domingo, 7 de março de 2010

A Alemanha, o nazismo e o que restou de Auschwitz: em jogo a capacidade da humanidade enfrentar e aprender com o passado


“(...) enfrentar psicologicamente o que aconteceu não é fácil para muitos alemães. Gerações chegam e passam. Têm de se debater repetidamente com o fato de que a imagem que os alemães possuem de si mesmo está manchada pela lembrança dos excessos perpetrados pelos nazistas, e que outros, e talvez até suas próprias consciências, os culpem e condenem pelo que Hitler e seus seguidores fizeram (...) É uma questão em aberto se, e em que medida, os alemães digeriram seu próprio passado e, em particular, as experiências da era Hitler. (...) o passado de um povo também aponta para diante: o seu conhecimento pode ser de uso direto para construir um futuro comum” Norbert Elias


  1. Grande questão histórica reside em saber se as barbáries e atrocidades do movimento nacional-socialista (nazismo) teriam o mesmo impacto tivessem ocorrido em outro palco que não a Grande Alemanha, terra do Império medieval Romano Germânico e sua duração de séculos, origem da mortífera Guerra dos Trinta Anos (1618/1648) que se alastrou pela Europa, do Segundo Império (Kaiserreich) que foi de 1871-1919, da história de um povo marcado por conflitos, rupturas e descontinuidades, que para muitos sempre teve na sua raiz a busca de hegemonia, hierarquia, supremacia....
  2. A “culpa” e o estigma de alemães terem preconizado a maldição do nazismo ainda haverá de povoar as mentes até hoje abaladas e impressionadas por tanta desumanidade e incivilidade concentrada, sempre desafiando explicação, questionamento e perplexidade. Basta percorrer a literatura e o cinema para que se perceba o quão fértil é o solo do nazismo para reflexões contemporâneas, certo de que o passado deixa “marcas” que precisam ser cicatrizadas para construção de um novo futuro.
  3. Seria o genocídio nazista algo que poderia ter ocorrido em qualquer território ou uma “excepcionalidade” e “particularidade” que somente chegou onde chegou por ter ocorrido no peculiar e complexo processo de formação do Estado Alemão? Difícil encontrar onde está a “verdade” deste “objeto”...(que o diga o brilhante Karl Jaspers, filósofo criador do existencialismo e perseguido pelo regime totalitário de Adolf Hitler)...
  4. Unificada tardiamente em 1871, com destaque para a figura de Otto Von Bismarck e a vitória sobre a França, vencida na Primeira Grande Guerra (1914-1918) com devastadoras conseqüências de dívidas, perda de território e prejuízo marcante na auto-estima, incontestável que Adolf Hitler foi astuto o suficiente para explorar a “derrota” e a crise mundial vigente no período para sustentar que o Tratado de Versalhes (1919) e o que decorreu da próspera República de Weimar (1919-1933) teriam conduzido o povo alemão à fraqueza e à humilhação...Foi assim que o subestimado Hitler construiu a ideia de que o retorno a mais um Império era necessário, inclusive para retomada do “orgulho nacional”...e logo de início veio a invasão da Polônia, o implemento do Estado de Exceção, dentre outras medidas autoritárias negligenciadas num primeiro momento aos olhos das outras grandes nações...(falta de alteridade pela qual a humanidade pagou elevado preço).
  5. Foi na Alemanha que o pretexto estúpido e absurdo de se combater comunistas (que supostamente teriam incendiado o “Reichstag” - sede do parlamento alemão) deu origem ao “terror” de um regime totalitário construído sob medo e marcado por substancial apelo popular da classe média na suposta perspectiva da valorização desse “orgulho nacional” (qualquer semelhança com a ditadura brasileira pode não ser mera coincidência).
  6. Ainda que as razões de perseguição aos judeus remontem a um anti-semitismo vivenciado pela própria história do cristianismo, tamanha era a manipulação e propaganda (Goebbels), tal era a dimensão e o contexto de um nacionalismo historicamente identitário e exacerbado no seio de um povo reconhecidamente marcado por ter psicologia guerreira e bélica, que realmente é difícil saber qual seria o nosso real comportamento se fossemos alemães nos idos do nacional-socialismo praticado entre 1939-1945, entre a ascensão e a queda do Reich...Tudo não passa do desafio da perspectiva, da paralaxe, do desafio que é se colocar na condição do “outro” e de suas circunstâncias.
