domingo, 9 de outubro de 2011

O petróleo cada vez menos nosso...


“Toquem o meu coração. Façam a revolução. Que está no ar. Nas ondas do rádio. No submundo repousa o repúdio. E deve despertar” (Rádio Pirata – RPM)

1. Mais uma vez irritante, covarde e entreguista a postura adotada pela grande mídia nacional, o que bem se evidencia na forma parcial e pobre como os jornalões tem explorado (ou não tem examinado sob ângulo mais plural e aberto) a questão do petróleo, pré-sal e royalties.

2. Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e os outros 06 (seis) Estados produtores possuem todo (e natural) direito de reinvidicarem o que entendem merecer, no caso, parcela diferenciada na distribuição dos royalties. Ainda que a exploração de recursos naturais dispostos nos território desses entes federativos mereça uma justa compensação, não resta dúvida de que esta partilha deve ser feita em padrão muito diferente do método atual (apenas 20% para União e 80% para Estado produtor), a não ser que se queira, como muitos, deixar como promessa vazia permanente o fato da nossa República ter estabelecido como seus objetivos fundamentais a construção de uma sociedade justa e solidária, compromissada com o desenvolvimento nacional e com a erradicação da pobreza e marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais.

3. Por mais que os critérios de divisão de royalties constituam tema de indiscutível relevância e proveito interno para definir os rumos do particularmente desigual federalismo brasileiro, não é preciso ser exacerbado nacionalista para perceber que o maior perigo continua vindo de fora e do estrangeiro.

4. O principal problema em relação ao qual a mídia cala e omite (e a cidadania, por consequência, até aqui se cala), diz respeito ao fato de o Governo brasileiro continuar insistindo na realização dos “leilões” das bacias de petróleo, prática que faz a farra e enche o bolso de investidores e conglomerados financeiros não só nacionais, mas sobretudo estrangeiros, (neo) “piratas” não combatidos, característicos pelo “telhado de vidro” e “cara de pau”, predicados que não raro revestem a arquitetura pessoal e moral de muitos membros do Estado e da estrutura de poder no Brasil.

5. Se parte significativa da nossa boa história tem na criação da Petrobrás no Governo de Getúlio Vargas um dos seus marcos mais valiosos, o primeiro grande ato de “assalto” ao petróleo brasileiro começou pelas mãos torpes do Governo Fernando Henrique Cardoso (1994/2002), através da Emenda Constitucional n. 09/95, que, ao alterar o artigo 177 da Constituição, permitindo regime de permissão para “a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio” sobre o petróleo, quebrou a espinha de uma expressão de monopólio estratégica e decisiva para o futuro de nosso país, o que ganha ainda mais expressão de prejuízo a partir das recentes descobertas do campo do pré-sal. Ah, com um Executivo desses para “defender o interesse nacional”, que mais precisamos?

5. O segundo ato, por sua vez, diz respeito à edição da nefasta Lei do Petróleo (9.478/97), monumento à lógica colonial e tosca que governantes brasileiros, em tempos de república e democracia forjada no papel, não raras vezes ilegitimamente proporcionam ao povo. Ponto para o Legislativo brasileiro. Ah, com um Legislativo desses (....).

6. O terceiro ato foi complementado pelo Supremo Tribunal Federal que, com a mesma capa togada que recentemente reconheceu a anistia oficial a torturadores (a pior absolvição já proporcionada pela justiça brasileira), também fez a pior interpretação possível da matéria em sede de controle concentrado de constitucionalidade, com todo o estrago inexorável de quem decide (e erra) por último” no Estado Constitucional. Ponto para o Judiciário brasileiro. Ah, com uma Corte Suprema dessa (...).

7. Não se trata aqui de defender um nacionalismo exacerbado, distorcido e sem motivo, mas simplesmente de entender que o Brasil, como nação soberana que é (ou deveria ser), precisa(ria) ver na exploração dos recursos naturais, quando inevitável e possível, pelo menos um caminho para proporcionar um projeto um pouco mais emancipatório para a sociedade brasileira, tudo o que não acontece.

8. Discute-se sobre como dividir internamente os royalties, mas essa temática é um pequeno ponto "negro" e "escuro" (como o petróleo) dentro de um contexto (e oceano) muito maior, pois a “grande discussão”, que censuravelmente não está sendo feita, diz respeito aos critérios que devem orientar o novo marco legal-regulatório, pois só este poderá limitar nova latitude e longitude para mudar o comportamento até aqui nocivo e brutalmente predatório do Estado brasileiro na gestão de nada menos do que o produto (combustível) mais estratégico no motor economia mundial.

9. Leiloar bacias de petróleo, da forma como tem sido irresponsavelmente feito, implica numa venda da propriedade pelo pior preço e condição possível. Se alienar ou mesmo exportar petróleo pelo Estado já seria um tanto quanto discutível (especialmente quando estadunidenses e europeus adotam política contrária inversa, preocupada, inteligentemente, na preservação de suas preciosas “reservas”), imagine-se o quão destrutivo e nocivo pode ser para o interesse público primário nacional simplesmente permitir que façam, da nossa riqueza mineral, o novo pau-brasil, a nova cana de açúcar, o novo "vale-exploração" em tempos de globalização neoliberal. Que o diga a nossa maldita cultura de eterna colônia que, apesar de não ser "ilha", continua a nos cercar e prender por todos os lados! E olha que nesse mar tudo o que não falta são "tubarões"....

