrário, devem ser vistos com o espírito crítico pela sociedade em que projetam seus efeitos. Até que esta compreensão esteja devidamente debatida e assimilada no tecido social global, prudência e desconfiança sobre as reais intenções do uso das expressões “democracia” e “direitos humanos” é fundamental (a propósito, a lição recente do massacre proporcional por Israel na striscia di Gaza não deveria ser tão facilmente esquecida...como, ao que parece, já foi).

Assim, quem está atento e desperto com o que efetivamente acontece não se surpreenderá ao perceber que a “retórica do poder”, na sua arrogante ganância e infelizmente costumeira falta de limites éticos, pode estar apenas utilizando a “democracia” e os “direitos humanos” como marionetes para contracenar cínico e cênico discurso, quase sempre sem fraternas e elevadas intenções e interesses, o que não trará outra coisa senão mais desumanidade, violência, guerra e exploração.

O abuso do poder oficial e o verdadeiro “terrorismo” (a pedra da broken window arremessada de dentro) são inimigos das verdadeiras democracias e dos genuínos defensores dos direitos humanos, institutos que, em seus pilares de sustentação, têm a marca histórica da legalidade substancial e do controle efetivo da atuação do Estado em favor das garantias fundamentais dos cidadãos, algo bem diverso do totalitarismo e xenofobia hoje reinantes em boa parte das “frações” do solo dito “civilizado” e “desenvolvido” (cuidado: o inimigo não está apenas no oriente e também pode ser "o estrangeiro" africano, asiático ou sul-americano fora do lugar - CAMUS). Algo bem diverso do que tomar por “guerra” um conflito entre um Estado organizado e oficial e determinados seguidores de uma etnia..... (mais uma vez a lição de Gaza).

A democracia não pode ser algo puramente formal consistente em eleições formais e periódicas, não dispensando condições materiais de cidadania para sua efetivação. Os direitos humanos, por sua vez, devem considerar conquista vivenciada após II Guerra Mundial (1945) em busca de uma verdadeira e plural universalidade (a advertência é de BOAVENTURA SOUZA SANTOS na sua polêmica com NORBERTO BOBBIO).

A questão não passa em se afirmar a impossibilidade de valores universais globais, dentre os quais “democracia” e “direitos humanos”, mas sim no questionamento de onde (e com quem) eles estão e, claro, quanto “custam”...

Certo é que democracia e direitos humanos, idéias indiscutivelmente complexas (e semanticamente abertas – daí o perigo), não podem escapar do controle crítico para servirem de retórica e discurso de manutenção de uma viciada superestrutura ideológica (WALLERSTEIN). Ao contrário, democracia e direitos humanos precisam constituir ferramentas de conserto e transformação da realidade social global extremamente excludente e injusta, na qual quem tem menos, cada vez continua com “mais” do menos, em estado de permanente desapropriação de emprego, de melhor condição social e, inclusive, intelectual (simples: quem não pára para pensar ou estudar fica mais fácil de ser cooptado sem o risco de se tornar um “subversivo”).

É na simbólica e melancólica balada deste quadro que o direito internacional (e sua força coativa nas suas possíveis expressões) precisa dizer a que veio, tomar seu reflexo no espelho para revisar até quando seu funcionamento está efetivamente comprometido com os valores dos direitos humanos e com as melhores expressões democráticas enquanto tudo corre à sua “sombra”.

A propósito, será a ONU (e seu restrito Conselho de Segurança de assento qualificado) organismo verdadeiramente “universal” e democrático ou esta atual e badalada organização de nações não passa de “fachada”, orquestra retórica cujos “maestros”, ao invés da harmonia, ditam e ouvem apenas a nota e a sinfonia barulhenta dos instrumentos destinados a reproduzir música para as nações e camadas dominantes? Será que as intervenções da ONU têm sido efetivas e resolutivas para a promoção dos direitos humanos e para um mundo mais democrático? Problematizar para refletir é preciso.