  7. Como explicar que tanta crueldade foi praticada no âmbito de uma sociedade historicamente desenvolvida e intelectualizada na perspectiva “civilizatória”, berço de expoentes e expressões da intelectualidade mundial? (Lutero, Goethe, Schiller, Weber, Brecht, Wagner, Marx, Beethoven, Kant, Marx, Nietzsche, Heidegger...)
  8. Difícil de entender, da mesma forma, como Hitler pode ter tanto espaço, especialmente quando já havia confessado seu anti-semitismo e seus propósitos quando da publicação da sua obra “minha luta” (Mein Kampf), publicado entre 1925/1926?
  9. No contexto da polêmica, conferir a opinião abalizada do sociólogo Norbert Elias (1897-1990) pode ser um bom começo para melhor compreensão do tema, da herança e do “passado” alemão...Segundo ele, no habitus alemão, “os modelos militares de comando e obediência prevaleceram em vários níveis sobre os modelos urbanos de negociação e persuasão”. Por mais que aí possa residir boa dose da disciplina elogiada dos alemães, que construíram, apesar de tudo, uma nação rica e altamente desenvolvida, a “natureza descontínua do desenvolvimento alemão” é uma realidade que não deixa de ser uma entre tantas causas enraizadas aos acontecimentos.
  10. Pior do que isso, só mesmo a impressão que o “campo de concentração” apenas mudou de nome, lugar, de vítima...o mesmo “mal” lá reproduzido hoje continua sendo praticado, ainda que não tão explícito, de modo mais desconcentrado e disperso, num sistema-mundo ainda rematadamente injusto e cruel, permeado de “micro-guerras” e de conflitos;
  11. Ocorreu o julgamento de Nuremberg, foi-se o muro de Berlim (1989 - e com ele a última divisão que a Alemanha experimentou entre República Ocidental e Oriental), mas a verdade é que o nazismo continua eternizado nas consciências e nas páginas da história, sempre à espera de um novo olhar, de uma nova visita, de uma nova compreensão, especialmente para que a atmosfera nele reinante “nunca mais “se repita...
  12. Como bem ensina Agamben, não foi pouco o legado que restou de Auschwitz e, nesse sentido, talvez a mesma passividade condenada no passado hoje ainda ocorra e se reproduza, apenas sob diferente roupagem...
  13. Que a Alemanha parece ter aprendido o “recado” de lidar com o seu passado para construir um novo e melhor futuro, parece não haver dúvida. Todavia, o mesmo não pode ser dito de outras nações que enfrentaram ou enfrentam questões traumáticas...Em duas palavras: que dizer da impunidade da ditadura militar no Brasil e a angustiante situação atual da causa Palestina?
  14. Ao contrário do que fez a Alemanha, difícil compreender que estejamos realmente preparados para o porvir, especialmente quando os pelo menos vinte e um anos de Ditadura Militar (1964/1985) ainda não foram depurados, continuando como “ferida” nacional aberta impune e latente....(e para mostrar o quanto estamos atrasados para enfrentar este fantasma, basta olhar para a polêmica criada e fomentada pela grande mídia em torno do “Plano Nacional de Direitos Humanos).
  15. De outro lado, a marginalidade da causa Palestina, a compreensão do muçulmano como “terrorista”, a intolerância com a diferença e a necessidade de entendimento sobre divisão de território, são apenas algumas questões marcantes (e preocupantes) no contexto da geopolítica mundial,quase toda ela totalmente favorável ao que está sendo feito por Israel, verdadeiro processo de inversão histórica em que as vítimas de ontem estão assumindo a posição dos algozes de hoje, tudo isso ocorrendo com a omissão e a inércia da ONU
  16. Never more... Será mesmo? Muitos exemplos atuais dão conta de que a humanidade parece não ter aprendido com as agruras do nazismo, o que por vezes impede a construção de um futuro melhor e comum....Tempo de repensar e aprender com os alemães. Hora de buscar lição no passado para enfrentar o presente e construir um futuro melhor. Afinal, como ensina Eduardo Galeno: "Se o passado não tem nada para dizer ao presente, a história pode permanecer adormecida, sem incomodar, no guarda-roupas onde o sistema guarda seus velhos disfarces. (...) As tragédias se repetem como farsas, anunciava a célebre profecia. Mas entre nós, é pior: as tragédias se repetem como tragédias".