10. A matilha dos lobbystas e o alto comissariado do Ministério de Minas e Energia somente contribuem para piorar este quadro de caos, o que bem se demonstra pela composição da grade horária das “audiências públicas” realizadas no Parlamento, verdadeiro teatro cínico no qual, com privilégio de tempo e espaço, assiste-se o desfile da advocacia de múltiplos interesses divorciados do nosso futuro enquanto país. Veio o alerta “Wikileaks” demonstrando e expondo correspondências entre o Consulado dos EUA no Rio de Janeiro e o Departamento de Estado, evidências simbólicas do interesse e da sede “alien-estrangeira” na exploração desmedida do pré-sal e, mesmo assim, absolutamente nada mudou...

11. O monopólio do petróleo precisa ser retomado. Esse o norte inicial de uma discussão e luta a ser permanentemente travado na defesa do melhor interesse nacional, do nosso interesse público primário.

12. Mesmo frente à manutenção da situação atual, na pior das hipóteses, que pelo menos se considere a necessidade de se estabelecer pesada e onerosa tributação no que houver de petróleo aqui produzido, exportado ou comercializado pela iniciativa privada. Ou alguém desconhece a realidade social brasileira e o quanto esses rendimentos podem constituir em diferencial para alimentar o fundo nacional de combate à pobreza, nossa última e sectagésima sexta emenda constitucional?

13. De outro lado, enquanto o pequeno agricultor acampado ou assentado pena para receber migalhas (quando recebe alguma coisa), é igualmente inaceitável que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) disponibilize linha de crédito e dinheiro cada vez mais fácil e rápido para que grandes grupos investidores venham aqui “invadir, pilhar, tomar o que nosso”, degradando nossos recursos naturais, seja barrando rios, seja fazendo exploração nefasta de nossa riqueza mineral ou qualquer coisa que o valha.

14. É revoltante pensar que nacionais e, sobretudo, estrangeiros, não só possam explorar petróleo em solo brasileiro sem nenhum tipo de álea ou risco como, ainda assim, compensarem os royalties a serem pagos com a sua produção, absurdo dos absurdos que o Senador Pedro Simon tentou bravamente impedir.

15. Que não só a AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), o Senador Pedro Simon e outros poucos abnegados possam discutir esse problema, mas sim o movimento estudantil, os movimentos sociais e, de modo geral, a sociedade brasileira, um tanto quanto desinformada e alienada no tocante a um assunto que pode mudar, um pouco, o prognóstico da nossa situação enquanto país e enquanto nação. Ou alguém duvida que ainda são muitas promessas e compromissos pendentes da nossa Constituição cidadã que (sem alarde) comemorou seu vigésimo terceiro aniversário no último 05 de outubro?

16. Ou a sociedade se mobiliza e o quadro poderá ser mitigado, quando não propriamente revertido ou, no que depender do atual estado das coisas dos poderes de Estado Brasileiro, melhor deixar a porta aberta para o ladrão pirata continuar tirando daqui o que quiser e como bem entender, e isso sem praticamente deixar nada em troca, numa verdadeira "ilegalidade democrática", quando não um maldito bonapartismo tupiniquim, permanente "estado de exceção" (Agamben).

14. Será que o petróleo ainda pode realmente tornar a ser nosso? Que toquem os corações..que se façam as revoluções....


OBS: Créditos e agradecimentos especiais ao apresentador Paulo Passarinho e produção do Programa Faixa Livre (www.faixalivre.org.br), espaços diferenciado na imprensa brasileira que tem contribuído permanentemente para qualificar a discussão sobre esse problema.

domingo, 17 de julho de 2011

O barco surrealista e colorido do direito alternativo: 20 condições de possibilidade (e sentido)

“o discurso critico não pode ter nenhuma pretensão de completude, nem pode pretender falar alternativamente em nome de nenhuma unidade ou harmonia, já que está em processo permanente de elaboração” (Luis Alberto Warat)


