domingo, 21 de abril de 2013

"Socrate" de Roberto Rosselini




Roberto Rosselini (1906-1977), célebre cineasta italiano, cuja filmografia contém dezenas de produções em aproximadamente quarenta anos dedicados à “sétima arte”, mostrou um recorte significativo (verdadeira cinebiografia) e artístico do ilustre filósofo grego em Socrate (Sócrates -Itália. 1971, 120 minutos. Versátil Home Vídeo), uma de suas últimas produções.

A filmagem de “Sócrates”, concebida originariamente como produto para a televisão (o que talvez explique os cortes abruptos entre diversas de suas marcantes cenas), realmente convence. Os cenários precários montados bizarramente como se fossem “de papelão” ao fundo da cidade de Atenas mostram que o bom cinema depende de diversos predicados, não necessariamente de incremento tecnológico computacional por vezes hiperbolizado, ainda mais nos dias de hoje, nos quais a quantidade não raras vezes derrota a qualidade em quase tudo que se produz no campo artístico tomado pela "indústria cultural" do lixo.

O início do filme, rodado em 1970, mostra o impacto da histórica (e temporária) vitória imposta pelos espartanos sobre os atenienses, tema a partir do qual, em verdadeiro caminho rumo ao absurdo (sem ser Camus), desenvolve-se o enredo que tem como ponto culminante o acontecimento de que Sócrates (433 a 333 antes de cristo), o “questionador”, será levado a julgamento por seus pares por supostamente não crer nos deuses e por corromper a juventude (qual o critério para ser jovem, afinal, indaga Sócrates a um dos tiranos, o qual  sucessivamente lhe responde que ser jovem é ter menos de 30 anos, no que o filósofo grego dá uma resposta sarcástica e irônica – recurso último bem explorado em diversos momentos, especialmente no julgamento, por exemplo, “que homem horrível é esse capaz de, sozinho corromper toda uma cidade?”), acusado por Meleto, Ânico e Liton.

A derrubada dos muros de Atenas, as conjecturas desse momento e o vai e vem cotidiano dos cidadãos atenenienses pelo cenário das casas de pedra, do solo de terra, dos bustos, do mercado, dos prédios institucionais de pilares robustos, pode funcionar como uma interessante metáfora para a injustiça praticada com Sócrates, logo ele que tanto se preocupou com as questões da cidade.  A imputação, da forma como retratada no filme, é não crer nas ideias de Atenas (quais?), propor novas crenças (quais?), corromper a juventude (como?), ou seja, a mais vaga, incerta e fantasiosa possível (de certo modo kafkiana, também).

Sócrates, diferentemente de outros oradores inclinados a atuarem como preceptores de nobres, nenhum proveito financeiro obteve em benefício próprio (“desgraçadamente sou ignorante e minha sabedoria é saber que nada sei e isso não pode ser vendido”), tendo vida pobre cercada de provações, situação que, tal como o filme mostra, sempre gerou sistemáticas cobranças familiares de sua esposa Xântipe, retratada em dois momentos: primeiro como histérica esposa segundo a qual o trabalho do marido e suas pregações aos seriam inúteis e somente serviriam para dar margem a perseguições; depois, como  sábia mãe que consola dos filhos pedindo que esses se inspirem na coragem e exemplo do pai, redenção com a qual parece compreender a grandeza do companheiro que tinha ao seu lado.

Depois de recusar-se de ser defendido por Lisias, ao entender que sua bem intencionada retórica trabalharia mais para a mentira do que para a verdade, coube à Sócrates encarregar-se da sua própria defesa diante de mais de quinhentos jurados escolhidos na sorte, entre a fava branca e a negra. Como se defender de uma acusação injusta e absurda? Eis a questão.