Por essas e outras que a famigerada estrutura ética e política do sistema-mundo moderno não pode permitir que o "direito de intervenção" e possibilidade de ingerência continuem sendo prerrogativas exclusivas dos Estados economicamente fortes, não raras vezes maquiada e recheada de falso discurso democrático e de ilusória “promoção” dos direitos humanos.

Em suma, tal como o cristianismo (suas mazelas e “fogueira”) e a idéia da lei natural serviram como argumentos falaciosos para uma missão enganosamente civilizadora no real sentido do termo, todo cuidado é pouco para que mesmo e mau uso não se faça com o discurso (legítimo e necessário, diga-se de passagem) da promoção de direitos humanos e democracia.

Não esqueçamos que a retórica do discurso pode ser a “arte” de “tapear” e destruir a utopia de um mundo mais justo, inclusivo, humano, democrático e verdadeiramente coletivo.

Não por acaso o risco da verdadeira “barbárie” e de um novo “flagelo” pode estar na institucionalização e na mutação da mesma intenção imperialista e violadora da dignidade, agora travestida de nova e aparentemente legítima roupagem, “vestidos” que, se não percebidos e combatidos pela devida lente crítica, no primeiro vento, poderão mortificar e levar embora a utopia (e com ela o sonho) da democracia e dos direitos humanos como conquistas e valores essenciais sem os quais a vida perde o sentido e o sistema-mundo fica pior e cada vez mais “nu"....

quinta-feira, 12 de março de 2009

"Resistindo" com Sabato para (re) formatar o mundo (e a dimensão da velhice)




O argentino Ernesto Sabato (1911), no auge de sua extraordinária vivência centenária, ensina-nos que, no âmbito de uma sociedade doentia e desumanizada, no balanço sombrio de nossa era, definitivamente é preciso coragem e postura para saber oferecer algo simples, mas necessário nos dias atuais: resistência!
Não é preciso muita acuidade visual e perceptiva para notar que a opressiva civilização pós-moderna, com seus produtos fúteis e bizarras criações, com sua arrogante “uniformidade”(que tanto estrago causa no campo do "direito" como ciência), constitui ambiente no qual a exploração da força de trabalho e a alienação sócio- intelectual proporcionada por manipulação da (des) informação pela grande mídia atuam orquestradamente com a melodia injuriosa do massacrante discurso econômico neoliberal. O resultado disso? Padecimento da dignidade da pessoa humana e a ausência de emancipação dos sujeitos na luta diária pela aquisição de mínima, efetiva e real cidadania, triste e permanente dragagem do projeto de uma sociedade mais fraterna, livre, justa e solidária.
Tal como o jurista italiano Norberto Bobbio já tinha feito na sua obra “Tempo de Memória”, com suas lúcidas e válidas lições, Sabato também nos ensina que a velhice não necessariamente implica em desinteresse, estorvo societal-familiar ou mesmo inconseqüente senilidade, mas, muito antes pelo contrário, integra fonte de experiência e sabedoria, lição que as civilizações antigas já respeitavam, mas que acabou quedando esquecida e gradualmente perdida na memória dos tempos, quando não propriamente eliminada pela velocidade impressionante do “giro civilizatório” do capital que, com seu cínico discurso, continua a permitir que as tacanhas noções utilitaristas atuais consigam alimentar o viciado discurso de que ao idoso há de se aplicar a lógica do “descarte”e da “indiferença”.
Nesse contexto, na lógica míope do capital, na esquiva dos melhores valores, se o "velho" não tem mais condição de ser explorado como força de trabalho, e se assim ele mais reflete e pouco ou menos consome (numa troca diária e irracional do velho pelo novo - Baudrillard que o diga), nada melhor do que propriamente desconsiderá-lo ou mesmo conformar desde o núcleo da atmosfera familiar condições para que seu entendimento seja solenemente ignorado e desprezada por (quase) todos.
Porém, na carona e nos dizeres de Sabato, que tal acordarmos na esperança demencial e em condições de sentir que as possibilidades de uma vida mais humana estão ao alcance de nossas mãos? Que tal pararmos para pensar na grandeza que ainda podemos pretender se ousarmos avaliar a vida de outra maneira?
Como ensina o sábio argentino, ainda é tempo de reverter este abandono e essa convicção,quem sabe, deva nos possuir até o compromisso...
A propósito, se a mentalidade do homem mudar, o perigo que vivemos será paradoxalmente uma esperança
Mais do que refletirmos sobre a importância de reformatar o mundo, nessa missão de alteridade e (re) construção do mundo para o “outro” numa sociedade carente de ócio-reflexivo, talvez também seja a hora de redimensionarmos a atual e dominante concepção de velhice...
Como ensina o sábio argentino, a comunhão do homem com tudo o que é simples e familiar se acentua mais na velhice, quando vamos nos despedindo dos projetos e nos aproximamos mais da terra da nossa infância...
E ter infância é não esquecer dos prazeres e sonhos, e sobretudo acreditar na magia e na possibilidade de transformar o mundo, a começar pela trivialidade das "pequenas grandes coisas", a começar pela vivência e compreensão das diferentes concepções dos antigos valores, do fortalecimento do senso de comunidade e o elo entre os homens.
O segredo está em descobrir alternativas à pobreza existencial e saber despertar olhares de algo grande que nos consagre a cuidar com empenho da terra em que vivemos. É preciso sentir que a angústia e as situações-limite nas quais nosso mundo desaba podem ser as únicas capazes de nos despertar desta inércia que nos move...
Está feito o convite para oferecermos“resistência”com Sabato e, sobretudo, acreditarmos no diálogo, na dignidade da pessoa humana, na liberdade...é preciso sentir saudade, quase ansiedade de um infinito, mas humano, na nossa medida...