  1. Ter na crítica a principal ferramenta para superação e transformação da realidade;
  2. Não se contentar com as limitações do “senso comum teórico” (WARAT) ou qualquer outro tipo de dogmatismo ou fetichismo por mais sedutor que seja o seu “canto da sereia” (ex: positivismo jurídico);
  3. Não se iludir com a visão simplista do direito reduzido ao monopólio nos enunciados do Estado, emprestando valor (e vigor) ao pluralismo jurídico como idéia a ser posta em constante movimento (WOLKMER);
  4. Saber que fazer justiça, mais do que mera lógica ou subsunção asséptica e neutra, passa por escolhas autorais valorativas e corajosas, desde que necessária e constitucionalmente fundamentadas, ainda que isoladas ou minoritárias, não por decisões “anônimas” atribuída aos Tribunais Superiores;
  5. Enxergar o direito pela lente contra-hegemônica, com a compreensão da sua historicidade;
  6. Reconhecer que existem aparelhos ideológicos de dominação (ALTHUSSER) que exercem forte influência (e alienação) sobre a forma de interpretar e aplicar o direito, daí a importância da hermenêutica jurídica e filosófica (STRECK);
  7. Ter consciência de que as relações jurídicas derivam das relações sociais, genealogia que, a despeito do discurso normativo, justifica a permanente busca de aproximação do “dever-ser” para o plano do “ser”;
  8. Refletir sobre o direito não a partir de ingênua linearidade da história, mas com a percepção de que a colonização, o escravismo, a “sacralização “ da propriedade e outra vicissitudes servem de alerta para mostrar a contingência do presente e o uso instrumental (e indevido) que muitos tentam fazer do direito para a perpetuar a dominação;
  9. Defender um direito livre e vivo (EHRLICH), pleno de faticidade e distante da “standardização”;
  10. Perceber que o ensino jurídico permanece em crise aguda e saber que sem que haja a sua radical transformação, com prioridade efetiva para as disciplinas formativas ou propedêuticas, não há melhor horizonte possível;
  11. Saber que o direito, mais do que ser reproduzido acriticamente, assim como o humano, está em permanente construção e fecundação, sujeito ao materialismo histórico da realidade;
  12. Saber que o direito, antes de instrumento de dominação, pode ser poderoso arma de combate (Nietzsche) para “martelar” interferência positiva na realidade social, contanto que cada operador ou jurista saiba reconhecer sua condição de sujeito protagonista;
  13. Desconfiar que um projeto de juridicidade alternativa, mais do que possível, é urgente e efetivamente necessário;
  14. Reconhecer que os “buracos”, as lacunas e as contradições do sistema são ferramentas necessárias para mostrar que o compromisso que se há de ter é com o “fundo” e não com a forma;
  15. Saber que é preferível a insegurança e o desconforto do direito como como espaço da “falta” do que reduzi-lo a uma embalagem recheadas de verdades e certezas;
  16. Reconhecer que o melhor caminho a seguir passa longe das autopistas dos leguleios, exigindo digestão e interpretação emancipatória, por maior que seja o desafio da encruzilhada na falta de sinalização;
  17. Refletir sobre os significados possíveis do significante “direito novo” (ex: justiça restaurativa, mediação, “direito achado na rua” ou qualquer outra idéia de cunho diferente e progressista);
  18. Saber que não há bom direito sem que se faça uma interlocução do seu “achado” com outras experiências de sensibilidade (literatura, arte, música,teatro, etc);
  19. Conhecer os escritos de Pashukanis, La Torre Rangel, Michel Miaille, Roberto Lyra Filho, Amilton Bueno de Carvalho, Antonio Carlos Wolkmer, Edmundo Lima de Arruda Júnior, Alexandre Morais da Rosa, entre outros;
  20. Lembrar com saudade e saber que o barco maravilhoso, carnavalizado e surrealista de Luís Alberto Warat/Casa Warat precisa continuar...

sábado, 18 de junho de 2011

A violência no trânsito



1. O Brasil é o 5o país no mundo com maior incidência estatística de violência no trânsito (denominar ”acidente” pode ser imprecisão terminológica incoerente, com a verdadeira chacina diária que ocorre na circulação de veículos e pessoas pelo território nacional). No sistema-mundo, apenas somos superados por Índia, China, Estados Unidos e Rússia. Para que se tenha uma ideia, segundo dados da OMS – Organização Mundial da Saúde, somente em 2009 houve aproximadamente um milhão e trezentos mil vítimas de morte no trânsito no conjunto de 178 países.

2. Nesse contexto macabro e proporcional à dimensão das vidas e das famílias destroçadas pelo luto, é deplorável saber que estamos canalizando recursos públicos para “elitizarmos” estádios de futebol para Copa e Olimpíada quando muitas são as “faltas”, de política de pública de assistência social, de atenção à infância e juventude, de substanciais melhorias nos serviços públicos de educação e saúde, especialmente quando são praticamente “inexistentes” as ferrovias e outros meios de transportes alternativos, tanto nas estradas quando nas cidades.

3. Embora vivamos a “Década de Ações para Segurança Viária” (2011/2020) para a Organizações das Nações Unidas-ONU, não consta que esta organização internacional esteja definitivamente engajada no caminho da redução do absurdo fluxo de veículo automotor mediante incentivos e adoção de medidas concretas e, sobretudo, coercitivas. Falta à ONU, como aos demais organismos internacionais de modo geral, um olhar um pouco mais atento para a realidade do “sul” do mundo, a compreensão de que os problemas estão além muito além dos aeroportos (locais onde, paradoxalmente, o Judiciário criou os Juizados Especiais).

4. Parece que o transporte terrestre existente continua precisando de asfalto, pneu, óleo e gasolina, insumos cuja comercialização sobretaxada interessa a muitos e, claro, ao deus-mercado, entidade que, em tempo de constante enfraquecimento da ideia de Estado-nação dentro da perversa lógica globalizante e suas múltiplas facetas e dimensões, verdadeiramente dita o ritmo da nossa época.

5. O trânsito mata vorazmente a todo momento, tanto que, de certa forma, a impressão é que já nos acostumamos com isso ao ponto de estarmos relativamente anestesiados e conformados com o “risco”, aceitando, por vezes, passivamente a ideia teológica e não-laica de que “quando chega a hora não adianta”.

6. Quem já se deparou com um acidente de trânsito e viu um carro destroçado com pelo menos um corpo estendido no chão, quem já conversou com pessoas que trabalham fazendo resgate, sem falar naqueles que já tiveram amores de vida ceifados sob rodas, sabe muito bem do que eu estou falando. Já deveríamos estar cansados de aceitar a reprodução teimosa das cifras fúnebres da “guerra” nas estradas. Será que não tivemos tempo e maturidade suficiente para aprender e assimilar o golpe?

5. Já que a liberdade de expressão felizmente nos permite discutir a criminalização das drogas ditas ilícitas (quando deveríamos nos ocupar das lícitas também, as quais, aliás, não raras vezes, constituem ingredientes muito mais preocupantes quando combinadas com um volante), já passou da hora de tomarmos as ruas para reivindicar: Ferrovias já! Precisamos ter um mínimo de alteridade, responsabilidade social, cidadania e engajamento para não aceitar que as pessoas continuem morrendo nas estradas da mesma forma que muitos trabalhadores não há muito tempo morriam no ambiente do trabalho.