O fato é que nem mesmo uma acusação absurdamente fraca e desprovida de qualquer elemento de prova afastou Sócrates de ser coerente com a sua verdade (e condenado por 60 votos), o que incluía preferir morrer esperando a sicuta tomar-lhe gananciosamente o corpo do que, nas suas palavras, responder uma injustiça  com uma outra suposta “injustiça”, que, no seu entender, seria fugir da sanção do Estado (“Se morro não é pelas leis, mas pelos homens”). Essa mesma ideia fez com que Sócrates não tenha aceitado transigir com a pena aplicada. Paradoxalmente, o mesmo Estado que Sócrates apostou é aquele que lhe deu as costas e submeteu-o a julgamento. Todavia, entre se insurgir contra o Estado e enfrentar a morte, Sócrates prefere a segunda alternativa. A morte também tem sua dignidade muitas vezes maior do que, na palavra de Sócrates, somar ridículos esforços para ficar vivo a qualquer preço (que lição). Quem vai dizer se é melhor morrer ou continuar a viver, diz Sócrates, é a divindade. Em último grau é ela quem irá julgar o rumo e o sentido do seu “julgamento”.

A dimensão de alteridade de Sócrates é tanta que nem na hora do seu desejo final ele não consegue fazer outra coisa a não pensar os problemas coletivos da cidade, ocasião em que, no plano pessoal, limita-se a pedir que seus filhos sejam duramente  corrigidos e repreendidos se desviarem do caminho da virtude, tal como ele faria se estivesse vivo. A mesma alteridade faz com que ele se banhe e se vista para morrer para evitar que a esposa tivesse esse desgosto.Sócrates também sabia que a felicidade não está na beleza nem na riqueza, mas na busca de ser justo, na adequação do conhecimento e da prática.

A cena de Sócrates explicando os motivos pelos quais deveria fazer sua própria defesa e o modo como Sócrates se porta no Tribunal já valeriam o filme, mostrando todo o seu potencial reflexivo, especialmente se considerarmos a dificuldade que pretender expor algumas linhas gerais de uma determinada linha filosófica pela lente do cinema.

Sócrates, na sua ignorância de nada saber (que teria lhe rendido a indicação pelo oráculo), é consciente de que não há nada pior do que as presunções, das pessoas que pretendem ter opinião sobre tudo. Esse, na sua visão, foi um dos problemas da derrota de Atenas para Esparta.

Uma outra lição de Sócrates bem amparada em uma passagem destacada no filme é de que a medicina cura os corpos e a política deveria curar a justiça e a busca do bem comum, embora saibamos que infelizmente não é assim que as coisas funcionam (ah como estamos longe disso, como precisamos de filosofia política para superar o que se assiste no âmbito da realidade). A forma serena como se apresenta o caráter questionador de Sócrates é um convite para um conhecimento mais adequado da sua proposta filosófica longe da vulgata tradicional, algo, repita-se, muito difícil de se fazer na linguagem do cinema.

Melhor que o filme só mesmo comparar a coerência do retrato feito com os célebres discursos socráticos (Apologia, Críton e Fédon) e aprofundar o debate filosófico sobre o caráter satisfatório ou não da proposta.

Apesar de ser julgado pelos motivos já expostos, tudo que Sócrates fazia era acreditar nos deuses, tanto que, como o filme bem mostra, por isso suas palavras não vinham tão naturalmente, por isso a sua aceitação da morte é resignada. A despedida de Sócrates e suas reflexões sobre a morte como naturalidade que condena todos é preciosa.

Loucura negar-se a obedecer a ordem dos tiranos? Loucura em aceitar a morte com essa passividade? Como diz Sócrates em certa altura do filme, as vezes é preciso ser louco para que cada um diga a sua verdade de acordo com a sua maneira. E, como a certo momento diz Sócrates, o sono, a morte (e porque não os bons filmes), inegavelmente dão certa paz. 

domingo, 24 de março de 2013

A democratização dos meios de comunicação social (censura é o monopólio que temos hoje).



Chegou o momento de conciliarmos a liberdade de comunicação (artigo 5o, IX, da Constituição) com a garantia de que os meios de comunicação sejam, de fato, sociais. Está na hora.

A comunicação social não pode ser mais um capítulo perdido no meio da Constituição (artigos 220 a 225) e precisa ser discutida pelo povo.

Premissas equivocadas devem ser derrubadas.

Controle para que os meios sejam de fatos sociais não é a “restrição” constitucionalmente vedada.