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O (des) encontro do Direito com o " imaginário" (e a Justiça)




“As tecnologias do imaginário são dispositivos de cristalização de um patrimônio afetivo, imagético, simbólico, individual ou grupal, mobilizador desses indivíduos ou grupos. São magmas estimuladores das ações e produtores de sentido. Dão significado e impulso, a partir do não-racional, a práticas que se apresentam também racionalmente. Tornam real o sonhado. Sonham o real.” (Juremir Machado da Silva – “As tecnologias do imaginário”).

1. Imaginar é projetar, pensar, refletir, enfim, buscar a (des) construção de um sentido.
2. Imaginar é dispor de capacidade mais alargada para encontrar soluções inteligentes para algum problema, para administrar o sentido de alguma coisa que não está muito evidente (...) a imaginação se apresenta como capacidade para elaborar mentalmente alguma coisa possível, algo que não existiu, mas que poderia ter existido, ou que não existe, mas que poderá vir a existir" (Marilena Chauí)
3. O “imaginário” é, definitivamente, a territorialidade maior da cultura, expressão e medida da história e do horizonte de futuro de cada povo, de cada “ser-aí-no-mundo” (Heidegger).

4. É no imaginário que reside a criatividade, a potência transformadora das coisas, as inscrições da ordem do simbólico, a taxonomia dos valores e a essência das intenções e dos desejos próprios da subjetividade de cada existência.

5. A transformação do mundo e a obtenção de maior enlace, a busca de maior solidariedade tribal (Maffesoli) também passa pela forma e pelo conteúdo de estruturação de um renovado imaginário coletivo, que precisa ser constituído de verdadeiro mosaico da diversidade, da aceitação da tolerância, da diferença, da pluralidade...

6. Num sistema-mundo que exige cada vez mais capacidade de reação (e indignação) frente ao que nos é dado como conseqüência inexorável dos novos tempos, talvez o único espaço para sonhar com uma verdadeira e radical transformação da realidade resida justamente no “imaginário”, fonte capaz de inspirar um novo projeto de sociedade no qual o “viver junto” seja menos traumático e sobretudo menos conflituoso;

7. Daí a importância do encontro do Direito na visão em paralaxe (Zizek) do seu “imaginário”;

8. Um sistema de normas voltado a estruturação da convivência precisa pensar não apenas na coação como instrumento de ordenação social, não apenas num conjunto de prescrições e proibições determinantes de direitos e garantias, mas especialmente na edificação de um "imaginário" compatível com o que se espera obter a partir do valor Justiça.

9. Antes mesmo de “crenças” falsas, da ideia ilusória de que a estruturação do Direito possa ser assepticamente neutra e não propriamente valorativa, a capacidade de realização da Justiça como ideal buscado por cada sistema jurídico depende da forma como se dá a relação do Direito com o imaginário. Não basta ter memória, perceber, simplesmente reproduzir, é preciso criar, inovar, buscar interferir na busca de um outro futuro.

10. Direito sem imaginário constitui autêntica norma vazia de “potência”, emaranhado de regras incompatíveis e inservíveis aos seus maiores e melhores objetivos, conjunto de princípios dissociados e desarticulados, expressão de indesejável incoerência sistêmica.