6. Penso que a sociedade de modo geral, precisa cobrar do seu maior advogado e fiscal, do Ministério Público brasileiro, maior atuação nas questões relacionadas ao trânsito, o que pode ser feito no âmbito dos 03 (três) níveis federativos. Para isso (e muito mais) existem as Ouvidorias dos Ministérios Públicos brasileiros, ainda que seu funcionamento esteja afastado do ideal, a começar pelo critério restritivo de acesso e escolha não-democrática para os cargos.

7. Existem muitos campos de atuação e possibilidades para o Ministério Público brasileiro no tocante ao trânsito: 7.1) atuação preventiva no âmbito das Promotorias de Saúde Pública (já que o subfinanciamento do SUS sofre com as vítimas do sistema); 7.2) atuação preventiva no âmbito criminal e mobilização para revisão e reformulação do marco legislativo (inclusive para incrementar a punição administrativa); 7.3) atuação sob a ótica da Promotoria das Cidades, cobrando gestão e política pública adequada para o tema.

8. Por mais que na raiz da maioria dos acidentes sempre exista uma boa dose de conduta humana indevida, antes de fazer o julgamento daqueles que pagam com a vida por um ato culposo, precisamos, mais do que nunca, de uma nova política pública para o trânsito, incluindo, quem sabe, uma publicidade mais agressiva inibidora de novas infrações, medida que poderá surtir efeito se ainda acreditarmos que nos resta um mínimo de sensibilidade para pensar e refletir que, mesmo na “correria” da pós-modernidade, querer ganhar alguns segundos pode significar a perda de muito tempo, de todo o tempo que a nossa condição humana poderia virtuosamente desfrutar.

9. A psicologia do trânsito, da mesma forma que outras abordagens interdisciplinares, poderiam explicar muito do comportamento “suicida” para os tempos acelerados e vazios da pós-modernidade, mas neste tipo de ação e iniciativa ainda investimos pouco, quase nada. Os “refúgios” e “praças” de pedágio, quando muito, tem banheiro precário, café e água, constituindo espaços muito longe, portanto, de possuírem a estrutura mínima adequada e compatível com o interesse público.

10. Para completar este triste quadro, a terceirização do serviço de exame para obtenção da carteira de habilitação, de inegável interesse público, contribui para agravar ainda mais esta situação. Com facilidade similar à decisão política recente que entregou alguns aeroportos estratégicos para exploração desmedida da iniciativa privada, a possibilidade da licença ser obtida por intermédio de empresas terceirizadas que atuam distantes de um plano adequado de fiscalização, ao invés de melhorar o serviço, serviu não só para onerá-lo ainda mais, como também para aumentar o campo para a fraude, para a atuação de organização criminosas, situação que não raras vezes faz com que o exame para obtenção de uma licença para dirigir seja um ato de corrupção.

11. Se é bem verdade que os carros nacionais melhoraram, graças ao ex-Presidente “collorido” de Alagoas (hoje Senador), segundo o qual tínhamos “carroças” (que ironia), a verdade é que enquanto ABS e AIRBAG não forem itens obrigatórios e, se preciso, subsidiados com incentivo do Governo, inclusive com renúncia fiscal, pouca coisa mudará, pois, para um país que faz da rodovia sua principal via de transporte, padrão máximo de segurança nos veículos seria fundamental. Concessão predatória e seus pedágios, definitivamente não são a solução, até mesmo porque neles as áreas de duplicação estão longe de constituírem a regra.

12. Da mesma forma, enquanto não houver um controle mais efetivo das Polícia Rodoviárias, do Ministério Público e da Justiça do Trabalho para condições dignas e justas de jornada máxima para profissionais do transporte coletivo e de carga, pior será a situação, especialmente num espaço em que quem vive da “estrada” dela precisa encontrar meios de sobreviver.

12. De outro lado, é preciso maior cultura de fiscalização no melhor dos sentidos, não prática mercadológica arrecadatória, não raras vezes em contexto de corrupção, como acompanhamos frequentemente.

13. Ademais, ainda que o marco penal possa e deva ser melhorado (inclusive com criação de setor adequado para perícia criminalística), é no direito administrativo sancionador que os crimes de trânsito deveriam encontrar a melhor solução, incluindo efetividade e rapidez ao devido processo legal para aplicação da pena de suspensão de carteira de habilitação por períodos significativos para pessoas envolvidas em delitos culposos (para os dolosos o resultado poderia consistir na perda do direito ou algo quase que equivalente a isso).

14. Em tempo, dentro da ideia de que mesmo o pior dos quadros precisa ter um horizonte de transformação, fundamental retransmitir aviso de utilidade pública: o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito), dentro da ideia do “Pacto Nacional pela Redução de Acidentes de Trânsito – um pacto pela vida”, no propósito da construção de um plano nacional, aceita até 30 de junho sugestões para a redução de mortes no trânsito. Sendo o leitor motorista ou não, esqueça o “dar de ombros”, leve seu “recorte crítico” para lá e participe: www.denatran. gov.br – planodecadadotransito@cidades.gov.br.

sábado, 21 de maio de 2011

Repensando a crise do direito a partir da problemática althusseriana da ideologia


1. O direito há de se achar na sociedade, passando por aí a necessidade de o “jurídico” encontrar o “social” não com a aspereza de quem se bate de frente com um vizinho estranho num esporádico e indesejado momento, mas como uma espécie de síndico que está ali, periodicamente, para, goste-se ou não, cobrar, em nome da coletividade, a cota de solidariedade condominial com o projeto constitucional desenhado pela Carta da República de 1988.