sábado, 7 de março de 2009

Ser original na arte e na vida é saber "piratear" bigode na Monalisa...


Ser original é ter relação de pertencimento e identidade consigo mesmo e ao mesmo tempo saber viver junto e ao lado.

Saber criar é assumir o risco de entregar algum ser ou produto-aí no mundo para ver como eles se desenvolvem e se transformam.

Assim surgem os filhos, as músicas, os discos, os livros, as idéias, os amores, os sonhos, as lutas e tudo o mais...

A originalidade reside na impressão pessoal subjetiva, no lançamento de uma idéia, enfim, na projeção do invento e no despertar inusitado da criação sobre algo que de alguma forma já existe, por mais sempre haja a natural pretensão de se querer fazer algo novo.

Basta que haja espaço para uma intervenção humana consciente e inconsciente e ter-se-á verdadeiro ato de sucessão e substituição sem que se possa falar em produto acabado ou termo final. Goste-se ou não sempre haverá possibilidade de criação, ato contínuo de preenchimento e, ao mesmo tempo, de eterna falta e vazio...

O mundo e as coisas são sucessões de acontecimentos, obras de autores plurais, célebres e anônimos, retratos de uma produção derivada e contínua, legado da humanidade e de um permanente e inexorável fluxo de intervenção.

Que o diga o implacável ciclo e curso da história, que infelizmente poderia repetir maior esperança e prosperidade em troca de guerras, massacres e violência patrocinada por sistemas econômicos totais (os mesmos de sempre).

Nesse contexto, proveitosa reflexão sobre originalidade traz a obra de MARCEL DUCHAMP.

Tal qual NIETZSCHE ficou consagrado como o “demolidor de religiões” (conquista necessária para qualquer Estado laico e secularizado que se ambicione democrático), não resta dúvida de que o notável francês não só quebrou paradigmas estéticos como, sobretudo, fez questão de trabalhar entendimento de que o simples fazer e intervir sobre uma obra de arte, por mais consagrada e conhecida que ela seja, não deixa de torná-la, de alguma forma, algo próprio e particularmente meu, com minha assinatura, meu traço, minha concepção, meu desejo, minha identidade...Pensar o contrário seria reduzir tudo ao "objeto" quando a força sempre há de estar no "sujeito", verdadeira essência e sentido das coisas.