11. A relação existente entre os homens e a natureza pode ser apenas um fragmento exemplificativo do quão distante vai o Direito de seus pretensiosos e necessários objetivos, da dificuldade de nele encontrarmos os elementos que compõem o “imaginário” do “imaginado” valor Justiça;

11. Quando os problemas que mais importam e preocupam a sociedade contemporânea parecem escapar das malhas do Direito como instrumento reconhecidamente tido e funcionalizado como “controle” de condutas e comportamentos, é chegada a hora de repensar os métodos e os rumos da caminhada...

12. Entre o compasso objetivo e subjetivo do ainda indevassado “imaginário” do Direito, é de se imaginar que a leitura e o estudo das normas jurídicas exija do sujeito verdadeiro interpretar hermenêutico pendular capaz de revelar e ao mesmo tempo distorcer sentidos ditos dominantes a partir da lógica e da arma da argumentação, do contraditório, da relação dialógica (e dialogal) que precisa existir entre direito e a vida no seu estado mais bruto (e cruel).

13. Uma vez assentada a importância do imaginário para o Direito (muito mais pelo questionamento do que pela capacidade de explicação e compreensão racional), resta saber se a “técnica” hoje utilizada pelo universo jurídico transformou o sujeito intérprete no “artista” ou no “escravo” da suposta técnica;

14. Entendimentos ditos majoritários, súmulas vinculantes aprisionadoras de sentidos, prevalência da “regra” sobre o princípio por conta de uma (de) formação positivista simplificadora, busca incessante do julgamento quantitativo de demandas individuais em detrimento de adequada prestação jurisdicional sobre direitos coletivos, esses apenas alguns dos muitos suportes problemáticos e indicativos da falta de uma verdadeira “tecnologia do imaginário” (Juremir Machado da Silva) para o Direito;

15. Some-se isso a um processo ainda muito deficiente de acesso à Justiça, à falta de informação, sensibilidade e conscientização crítico-transformadora de parte dos seus muitos “operadores” jurídicos “domesticados" e "robotizados" no melhor espírito de rebanho “(Nietzsche) e se verá que a falta de busca de um genuíno “imaginário” para o Direito pode ser uma das explicações racionais para o sentimento disseminado de tanta “injustiça”...Como ensina Gaston Bachelard, o imaginário é a capacidade de encontrar o pensamento de dizer não a teorias existentes e proopr novas...(ah, como o Direito por vezes carece de reflexão, de sede do novo!)
16. Até quando se bastará a “crença” da técnica positivista” no Direito em detrimento das interpretações fundamentadas de "vida própria"? Quantos ainda crêem ingenuamente no Direito como sistema eminentemente fechado? Até que pondo o Direito segue sendo apenas “poder” esvaziado de “vontade de potência”? Será mesmo o homem “sujeito” marginal de operação instrumental do Direito ou tem-se aqui mais um caso de “objeto” relevante ao destino da humanidade que continua sendo manipulado de modo totalitário ao sabor dos interesses dominantes na espera dos necessários “choques perceptivos”? Direito é puro e simples controle ou também deve ser possibilidade de emancipação? Qual o “grau de irrigação” e a capacidade de abstração do imaginário jurídico nos dias de hoje? Como são mesmo os processos de ensino e formação dos profissionais do Direito no Brasil? E os meios de comunicação, o que fazem e revelam do Direito? Enfim, se o Direito é produto eminentemente cultural, cadê o seu imaginário?

17. A impressão da verdade é que o imaginário do Direito (e o seu valor Justiça) ainda são “territórios desconhecidos”(Warat) em busca de sentido...navegar nesses territórios definitivamente não ser “preciso”, mas é sempre necessário, lição de Juremir Machado da Silva.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Maffesoli(ando)...na América Latina (de Torres Garcia)


“De fato, são poucos os acadêmicos, jornalistas, políticos que tentam escapar ao peso intelectual de suas castas e que recusam o mimetismo dos preconceitos estabelecidos. Poucos, pois é difícil, até mesmo perigoso, não ter o cheiro da matilha”. Michel Maffesoli


1. Fugir do sedante e monolítico Pensamento Oficial. Sentir-se um pouco fora da “onda”, nadar contra a corrente, mesmo correndo o risco de sentir-se estranho, alheio ao pertencimento do senso comum panfletário, quando não propriamente excluído da tribo global pós-moderna: essas algumas ideias centrais vinculadas à grande figura intelectual do estudioso francês Michel Maffesoli.