2. Ainda que o direito deva ser cada vez mais contaminado para realidade, fundamental que não se tenha a ingenuidade de imaginar que este processo se dá de modo puro e direto, como uma simplista apropriação de conteúdo. Ao contrário, esta complexa relação está mediada por instituições que, não raras vezes, veiculam e promovem a influência de suas falsas, dominantes e hegemônicas posições a partir de determinada instância ideológica.

3. A preocupação com a temática da ideologia (“Ensaios sobre os aparelhos ideológicos do Estado”), um dos temas centrais no pensamento de LOUIS ALTHUSSER (1918-1990), pode trazer bons caminhos e resultados na discussão crítico-reflexiva alusiva à crise da “superestrutura” do direito na atualidade.

4. Assim, tomando por base a matriz de pensamento marxista de leitura heterodoxa e marginal althusseriana, dada a notória incapacidade de o direito cumprir com muitos dos seus papéis, especialmente para aqueles que mais precisam dele (presos, sujeitos abaixos da linha mínima existencial de cidadania, etc), é de se problematizar, hoje, qual o aparelho ideológico que mais influência exerce sobre o fenômeno da ciência jurídica, especialmente na sua interpretação e aplicação, momento crucial para verificar como se dá o encontro da vigência e efetividade entre direito e sociedade.

5. Ainda que a história do direito e a Itália de modo especial (ex: Vaticano) mostrem a sobrevivência de parcela do direito atrelada a uma concepção religiosa de mundo, tratando-se de Estados formalmente laicos, como o brasileiro, apesar de ainda existirem temas-tabu (ex: aborto) à espera de enfrentamento competente, sem dúvida que paulatinamente está sendo substancialmente reduzida a influência da dogmática religiosa na reprodução do direito. A título ilustrativo, importante lembrar que decisão recente (e justa) do STF reconheceu a possibilidade de união estável homoafetiva, mostrando que, pelo menos no tocante ao exame desta específica relação existencial, o princípio do afeto e o sentido da família e do companheirismo como cumprimento de uma função vão muito além dos limites literais da lei, que, obviamente, está muito longe de alcançar toda a realidade.

6. De outro lado, é de se indagar se não foi a estrutura do “aparato ideológico” econômico (lobbies) que mais exerceu influência na ADI 3273, tendo como temática a discussão da monopólio-exploração do petróleo (assunto que continuamos tratando com a lógica de colônia, por mais que a indústria naval tenha sido retomada e, pelo menos em relação ao pré-sal, tenhamos, agora, um marco regulatório um pouco menos predatório). O que dizer então da incapacidade de o direito (leia-se especialmente Poder Judiciário, de modo geral) dar um atendimento adequado à tutela difusa do meio ambiente? Alguma dúvida de que aqui a “análise econômica do direito” aqui mostra suas unhas? (ou seriam garras?)

7. Em se tratando do direito penal, então, não parece existir dúvida de que o aparato ideológico dos meios de comunicação de massa ainda dita e mistura a desejável interpretação técnica jurídico-penal com argumentos de terror em prol de maior segurança pública, não raras vezes fazendo preponderar o segundo aspecto, especialmente pela lamentável confusão que se faz entre o papel de defender a Constituição e o de se achar, ilusória e equivocadamente (ainda que com maior carga de felicidade) que política pública de Estado de segurança pode ser resolvida a partir de escolhas e decisões pautadas no movimento ideológico da “lei e ordem” dentro de cada específico processo, o que não deixa de ser o tremendo de um engano;

8. Assim, pensar nos obstáculos que impedem a efetivação de novas “gramáticas de direitos” propicia reflexão sobre a difícil tarefa de identificar quais são as instâncias e os aparatos ideológicos que maior influência e produção exercem sobre a aplicação interpretação do direito na atualidade.

9. Longe de se encontrar solução para um problema essencialmente complexo, talvez a maior carga de culpa para explicação do aparente insucesso do direito em cumprir com a sua função de viabilizar a transformação da realidade social exigida pelo Estado Democrático de Direito esteja no viciado e mofado aparelho ideológico de ensino jurídico, incapaz de permitir produção de saber crítico na mesma e direta proporção que é muito eficiente para “reproduzir” o modo de produção do senso comum teórico, desde há muito denunciado pelo saudoso Mestre WARAT.

10. Mais do que buscar na psicanálise e no inconsciente, duas temáticas particularmente especiais na lógica althusseriana, há de se pensar, de modo permanente, quais são as novas formas emancipatórias de produção de ensino jurídico a partir de novos valores, notadamente da contribuição empírica, pois somente assim estar-se-á superando uma das barreiras impeditivas à construção permanente e dialógica de um saber realmente transformador capaz de estabelecer “ponte” permanente entre direito e sociedade.

11. Mais do que a biografia polêmica de ALTHUSSER, na qual ocupa destaque o misterioso episódio da morte (homicídio?) de sua esposa Helene, também há que se discutir o “caso clínico” das ciências jurídicas e sociais na atualidade, a vida e morte das “fontes tradicionais” da doutrina e da jurisprudência como seus dois maridos (e a lição aqui também é de WARAT). O direito, mais do que julgado no banco dos réus (e que bom se aqui o Tribunal fosse um pouco mais popular), precisa ser tratado sob foco hipercrítico, pois somente assim poderá romper com o surto psicótico-alienante da limitada matriz do positivismo jurídico. Alguns já se deram conta, porém ainda são poucos, muito poucos, quase na mesma proporção dos que acessam o pensamento labiríntico de ALTHUSSER.