Permitir monopólios privados também é uma forma diferenciada e perversa de censura, até mesmo porque, segundo o parágrafo quinto do artigo 220 da Constituição, “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

Tomemos o exemplo da “telinha”. A televisão está em 96,9% dos domicílios, sendo de longe o meio de comunicação mais difundido e utilizado. O mais curioso é que neste bendito meio qualquer propaganda de informação e utilidade pública que não seja a garantida pelo horário político-eleitoral tem que ser paga (e bem caro) para ser veiculada.

Por que o Poder Executivo não muda isso? Simples. Porque as vezes é o próprio Governo que capitaliza lucro eleitoral com esse sistema. Para ficar num exemplo concreto, é por essas e outras que ao invés de se esclarecer que o SUS (Sistema Único de Saúde) é gratuito e que a assistência farmacêutica é um direito de todo o cidadão, conforme prevê o artigo 6o da Lei 8.080/90, o Governo, no caso o Federal, prefere pagar propagandas nos mais diversos e grandes jornalões  "vendendo" a ideia de que remédio de graça é "favor" da Presidenta. Barbaridade.

Se existem princípios para que as programações de rádio e televisão observem, pergunto: quais são as finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas (quem diz é o inciso I do artigo 221) que temos na televisão aberta e pública nos dias de hoje?  Alguém acha que os meios fazem uma difusão adequada da cultura nacional e regional (inciso II do artigo 221)? A regionalização é observada (inciso III do artigo 221)? Quem se arrisca a atravessar a programação com foco nessas questões?

De nada adianta a restrição de propriedade de meios a brasileiros natos e naturalizados com mais de dez anos ou a pessoas jurídicas constituídas no Brasil, condicionantes para edição e seleção da programação se, na prática, isso não tem nenhum resultado prático e pode ser burlado pela permissividade com o setor.

Lembrando que cabe ao Poder Executivo tratar das concessões, permissões e autorizações para o serviço de radiodifusão, devendo o Congresso Nacional apreciar o ato.

A propósito, alguém sabe dizer quais casos em que não houve a renovação de concessão ou permissão que já ocorreu pelo Congresso Nacional (artigo 223, parágrafo segundo, da Constituição), possibilidade prevista pelo artigo 223, parágrafo segundo?

Já houve alguma decisão judicial determinando cancelamento de alguma concessão? (artigo 223, parágrafo quarto)

E o que dizer, então, do Conselho de Comunicação previsto como órgão auxiliar do Congresso Nacional, na forma do artigo 224, funciona? Quem são seus membros? O que discutem? Cadê as atas? Onde está, aqui, no campo da mídia, a democracia participativo-deliberativa como princípio? Ou será que a preocupação com uma Conferência de Comunicação que busque transformá-la será correr os mesmos riscos do Governo Argentino de Cristina Kirchner, sempre tachada (como ocorria com Chávez) como “inimigo” da imprensa?

Além de fazer justiça aos bons veículos que volta e meia cuidam do tema (Le Monde Diplomatique, Caros Amigos, Programa Faixa Livre, TV Cultura, Globonews – curiosamente esta última disponível apenas para assinantes e não para informar o povo), antes de emitirem editorais direcionais e preconceituosos pela mudança da ordem das coisas que ocorre em alguns países da América Latina, gostaria de ver os meios de comunicação no Brasil ocupados em fazer um debate sério sobre assunto.

O mundo complexo do direito, os juristas, também precisa pensar na efetividade desses dispositivos.

A comunicação precisa ser de fato social e não refém dos interesses do deus-mercado.

O espectador não é apenas consumidor, mas também cidadão, o que não interessa às grandes redes (e, verdade seja dita, também não interessa a muitos governos que, distantes da “potentia” do poder em si e próximos do fetiche autorreferencial do “potestas” como poder delegado estão geograficamente longe da política como ofício que, como bem ressalta Dussel, deve ser um ofício nobre e patriótico).