2 Estigmatizado por ideias originais (e ousadas), Maffesoli é a prova mais pura e simples de que ser autêntico e preocupar-se com o “viver junto” é um dos grandes desafios da sociedade contemporânea, um tanto quanto à deriva.


3. Pensar “diferente” antes de tudo é refletir criticamente sobre o mundo, por mais que muitos disso tenham medo, especialmente quando vige um “conformismo lógico”.


4. Em tempo de desagregação e perda de referenciais, a capacidade subversiva de Maffesoli pode ser um grande e espetacular prisma para se obter outras e novas perspectivas...Je regarde.....


5. Particularmente interessante é compreender que a existência passa não só pela vivência no mundo, mas pelo que nele experimentamos e, sobretudo, transformamos! O poder e os instrumentos, mais ou menos visíveis, estão ao nosso alcance. Restar querer deles fazer uso, aventurar e descobrir.


6. Em tempo de superaquecimento global, destruição contínua do meio ambiente, idolatria do “Deus” invisível mercado, de incerteza política quanto ao lado que se quer seguir, pensar na vida como algo que precisa valer a pena para melhorar a vida “do outro” que me espera ali do lado pode ser proveitoso e regenerador caminho para a humanidade.


7. Humanidade cotidianamente testada com a frivolidade e com a brutalidade da indiferença, marcas de um corpo social heterogêneo que não sabe o que quer, nem mesmo pensa e reflete sobre onde (não) está conseguindo chegar.


8, Ler (e sentir) o texto áspero e cru de Maffesoli significa aceitar confirmações sutis e duvidar de planas verdades, é despertar para a vida e acordar na percepção lúcida de que “cada um de nós precisa urgentemente fazer o melhor de sua parte”. Os tempos são extraordinariamente difíceis...é preciso inventar uma nova forma de “ser” e “fazer”...


9. Basta olhar para o lado para perceber que a luta contra o poder econômico e a grande imprensa é justa, necessária, porém absurdamente difícil e desigual...Qualquer pequena tentativa de mudança (revolução) transformação que deixe de lado interesses econômicos para valorização da força popular são sufocadas e abafadas com estocadas midiáticas permanentes de um sistema-mundo cada vez mais “domesticado” que não aceita ciclo-reverso.


10. Ou alguém acha que é por acaso que a “vala dos dois mil cadáveres” da Colômbia não rendeu notícia para “correr o mundo”...Que dizer do “discernimento” do povo colombiano que ainda tem Uribe como solução de futuro pela sua popularidade...Que os venezuelanos possam fazer (e mostrar) diferente...Na América Latina idealizada pelo artista plástico Torres Garcia, resta saber se “o sul é realmente o norte”...



11. Definitivamente, para entender o que pasa entre a Venezuela e a Colômbia, entre o conservadorismo “vendido” ao estrangeiro e o sonho de mudança popular enraizado, só mesmo “maffesoliando”, cada um à sua maneira, no melhor da subjetividade e na autenticidade, qualidades passíveis de serem satisfeitas e preenchidas no caminho simples cada um exercitar o melhor do seu “eu”, do seu imaginário, verdadeiro “lençol freático” da alma.. Afinal, como também ensina Maffesoli: a experiência do pensamento só tem sentido quando coletiva, afinal de contas, nada pode fazer calar a fala necessária. E você, fino leitor, o que acha?

sábado, 30 de janeiro de 2010

Um ano de Obama: what's up?


1. Não resta dúvida de que a eleição do Presidente Estadunidense Barack Obama representa um verdadeiro problema para quem prefere tratar e pensar a gestão governamental dos yankees dentro da política do “quanto pior melhor” (por mais que o planeta deva agradecer sua escolha).