12. A discussão das possibilidades, impasses, tragédias, desafios e limites do direito (da pesquisa em direito, do ensino em direito, da interpretação em direito), do seus dramas e destino como objeto que esta aí para cuidar de regular as relações entre sujeitos, passa pelo dia de hoje, aqui e agora, pois, como bem refletiu ALTHUSSER numa de suas obras, sim, “o futuro dura muito tempo”.

13. Ou se batalha pelo direito livre e vivo capaz de veicular uma “nova cientificidade” (não necessariamente aquela buscada por ALTHUSSER na obra de MARX) ou, daqui a pouco tempo, quando a lucidez cobrar seu preço, todos aqueles que de alguma maneira estão vinculados ao pensamento jurídico terão, como ALTHUSSER, de arcar com a angústia e o remorso do, “como é possível”, “como é possível que”, “como é possível que eu”, “como é possível que eu tenha....”.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O "limite" do cinema nacional




1. Uma pena que a “indústria cultural” e a lógica de mercado não permitam que a dita “sétima arte”, o cinema, cumpra com o seu papel de instrumento e ferramenta de conscientização e transformação da dura realidade social brasileira.

2. Longe de termos um cinema autoral, voltado à solidificação da cultura e da identidade tupiniquim mediante discussão de nossos mais graves problemas, a nossa agência de fomento - Ancine, contenta-se com a ridícula cota de exibição de 14 filmes por ano ou 28 dias voltados ao cinema nacional;

3. Os cinemas saíram das ruas, das escolas, das comunidades, do alcance dos movimentos sociais, para a “primavera perpétua” (BAUDRILLARD) dos templos do consumo, os shopping-centers. As películas viraram simples objeto de consumo aos quais desimporta o valor cultural agregado;

4. Mudar esta realidade é o perfil e o desafio posto a cada ser-aí (Heidegger) que não perdeu a esperança de cativar pela educação e chamamento popular à responsabilidade de transformarmos a política pública cultural brasileira;

5. Por outro lado, enquanto a grande preocupação cultural for com a “pirataria” (e a discussão da nova LDA – Lei de Direitos Autorais está aí), pouco há de mudar; some-se a isso o fato de que o investimento orçamentário dos Municípios, Estados e da União é pífio no fomento e na produção de verdadeira cultura e se verá quão tortuoso é o caminho a percorrer, pois muitas são as barreiras e os "limites";

6. Num país arruinado pela catastrófica política do agronegócio, difícil imaginar que não haja espaço para filmes que explorem o desastroso binômio transgênico-agrotóxico; ao contrário, quer-se flexibilizar ainda mais o código florestal para permitir que a Amazônia e o Cerrado sejam ainda mais devastados;

7. Para a realidade brasileira tão carente da efetivação do princípio constitucional da democracia participative, inaceitável que não haja incentivo cultural para produção de cinema-documentário sobre o papel e a funcionalidade dos conselhos sociais gestores e controladores de políticas públicas ;

8. Muito do que aqui se diz e a percepção clara de que “o cinema brasileiro não tem espaço de exibição”, já consta na denúncia de Sílvio Tendler;

9. É hora de não só resgatar o que há de melhor no cinema brasileiro, colocando o rico material do passado à disposição da população para construção de novos roteiros de futuro. É preciso fomentar um cinema propriamente nacional que não se contenha em fazer uma cópia mal acabada do cinema norte-americano pautado pela lógica de mercado; não adianta garantir liberdade de expressão se tudo aquilo que se produz fora da lógica de mercado não tem espaço para divulgação! E não se espere que as "telenovelas" resolvam o problema, muito longe disso, já que os meios de comunicação social, sabemos, tem suas pautas mais do que "oportunistas", com raras e pontuais exceções;

10. Se o fomento e o financiamento do cinema nacional não mudar os parâmetros axiológicos e os critérios que definem o que interessa e o que não interessa, definitivamente não saíremos do lugar; ou será que é possível desconfiar da possibilidade de reflexão e transformação contida num “Pixote” (Hector Babenco) ou mesmo do contemporâneo “Justiça/Juízo” (Maria Augusta Ramos)? Por mais que o público pareça gostar de “chanchadas” passadas (que até pouco tempo atrás rodavam em rede nacional pela TV bandeirantes), da dupla 1 e 2 do“Tropa de Elite”, “Bruna Surfistinha” ou “VIP’s”, é de se perguntar se entre boas produções como “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles)será que não pode haver nada de novo para lembrar os "bons tempos" da Embrafilme (1969/1990)? Entre o documentário e ficção, será que não dá para combinar as narrativas para algo voltado à discussão crítica e emancipatória dos problemas nacionais? A prevalecer a lógica atual, fomos do cinema mudo ao falado com muita tecnologia e sem grande distinção de conteúdo, o que é preciso repensar. Afinal, "sem linguagem nova, não há realidade nova" (Glauber Rocha).