Assim, ao retratar a célebre “Monalisa” de DA VINCI com um fino e sutil bigode, DUCHAMP traz grande e magnífica lição para a arte e para vida, perpétuos processos de significação e atribuição de sentidos sempre feitos para o “outro”.

Em tempo de concentração de renda, de emprego, de dignidade, como é bom saber que a originalidade e as possibilidades de minha intervenção compartilhada com o mundo ainda podem superar a precária e galopante “desumanização” que a tudo quer padronizar e aprisionar ao modo do leviano e vil, embora "feliz", “homem unidimensional” (MARCUSE).

Como se vê, a originalidade (na arte e na vida) precisa cambiar conceitos, ainda que alguns poucos continuem atuar e pensar o mundo com olhos de seu império e pés pretensiosamente justapostos na cerca limítrofe do próprio (e vazio) quintal, ao tempo em que o planeta, o território, e os melhores pátios da terra (e tantas coisas mais) gritam divisão, compartimento e redistribuição para edificação de outro novo/velho projeto emancipatório possível para se viver mais, melhor, mas sobretudo junto (em exercício constante e delirante de alteridade).

No universo democrático (na vida e na arte), quando mais em tempo de revolução cultural digital, saber que todos podem ser autores e criadores representa valioso alento, ponto de partida para compreensão que a genuína e inexorável lei passa longe dos códigos e das interdições.

Por essas e outras que pensar e problematizar a “pirataria” no contexto e universo da linguagem exige boa dose de reflexão e alguma distância da astuta “mídia gorda” e das concepções rasteiras e pré-concebidas do universo do capital, palco de preocupações distantes e indiferentes do seus verdadeiros atores e destinatários do jogo: nós!

Por mais que haja uma essência a preservar, a sabedoria está em manter o limite necessário e imprescindível para retransmitir e nunca deixar de criar. Nesse giro revolucionário, tudo que puder ser expressão e intervenção do gênero humano, tudo o que dizer respeito à essência não poderá ser aprisionado como propriedade minha nem de ninguém. Um bom projeto ou idéia não está assegurado pela sua patente ou registro, mas sim pela capacidade de se transformar, convencer e, sobretudo, seduzir...Destruir o que não presta também vale e não raras vezes constitui interferência necessária para que se conceba algo mais próprio e original.

O egoísmo, a mesquinhez, a falta do desejo de saber e querer compartir, dar e receber, criar e destruir, constitui insegurança própria dos verdadeiros “homens medíocres” (INGENIEROS). E homens medíocres, nas suas tolices, mitos, verdades e sentidos, continuaram vivendo sem saber o que é ser original, à margem de tudo que liberta. Eles sim vivem na “cópia”, no palco da farsa e, infelizmente, em asséptica e desastrosa reprodução.

Por mais difícil que seja pensar coletivamente um outro marco civilizatório possível em tempos de dignidade e solidariedade cotidianamente sonegadas e desestimuladas, tudo que puder sofrer transformação pela criatividade e pela ação humana sempre haverá de continuar sendo de um e todos ao mesmo tempo, meu, teu, seu e, sobretudo, nosso...original...tal como a Monalisa e seu olhar penetrante, com ou sem bigode...Tudo depende da mirada....

domingo, 1 de março de 2009

O Legislativo brasileiro entre a filosofia da “Escola de Frankfurt” e a poesia de Fernando Pessoa