2. De qualquer forma, um ano já passou do seu governo e a pergunta que fica é: a gestão Obama ampara-se apenas no discurso simbólico-retórico para, na verdade, “mudar não mudando” ou o que vemos trata-se de uma verdadeira tentativa de transformação paradigmática?

3. Que o speech (discurso) é ideológico e bem forjado, não resta dúvida. Cada fala não só parece bem medida e construída, como também é sempre pronunciada com otimismo, entusiasmo, virtudes que lhe emprestam aparente credibilidade. Todavia, sob o outro prisma, por vezes não se escapa da impressão de que algumas cenas da excessiva e midiática exposição do Presidente ao Legislativo lembram uma apresentação circense, por mais que Obama esteja longe, muito longe de ser o palhaço (não se pode dizer o mesmo dos sorrisos artificiais “no fundo”... que dizer então dos obedientes aplausos em pé, tudo no melhor estilo de auditório do cada vez mais arruinado do american way of life...). Definitely, he is not a clown, muito pelo contrário, possui intelecto distinto e privilegiado.

4. Uma reconhecida jornalista política do Wall Street Journal (Peggy Noonan) escreveu bem outro dia dizendo que Obama é contraditório, pois ao mesmo tempo que critica os EUA, também sustenta que o “desenvolvimento” do país pode ser modelo para o resto do mundo.....

5. Diria eu que Obama é persuasivo e ao mesmo tempo misterioso. Se por vezes parece um grande demagogo com exposição global destacada no perverso “sistema mundo”, não é menos verdade que alguns de seus projetos podem empolgar os mais otimistas (ou ingênuos...vai saber).

6. Será Obama mais um Chefe do Executivo norte-americano em busca da “maximização do auto-interesse” em detrimento de altruísmo com as outras nações do planeta ou, ao contrário, estamos diante de um Presidente Estadunidense disposto a implementar uma nova “ética” na Casa Branca?

7. Fato é que se realmente conseguir implementar o health care e outras reformas, se realmente mostrar que o modelo de vida estadunidense is really broken (verdadeiramente quebrado), que uma verdadeira “democracia material” é muito diferente do que hoje se pratica na “terra do Tio Sam”, a antipatia contra os “americanos” (na verdade, estadunidenses, pois americanos também somos todos nós do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, etc. - lição aprendida com o grande Professor Nildo Ouriques) tende a diminuir vertiginosa(e assustadoramente).

8. Certo é que as promessas de Obama foram grandes e proporcionais à esperança; as realizações, até agora, um tanto quanto escassas e rarefeitas...de qualquer modo, a impressão é que a “interpretação comum” ainda lhe favorece...até quando ninguém sabe.

9. Resta esperar (e apostar) para ver, assistir...just like a TV show....no sofá, com cerveja, mas infelizmente sem controle remoto!

domingo, 24 de janeiro de 2010

28 de janeiro para lembrar JOSÉ MARTÍ...e encerrar mais um Fórum Social Mundial



“Vea eso
en mí, y no más: un peleador; de mí, todo lo que ayude a fortalecer y ganar la pelea” José Martí