Na imprensa brasileira, de modo geral, especificamente na televisão, como bem afirma com lucidez Silvio Caccia Brava, “não há análises de contexto, os fatos não se inscrevem em lógicas mais amplas. [...] os meios de comunicação vivem uma relação promíscua com o poder político e o poder econômico [...] Basta ver quem detém as concessões, por exemplo, das estações retransmissoras das principais redes televisivas, distribuídas, em grande parte, para as oligarquias e lideranças políticas regionais. Seu objetivo não é mais servidor à sociedade, mas se servir dela para alavancar interesses privados, para alavancar negócios, para reproduzir as elites no poder”.

É por isso que as discussões não avançam. É por isso que após a escolha do papa volta-se a curiosidades fúteis, sem que a Igreja Católica como instituição seja discutida, com respeito a visão do ocidente e do oriente, com respeito à liberdade, com a indicação sistematizada dos fatos, da inquisição à teologia da libertação; é por isso que os noticiários dos crimes de trânsito episódicos não revertem numa discussão série sobre a necessidade da legislação ser revista, sobre a necessidade de se discutir a municipalização na fiscalização do trânsito na maior parte das cidades brasileiras, sendo mais fácil divulgar a tragédia do episódio;  o mesmo vale para as matérias que se ocupam da água apenas no seu dia mundial, esquecendo a poluição hídrica fomentada pelo próprio Estado, as agruras da nefasta transposição do Rio São Francisco, a burrice que é produzir energia com a morte da vida em diversos rios quando existem outros canais alternativos; isso vale também para o jornalismo que prefere explorar a “espetacularização” dos julgamentos concretos sem discutir a total falta de prioridade do Poder Judiciário brasileiro para priorizar o processamento e o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, que na periferia brasileira são julgados por vezes 10 ou 15 anos depois do fato realizado, sobre o que pouco ou nada se diz em tempo em que a “justiça” chega nos aeroportos; é por isso que a discussão do IDH não resiste a duas ou três manchetes e resvala para a exploração política ao invés de discutir o tema com profundidade e de modo responsável.

Os discursos da mídia são tanto inofensivos como perigosos. Inofensivos porque não permitem que nada se transforme; perigosos porque distorcem e não raras vezes desinformam.

Tudo se resume em divulgar as pesquisas dos institutos, “ibopetizar” e “datafolhar” as coisas, desde a avaliação do governo, das instituições, dos direitos...Não por acaso existem tantas visões distorcidas e equivocadas.

Nesse quadro, a comunicação digital ainda é o que temos de melhor, mais horizontal e democrático...

Ninguém aguenta mais tanto jornalismo "canalha" (José Arbex Junior).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Pietà: obra-prima de Kim Ki-Duk