11. Para o cinema de “bilheteria” não faltarão financiadores privados, o espaço deste tipo de produto já está garantido pela “mão” nada invisível do mercado; já para os filmes voltados a questões de interesse e de conscientização social, ou se tem uma eficiente politica pública preocupada com o incentivo à cultura pela qualidade e natureza do que se produz ou, então, ótimas iniciativas continuarão naufragando na lógica de mercado, que não permite produção de cultura com qualidade;

12. O desafio está difuso em cada um de nós e, sobretudo, concentrado na responsabilidade das pessoas (Ana de Hollanda, Ministra da Cultura) e instituições (Conselho Nacional de Políticas Culturais) que podem operar e determinar novos rumos para a política pública nacional sobre cinema, arte a espera de novo cimento e tijolos para permitir a construção de algo verdadeiramente "novo", que nos faça lembrar, um pouco, de Glauber Rocha, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Eduardo Coutinho ou Leon Hirszman. Até lá, que venha o eurocentrismo de Cannes (11 a 22 de maio), sem Deus e o Diabo na terra do Sol, Ganga zumba, Vidas secas, O cangaceiro, O pagador de promessas ou Terra em transe.

14. Na realidade atual, é possível se valer da metáfora de Mário Peixoto para deixar muito claro que, na realidade cinematográfica nacional, no universo do capital, é o mercado que "abraça" e, ao mesmo tempo, com isso, coloca a "algema"; é hora de sairmos desses limites.

domingo, 27 de março de 2011

A decisão do Supremo no caso da Lei do Ficha Limpa e o vitalismo jurídico de EUGEN EHRLICH: reflexões.



"querer aprisionar o direito de uma época ou de um povo nos parágrafos de um código corresponde mais ou menos ao mesmo que querer represar um grande rio num açude: o que entra não é mais correnteza viva, mas água morta e muita coisa simplesmente não entra"(EHRLICH)

  1. O quê é o “processo eleitoral” e quando ele propriamente começa? A sua concepção deve ser formal ou material? E qual a relação entre a regra da anterioridade/anualidade e o seu começo? Entre preservar direito fundamental político passivo e a o próprio sentido da democracia, o que vale mais? Basta que haja mudança nas regras do jogo antes das convenções e registros de candidatura para que não se tenha por violado o preceito? Ou será necessário respeitar, sempre, um ano antes do processo político em si para evitar mudanças e alterações legais de afogadilho, as quais nem sempre podem estar com bons propósitos? Estamos em caso de definição de critérios de elegibilidade/inelegibilidade e qual a repercussão disso? Essas alguns dos questionamentos e reflexões que podem ser feitos a partir do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 633703 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana, expediente no qual, por diferença de um voto, num apertadíssimo 6x5, com voto de desempate do recém empossado Ministro Fux, determinou-se a não aplicação da Lei do Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010 - de 04 de junho de 2010) às Eleições Federais de 2010.
  2. Por mais que a questão jurídica possa ser mesmo controversa à luz da dicção do artigo 16 da Constituição da República (a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência), fato é que “o direito vivo” do mencionado Diploma, para além da mera prescrição jurídica, ao mesmo tempo que mostra sintonia com o clamor social, por outro lado desafia o fato de que deveria caber à própria resposta popular a exclusão do processo eleitoral de pessoas sem mínimas condições de probidade ou com histórico de condenações. A lição aqui, particularmente, aprendi com Alexandre Morais da Rosa.
  3. O “direito vivo” no caso da denominada Lei do Ficha Limpa, visto para além das prescrições, contempla norma jurídica indicativa de que as relações sociais precisam fazer parte do fenômeno de compreensão do direito (EUGEN EHRLICH), fato este que, lamentavelmente, pode dar razão ao Supremo Tribunal Federal, por mais paradoxal que isso pareça numa primeira e superficial análise.
  4. Trata-se de caso complexo a ensejar a reflexão de todos, dado que vai muito longe da crítica midiática de senso comum pautando a decisão do colegiado como absurdo, qualquer que fosse a posição adotada (aliás é de se perguntar qual o espaço do absurdo no direito e no seu critério de interpretação sempre pelo novelo da linguagem). O STF é passivel de muitas críticas, sim, por muitos aspectos, como qualquer instituição, mas não propriamente no nível que vem recebendo nesse caso concreto, até mesmo porque as pessoas precisam entender que direito sempre precisa equilibrar lógica e retórica com controle a partir da fundamentação, o que nem sempre acontece de maneira adequada, o que representa a mais pura verdade.
  5. Por incrível que pareça, o “vitalismo jurídico” de se ir além da dicção legal, no caso concreto, mais atrapalha do que ajuda, simplesmente porque, independentemente da discussão jurídica, o que existe, mais uma vez, é uma macroestrutura e uma atmosfera social imprópria que infelizmente ainda permite que as pessoas se elejam candidatos a cargos eletivos sem as menores condições curriculares, não fosse assim não teríamos Maluf, Collor e outros tantos parlamentares investidos em mandato. Aí reside a raiz do problema.
  6. A mesma vida que produz o fato histórico do povo se mobilizar para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular, tal como ocorreu com a Lei Complementar 135/2010, é a que permite que pessoas sem condições sejam eleitas democraticamente pela soberania popular, sobre o que devemos pensar, afinal ela também está na Constituição, por mais sedutor que seja o “atalho” no caminho.
  7. O Supremo não reconheceu a inconstitucionalidade da Lei em questão, apenas afirmou impossibilidade do Diploma se aplicar às Eleições de 2010. Saber o quanto a mudança propiciada pela Lei Complementar n. 135/2010 em ano de eleição impactou o ambiente das “regras do jogo” do processo eleitoral pode ser interpretação-chave para a questão.
  8. Se a história do direito mostra que a Lei do Ficha Limpa e sua edição decorreu de uma efetiva e louvável mobilização da sociedade brasileira, por óbvio que a escrita da legislação em princípio foi, de fato, emanada no meio de um processo fático em curso, que, verdade seja dita, começa, materialmente, muito antes das convenções...
  9. O problema está na forma de se justificar as coisas, enfim, na linguagem da fundamentação. A frase do Ministro Fux “por melhor que seja o direito, ele não deve se sobrepor à Constituição” ,de outro lado, é de uma falta de técnica terrível, primeiro porque a Constiituição é a ordem de todos os direitos, segundo porque o direito não está apenas na “prescrição jurídica”, mas também na norma social.
  10. Até que ponto o direito (e o ensino jurídico) está empobrecidamente voltado mais para o agir dos Tribunais do que para o agir humano, até que ponto a predominância excessiva da jurisprudência como fonte do direito está aniquilando e enfraquecendo o universo do jurídico na sua realidade com o social, essas são questões provocadas pelo pensamento de um dos principais mentores da sociologia do direito (EUGEN EHRLICH que merecem reflexão;
  11. A despeito disso tudo, a respeito da não aplicação da Lei do Ficha Limpa para as Eleições de 2010, a impressão é que a interpretação sobre restrição de direitos fundamentais devia mesmo ser restritiva, tal como acabou ocorrendo. Motivos existem nesse sentido. Pode-se divergir, é verdade, mas na essência a questão é altamente controversa, prova disso foi o encaminhamento da votação.
  12. Para além do resultado proclamado, creio que o caso propicia reflexão. Quem sabe o segredo não está em se buscar um processo pedagógico para formação e educação política do povo brasileiro, a partir do qual possa apostar mais na coação social para impedir “eleição” de fichas sujas do que propriamente confiar na coação jurídica da Justiça eleitoral excluir candidatos. A solução do problema pode estar nas outras origens do direito, inclusive fora do Estado. A lição pode estar com EUGEN EHRLICH, ainda que dele o STF nada tenha comentado.