  1. Voltando à vida (e a luta), passado período de troca de ano e renovação (real ou fictícia) da esperança, sempre bom buscar inspiração na recordação de pessoas que por aqui passaram e fizeram toda a diferença.
  2. Recordar, afinal, como ensina EDUARDO GALEANO, nada mais é do que transpor passagens, imagens e lembranças pelo filtro solidário do coração, sentimental estratégia necessária para enfrentar a saudade de um presente angustiante que também precisa aprender a revirar o passado em busca de alguma história ou instrumento que auxilie e traga sentido à contínua busca de dias e tempos melhores...(não só para os homens, mas também e sobretudo para o planeta).
  3. Todo esse contexto bem pode ser aplicado quando se quer falar de JOSÉ MARTÍ (1853-1895), mais um valoroso e singular ser humano que, por perseverar (e acreditar) em suas ações e ideais, concentrou sua trajetória política, literária, jornalística e intelectual em busca de uma grande e permanente aspiração da humanidade: li-ber-da-de!
  4. JOSÉ MARTÍ foi mais um legítimo revolucionário que, leal às suas convicções, viveu e lutou do seu modo e maneira pela independência da sua pátria (Cuba), pela dignidade do seu povo e, muito mais do que isso, pela própria construção de um caminho mais próspero e digno a toda América Latina...
  5. De formação precoce literária e humanista, já cedo destacava-se pelo conteúdo de sua produção, ampla e diversificada ao ponto de reunir cartas políticas e peças teatrais...
  6. Na adolescência, em 1868, MARTÍ assiste o primeiro registro simbólico da independência cubana (Grito de Yara)...não por acaso com apenas dezessete anos este mártir-prodígio já começa a enfrentar as perseguições dirigidas a quem simplesmente não aceitava ver seu pedaço de chão (e mar) submetido ao tratamento colônia espanhola.
  7. Mesmo no período histórico da mortífera Guerra dos Dez Anos (1868/1878), que custou duzentas mil vidas em Cuba, nem mesmo o exílio forçado na Espanha (iniciado em 1871) impediu que “PEPE” escrevesse sua obra “A república espanhola e a revolução cubana”, publicada em 1873, mesma época de lançamento de “O capital” de MARX, um ano antes da formatura de MARTÍ em Direito em Zaragoza;
  8. Mais do que evidente, portanto, que a dimensão da pátria libre de MARTÍ, mentor da Revolução Cubana no seu primeiro e inicial momento, transcendia os limites geográficos da ilha para o fim de alcançar toda a América Latina, ideal que posteriormente foi renovado pela vivência de CHE GUEVARA, outro genuíno revolucionário que não queria libertar apenas um país, mas sim o continente inteiro, quiça o mundo...
  9. Sucessivos exílios (França, Inglaterra, México, Guatemala) fizeram MARTÍ aprender que amor con amor si paga, assim como “ódio” merecem todos aqueles que fazem do interesse próprio “palco” para opressão de um povo no seu próprio domínio; à “PEPE”, aliás, muito clara era a compreensão da natureza humana como algo que não pode ser passivo, mas sim reativo, afinal “el homem que clama vale más que el que suplica (...) los derechos se toman, no se piden; se arrancan, no se mendigan.
  10. Foi no contexto de ver e experimentar uma Cuba dividida entre a vontade de expulsar espanhóis sem correr risco de “anexação” aos Estados Unidos que JOSÉ MARTÍ foi forjando sua própria noção de pátria, ideia matriz construtora do Partido Revolucionário Cubano (PRC), objetivo atingido em 1892, marco inicial da liderança e da genuína revolução implementada historicamente na sua hermosa y querida isla...Afinal, para MARTÍ a independência de Cuba tinha um alcance maior para todo o continente, qual seja, “impedir a tiempo con la independencia de Cuba que se extiendan por las Antillas los Estados Unidos y caigan, con esa fuerza más, sobre nuestras tierras de América. Cuanto hice hasta hoy, y haré, es para eso”.
  11. Por essas e outras que, no sinuoso e complexo processo da autonomia cubana, de toda a luta travada e desenvolvida (começada no século XIX e retomada na segunda metade do século XX quando da derrubada da Ditadura opressora de Fulgêncio Batista), coube à MARTÍ representar o papel diferenciado de um revolucionário intelectualizado cujo calibre de atuação, repita-se, tinha a alteridade de ir muito além de um país, de um território, de um tempo...
  12. Já que para JOSÉ MARTÍ lutar pela pátria consistia na verdadeira atribuição de sentido à experiência humana, representando o fim da natureza, a luz da felicidade, a claridade da alma capaz de dar ao corpo repouso merecido depois do sacrifício, nada melhor do que (re) começar o primeiro mês do calendário com a memória do brio e a capacidade obstinada e indignada de quem quis fazer o melhor de sua parte para cumprir com a permanente, utópica e atemporal missão: construir um horizonte-mundo melhor e progressivamente mais justo...
  13. Afinal a “boa política” está aí para, na sua arte, nas palavras de MARTÍ, inventar un recurso a cada nuevo recurso de los contrarios, de convertir los reveses en fortuna, razão pela qual já é mais do que chegada a hora de edificarmos novo projeto de sociedade a partir de melhores fundamentos bases...
  14. Que no próximo 28 de janeiro possamos comemorar a lembrança do aniversário de MARTÍ lembrando que sua obra sigue siendo hoy, luego de más de un siglo de escrita, una guía para compreender muchas de las desventuras que agobian al continente americano, desde la ceguera antes Estados Unidos hasta el papel subalterno a que se condena muchas vezes la política. En su prosa vibra ese ritmo que moviliza los espíritus, y en sus poemas late una sensibilidad que el tiempo no hace sino agigantar
  15. Vem aí mais um Fórum Social Mundial (23 a 28 de janeiro)....la lucha sigue....longe e distante da morte.... mais viva (viva mais) do que nunca!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Morte