Apesar do nome, não se trata de um filme sobre a arte de Michelangelo, mas a história bem tramada é capaz de comover e sensibilizar. O roteiro impressiona.
O cenário é o distrito de Cheonggyecheon, arrabalde de Seul, local de industrialização crescente numa Coréia do Sul contrastada pelos arranha-céus e devastada por uma pobreza comovente.
Num prédio antigo, quase abandonado, vive um cobrador de dívidas de agiotagem  desprovido de qualquer sentimento de humanidade, particularmente perverso. Seu ofício é trabalho dos mais sujos e repetitivos. Seu nome é Lee Kang-do. Todo dia ele desperta para caçar de forma cruel e impiedosa todos os devedores. Direta ou indiretamente a cobrança proporciona mutilações sangrentas para pagamento de prêmios dos seguros, única forma do trabalhador quitar seu débito com o sistema e seus altíssimos juros. A máquina que um dia deu o sustento já não serve para sobreviver, mas para mutilar. Aqui os “acidentes” do trabalho são a única saída para pagar o que se deve ou, quem sabe, a expectativa para criar um filho. A que ponto chega o desespero da miséria canibal-capitalista.
Inveja de quem foi abandonado, de quem nunca teve mãe. Resultado: distúrbios de toda ordem, inclusive sexuais. Na desumanidade sempre há um tanto de desamor, faz sentido.
Até que um dia esse cobrador descobre uma mulher que se apresenta como sua mãe que o abandonou desde criança e que se diz disposta a pedir desculpa e a se redimir.  Reencontro de ódio, drama e amor.
O que começa como dúvida logo se dissipa por algumas provas de alguém que, mesmo na maldade que parece nata de Lee Kang-Do,  acima de tudo quer acreditar que não está sozinho. É a partir disso que seu personagem, aos poucos, aprende a enxergar o que é alteridade.
Gradualmente a vida solitária de Lee Kang-Do começa a mudar no caminho do remorso e da redenção.A notícia do primeiro aniversário, a busca de informações pela história, os primeiros sorrisos, a infância de quem não teve.  Aparecem os traços do humano. Eis a chance e oportunidade.
Contudo, o preço do passado atormenta. Nada pior do que ver seu familiar perseguido, maltratado, ameaçado...Agora Lee-Kang-Do adquire consciência das múltiplas maldades que já fez. Suas vítimas rondam sua existência como fantasmas e passam a ameaçá-lo. Na roda da vida a vingança chega à vida de Lee Kang-Do, também recheada dos mesmos juros exorbitantes. Conviver com o ódio e a ira das muitas famílias destruídas do que um dia pensou ser uma profissão, eis o empréstimo a ser quitado.
Na tela já estão todos os ingredientes para uma reflexão caleidoscópica. Do que é capaz uma mãe que tem que conviver com a perda do filho nos braços;  que desumanidades podem advir do abandono de um filho e, sobretudo, como o dinheiro pode destruir as relações humanas.
A importância da família e do amor no processo de socialização.
A miséria humana gerada pelo capitalismo, pela preocupação do maldito dinheiro.
Abandono, solidão, crueldade, reencontro, amor e vingança.
Esses alguns elementos da história do extraordinário filme de Kim Ki-Duk.
Pietà (2012, 104min) mereceu, com sobras, o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza.
Pode chegar tranquilamente ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Vale a pena cada minuto de poltrona.
Para além de Psy, felizmente, a Coréia tem Kim Ki-Duk.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Pães, batatas e armas de fogo: alimentos de um sistema-mundo capitalista





Mais uma chacina recente ocorrida em escola estadunidense de Sandy Hook, em Newtown, (re) coloca em discussão a relação existente entre violência crimes e circulação de armas de fogo.

As tragédias de morte com uso de arma de fogo  se sucedem em histórico preocupante tendo como palco predominante escolas,  agências de socialização como as famílias para aquisição de modos, costumes e recursos para melhor convívio em sociedade.

O Massacre de Columbine, registrado com maestria na lente do Diretor Michael Moore, ocorreu em 1999 e dali para diante nada mudou.

Assim como, apesar da ignorância (ingênua e feliz) de muitos,  lamentavelmente  vivemos numa narcodemocracia, - ou seja, as drogas integram o agir estatal, que diante delas só sabe reagir repressivamente e sempre por intermédio do uso banalizante do direito penal para auferir seus dividendos de capital, para atender a demanda de quem interessa um proibicionismo quase sem limites, - as armas também integram uma estrutura econômica de um capitalismo de mercado destrutivo e aniquilador.

Será mesmo novos tempos para uma nova política de controle de armas? Really new time for changes in gun control? I don’t think so.

É impressionante a capacidade da sociedade estadunidense encontrar motivos no cinema, na televisão e até mesmo (pasme-se) em jogos de vídeo-game para, diante de causas plurais e complexas, atribuir culpa de uma cultura nefasta doentia absolutamente armamentista não só predatória da natureza, mas ceifadora de vidas humanas em progressão geométrica.

Realmente não há como receber de outro modo a notícia risível de que certas autoridades estadunidenses passaram a defender a necessidade de segurança armada nas escolas e não propriamente a restrição drástica do critério de mercado que estimula e permite que haja compra e venda de drogas mais ou menos como ocorre com pães e batatas.

A solução é coerente, claro. Para resolver o problema do mercado, dê-se mais mercado.  Ao invés de se restringir os lucros e a “mais-valia” de quem fatura dinheiro às custas da eliminação em massa de vidas alheias por disseminação da violência, aproveita-se a oportunidade para aumentar ainda mais a sensação irrazoável e muitas vezes paranóica de insegurança (já bem alertada por Bauman) cuja demanda, evidente, movimenta uma economia cada vez mais ética e mais distante do paradigma da conservação e incremento da vida (para lembrar Dussel).