domingo, 6 de março de 2011

Ainda, a “crise do capitalismo”: já temos uma nova direção?



“Ci sono momenti, nella vita, che, como segnali di confine, concludono un periodo ormai trascorso, ma al tempo stesso indicano con certezza una nuova direzione”. (MARX)


1. Partindo do princípio de que toda periodização é necessária para organizar o pensamento, a crise do capitalismo e o resgate de ideias keynesianas precisa ser continuamente discutida e atualizada no nosso cada vez mais perverso sistema-mundo. Hora de problematizar algumas questões e de discutir até que ponto se conseguiu avançar e qualificar o debate sobre o tema.


2. Para começo de conversa, poder-se-ia indagar o que efetivamente mudou no mundo nos mais de dois anos passados desde o começo daquela que foi definida como a “pior crise do capitalismo mundial” desde a quebra da bolsa de 1929?


3. Pergunta-se: qual o balanço e o reflexo das medidas de política econômica adotadas pelos dois maiores grupos que fazem girar a economia mundial, verdadeiro G2 composto por “estadunidenses” de um lado e por “europeus” de outro? Quais os consensos e os dissensos das potências separadas pelo Oceano Atlântico? No embate da força do “velho mundo” com os “yankees” quem é que cedeu espaço e quem é que aproveitou do momento para se fortalecer? Ou será que o único benefício vem da periferia?


4. Já existe compreensão de que o modelo vigente desde a pós-guerra (1945) chegou no seu limite? Será que já não existem evidências suficientes de que de nada adianta aumentar a “produção” se não houver preocupação e reflexão quanto a forma de “distribuição” da riqueza? Valor material sem reflexo social não representa absolutamente nada.


5. A propósito, a respeito do papel a ser desempenhado pelo Estado em relação à economia, quais são enfim as teses e as opções disponíveis para jogo?


6. Estamos prontos para simplesmente resgatar a ideia passada do Estado do bem-estar social (Welfare State) ou, ao contrário, a ideia vigente é mais ou menos aquela de que podemos mudar sem cambiarmos absolutamente nada?


7. Houve efetiva conscientização global de que um outro modelo é efetivamente necessário ou já está assentada a ideia simplificadora (e um tanto quanto ignorante) de que o “período de turbulência” passou, já estando tudo de volta ao seu (in) devido lugar?


8. Será que o mundo econômico já despertou para a compreensão de que a sobrevivência do sistema capitalista pode estar na aguda dependência de uma mudança radical das premissas até aqui vigentes? Qual será o motivo para a “cegueira” global incapaz de enxergar que uma das “chaves” para alcançar novo “ponto de mutação (KAPRA) pode estar justamente na re-configuração das relações sociais de trabalho, incluindo política pública específica para atenuar o risco inevitável do desemprego estrutural?


10. Quanto à maldita ciranda financeira do capital especulativo, será que já não se acumulou experiência e sabedoria suficiente para perceber que a virtualização e a volatilidade dos mercados derivada da moeda sem lastro, do paradoxal “enriquecimento sem lucro”, precisa sofrer os influxos de um novo direcionamento? Cadê a esperada regulamentação?


11. Ou mudamos a ideologia (ALTHUSSER) para atravessar o presente com sabedoria adquirida por erros que já custaram caro no passado ou será cada vez mais utópico pensar num futuro capaz de abrigar um “humanismo real” e transcendente, que cada vez mais parece depender de um novo projeto e modelo de sociedade.