A filosofia no século XX teve momento importante com a concretização da “Escola de Frankfurt” e seus muitos pensadores intelectuais revolucionários e rompedores de paradigmas (entre eles MAX HORKHEIMER, THEODOR ADORNO, WALTER BENJAMIN, HERBERT MARCUSE).
Se foi ou não uma escola filosófica no sentido estrito e técnico-conceitual do termo pouco importa, pois fato inegável é reconhecer que a reunião e o grupo dos extraordinários intelectuais da “Escola de Frankfurt” buscavam algo que deveria ser atitude essencial de todo e qualquer ser humano e instituição que pretenda ser democrática: massa crítica e transformação da realidade.
A “Escola de Frankfurt” tanto merece valor e reflete uma postura revolucionária que o seu período de latência e experimentação tem seu início marcado na década de 1930, atravessa o período de ascensão e queda do Reich (1937/1945), Segunda Guerra Mundial (1939/1945), chegando com ótimas e, sobretudo, originais idéias nas décadas de 50 e 60, talvez o ápice de seu desenvolvimento teórico e prático.
Tanto era verdadeiro o impacto da “leitura crítica” proporcionada pela corrente que a sede do seu Instituto de Pesquisas Sociais, ao longo dos anos, experimentou variação especial de Frankfurt para Genebra, Paris e Estados Unidos, por mais que a origem do movimento tenha ficado marcada no nome que a designa. Tudo que não faltou à Escola de Frankfurt foi necessidade de se adaptar as mudanças, não só de espaço, como de seu tempo.
Se enfrentar a crise filosófica e a crise política constituíram algumas importantes premissas da referida corrente de pensamento, que abordou temas essenciais como a problematização do conhecimento, a ‘indústria cultural” e as suas estruturas ideológicas e alienantes de dominação, certamente que muitos dos seus postulados podem ser úteis para a compreensão do mundo que vivemos, mais especialmente, do cenário político do Brasil que habitamos, onde, infelizmente, no topo do Poder Legislativo, com as recentes posses dos Presidentes SARNEY e MICHEL TEMER, lembrando a lucidez de CAZUZA, podemos ver o futuro repetir o passado num museu de grandes novidades por mais que o tempo realmente não pare!
O Poder Legislativo brasileiro, infelizmente, do Congresso Nacional, das Assembléias Estaduais às Câmaras de Vereadores Municipais, salvo pontuais exceções, continua impregnado pela patológica demissão do seu papel constitucional, pelo domínio das emendas “de interesse” de currais eleitorais, pelos sucessivos escândalos de corrupção, pela imoralidade administrativa, na legislação em causa própria, entre muitos outros problemas. Pior do que isso é saber que Congresso Nacional e suas Casas Legislativas, ápice deste Poder de Estado nos termos da Constituição, a julgar pelos seus “novos” Presidentes, mudam não mudando.
Enquanto o quadro for este, o cenário legislativo no Estado Federativo brasileiro continuará lembrando as brilhantes lições e interpretações contidas na obra do poeta português FERNANDO PESSOA, segundo o qual “há só uma janela fechada e todo o mundo lá fora; e um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse; que nunca é o que se vê quando se abre a janela”.
Resta a esperança proporcionada pela visão crítica e revolucionária de que, apesar de tudo, não podemos perder o horizonte de sentido e talvez ainda valha apostar e acreditar que, tal como a Escola de Frankfurt foi produto do seu tempo que conseguiu atravessar o período de escuridão, angústia e desespero do holocausto, quem sabe um dia possamos vislumbrar horizonte melhor para um Poder de Estado (Legislativo) que literalmente precisa dizer a que veio e cumprir com os objetivos de nossa República (artigo 3º da Constituição).
Do contrário, na falta de “massa crítica” e poder de transformação da perversa realidade social brasileira, voltando a FERNANDO PESSOA, restará o medo e a angústia de conformidade de que o retrato do Poder Legislativo brasileiro “é mais estranho do que todas as estranhezas e do que os sonhos de todos os poetas e os pensamentos de todos os filósofos que as cousas sejam realmente o que parecem ser e não haja nada que compreender; sim, eis o que meus sentidos aprenderam sozinhos, as coisas não tem significação: tem existência; as cousas são o único sentido oculto das cousas”.