Do mesmo modo que pães e batatas  são alimentos que faltam a pobres e loucos de fome que somam mais de um bilhão de pessoas no mundo (que ainda um dia há de acabar por conta disso e não por crenças cosmogônicas ou teológicas infundadas e assimiladas com irritante espaço nos alienantes meios de comunicação social massivos), em verdade o comércio de armas e munições nos Estados Unidos (e daí para o mundo na guerra perdida do narcotráfico) nada mais é do que o alimento de um sistema-mundo doente por uma economia com apetite cada vez mais voraz de destruir subjetividades e projetos democráticos de um respeito efetivo ao paradigma de direitos humanos, que vai longe de algo puramente ocidental, democrático ou capitalista.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

Movimento Casa Warat



"Nos une construir un mundo, donde cada uno sea un encuentro con los otros" (Luis Alberto Warat - II Encontro Internacional da Casa Warat, 2010) 


I - Uma casa potencialmente aberta, de muitas e acessíveis portas, composta de diversas e coloridas janelas, de arquitetura horizontal e propriedade coletiva tombada pela liberdade, surgida originariamente em território latino-americano, numa alfândega permanente entre a Argentina e o Brasil, com a possibilidade móvel e nômade de transportar-se e expandir-se para qualquer outro espaço ou atmosfera de afeto disposto a receber sua instalação e funcionamento em caráter permanente ou temporário.


II - Uma rede que pode ser integrada por estudantes de qualquer ramo do saber e por profissionais de qualquer atividade, capaz de prover quarto e cuidados a todos, teia de conhecimento na qual cada um precisa ter liberdade e autonomia para deixar sua contribuição, na certeza de que a ajuda no aprendizado solidário se dá a partir de uma premissa de respeito sensível ao outro e à reciprocidade como forma de abrigo.  

III - Um grupo de pessoas que, dentre tantos ideais e projetos, com ou sem as instituições, tem preocupações, metas e objetivos comuns propostos a  conhecer, refletir, divulgar, difundir, discutir e desenvolver o pensamento genial e fantástico do Professor Luis Alberto Warat, essência reflexivo-epistemológica capaz de ir muito além de expressivas quatro décadas de ensino ou significativas quase cinco dezenas de livros.

IV - Uma casa composta de muitos e diferentes cronópios e jardins, não só disposta a contribuir para o aprimoramento pessoal e intelectual das flores cultivadas por cada um de seus hóspedes nos seus encontros com os canteiros dos vizinhos-outros, mas com a firme perspectiva de propiciar intervenção positiva na realidade social de modo a fertilizar a terra e o solo da vida e da convivência humana, seja problematizando temas, categorias e conceitos propriamente waratianos, seja pela possibilidade de aplicação de principios, ideias e praticas waratianas para a percepção do novo, do imaginário, do que falta ser criado e do que sempre há por vir...

V - Um conjunto de pessoas agrupados e sensibilizados para discussão de temas e assuntos relacionados à humanidade, no qual o direito é apenas um instrumento dentre outros de uma mágica e surrealista caixa de ferramentas, tendo como foco o rigor crítico que há de pautar todas as formas de conhecimento e desbravamento tanto dos territórios conhecidos e desconhecidos da arte, da filosofia, da sociologia, da antropologia, da psicologia e de tantos outros dormitórios do saber transformador. 

VI - Uma casa que todos estão convidados a participar e conhecer para fomento da subjetividade autêntica, fonte permanente e eterno devir dos recortes críticos de tudo que há. 

Conheça o Movimento Casa Warat! 

Casa Warat São Paulo: http://casawaratsp.blogspot.com.br/

Casa Warat Goiás: http://casawaratgoias.blogspot.com.br/

Casa Warat Sul: em construção

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Nomeação de Ministro do STF: "vida de gado" marcado?




Aproxima-se período fértil à nomeação de novos Ministros para o Supremo Tribunal Federal. Um deles está deixando a Corte (Cezar Peluso) e outros dois irão se aposentar ainda neste ano de 2012 (Ayres Britto pela compulsória e Celso Mello, segundo se diz, por questões de saúde e opção, respectivamente).

Em tempo de democracia consolidada já passou da hora da sociedade brasileira participar de modo ativo desse processo.

A hipertrofia do Poder Executivo Federal não pode chegar ao ponto de o Congresso Nacional continuar deixando a desejar no cumprimento de um papel mais efetivo na sugestão e discussão dos melhores nomes, crítica que também pode ser feita às instituições do sistema de justiça.

Se a soberania, de fato, pertence ao povo, como afirma simbolicamente o artigo 1o, parágrafo único, da Constituição, de algum modo a sociedade precisa participar!

A universidade brasileira, celeiro de grandes juristas, também precisa despertar de modo mais efetivo para o problema. Até aqui os seus congregados associativos docentes e discentes, inclusive movimento estudantil, parecem dormentes e despreocupados com a questão, o que representa grande e inexplicável alienação.

Não resta dúvida de que o mecanismo de processamento e controle formal e material da escolha de Ministro do Supremo Tribunal Federal precisa ser urgentemente aprimorado e, nesse sentido, investigar modelos de direito comparado pode ser uma importante ferramenta para enriquecer este debate.

Que todas as forças vivas da sociedade possam exercer seu engajamento e intelectualidade orgânica para que tenhamos uma escolha feita entre os melhores nomes, observado o caráter nacional e a pluralidade da participação da universidade, das instituições e da própria sociedade, afinal, não é pressuposto para ser Ministro do STF ter sido advogado-geral da União, um dos “critérios” que, segundo se diz, poderá ser novamente adotado.

Antes que o temor se consume, é de se esperar que a comunidade jurídica esteja especialmente envolvida neste processo.

Do mesmo modo, tomara que os órgãos de comunicação social apostem na conveniência e responsabilidade da pauta para enfrentamento do tema.

Que possamos sonhar com um processo de escolha recheado de consultas e de audiências públicas, pois o infame formato atual precisa estar “gravido” de algum outro modelo (peço licença para usar a expressão de Eduardo Galeano imaginando que este, talvez, pudesse endossar a medida.

Afinal, escolher Ministro da Corte Suprema e do Tribunal Constitucional da nação não é algo para ser feito pela ótica da ideologia político-partidária, por indicações de ex-Ministros de Estado, empresários ou agentes políticos, mas sim pela preocupação vocacional e técnica que a elevadíssima responsabilidade do cargo exige.

Chega de "vida de gado".

E você, caro leitor do Recortes Críticos, o que pensa sobre a questão?

sábado, 28 de julho de 2012

Marcuse sem ponto final




De um lado a capacidade de reagir, de dizer não à cultura puramente afirmativa, oca e desprovida de base, própria de um tempo sem identidade. 

De outro,  a necessidade de fugir da alienação irritante do que está posto e dado para flertar no caminho prospectivo e florido das potencialidades.

Preservar, enfim,  o cuidado labiríntico para que o indivíduo não se dilua no pó sedante da massificada indústria cultural e possa manter seu universo de fantasia.

Democracia e revolução em meio à reflexão: ingredientes capazes de permitir a construção de uma civilização relativamente livre do rastro cego da unidimensionalidade, das falsas necessidades da sociedade hipertecnológica, verdadeira prisão sem grades.

Welfare ou Warfare? Prazer e realidade? Princípios e Contradições.

De certeza, a convicção de que a  economia e suas trocas banais não bastam...assim como de nada serve a crítica desacompanhada da práxis transformadora. 

Na pauta permanente continua em debate o  indivíduo e seu papel de mudança social...

Fugir da alienação para  mergulhar na realidade na busca desesperada uma nova sensibilidade capaz de acordar e abrir olhos (e antolhos) para fazer ver no capitalismo a “catástrofe da essência humana”.

Eis o desafio da “filosofia concreta” e da vida autêntica...

Que o tempo tenha cor e cheiro de 1968...que a energia utópica circule sem freios ou drenos. A Teoria Crítica e a Escola de Frankfurt, por uma de suas vozes, ainda tem muito a dizer...

Simplesmente Marcuse...sem ponto final