1. Nascemos com a certeza de que, assim como houve um começo, terá de haver um fim para nossa existência material. A infâmia é justamente nascer para morrer, não se sabe quando nem onde (CLARICE LINSPECTOR).

2. Permeada de dor e saudade, dinamizada e modificada na sua sensibilidade pelo transcorrer do tempo, a morte e a percepção crua da finitude que a caracteriza, talvez seja a experiência-limite de maior trauma e desafio para a existência humana.


3. Mesmo sabendo que a morte virá nos visitar, a sensação é que nunca estamos preparados para enfrentar a sua temível chegada, o que vale não só para a vivência individual de cada um, mas, especialmente, abrange a forma como somos obrigados a resistir ao falecimento de terceiros que amamos, admiramos ou simplesmente conhecemos.


4. Irreversível é a morte e imediatamente devastadores são seus efeitos. A inconformidade e resistência natural do ser humano em se relacionar com a morte passa pela terrível necessidade lógica de admitirmos o desaparecimento de alguém, algo similar a leitura melancólica do último capítulo de uma história, caminho segmentado e interrompido marcado por uma dolorosa falta "lacaniana", de tantas e desmedidas coisas que parecem ter ficado por fazer ou por dizer...


5. Todavia, por mais que o luto seja compreensível e necessário, devendo ser enfrentado de frente e sem subterfúgios, há de se ter o cuidado de não fazer da sua experiência infinita fonte de masoquismo e de busca irracional e desmedida culpa, algo infelizmente fomentado por fragmentos do cristianismo, sobre o que tão bem já discorreu o genial existencialista JEAN PAUL SARTRE.


6. De outro lado, morrer e querer entender o sentido e o mistério da vida é abrir caminho para eterna reticência, página em branco esperando tinta para ser escrita, inesgotável objeto de estudo. Desafio permanente para a filosofia, psicologia e medicina através da racionalidade, também integra a morte solo fértil para busca de explicações metafísicas que, para aquém e além da ciência, tem nas religiões verdadeiro caleidoscópio de dogmas, crença e fé. Muitas são as possibilidades e compreensões da morte não propriamente como fim, mas como transição de estado, espécie de "curva na estrada" (FERNANDO PESSOA), espiritualidade que inevitavelmente traz maior conforto, ainda que por ela não possamos fazer escolha.


7. Na morte a sensação de vazio, longe de ser aparente ou hiperdimensionado, é assustadoramente real e presente. Mesmo em tempos de reconhecida valorização do senso linguístico, faltam palavras para expressar a morte como experiência traumática a ser enfrentada no percurso árduo da existência. A impotência, o medo, a angústia e a proximidade do absurdo (CAMUS) são sentimentos reveladores da morte como situação de desespero para a limitada condição humana, talvez porque a sua inevitabilidade e irreversibilidade retire algo que sempre buscamos de modo consciente ou inconsciente: esperança.


8. De outro lado, as ordens civilizatórias históricas sempre tiveram na morte um elemento relevante para estabelecerem seus marcos de convivência e a construção da sua própria cultura, por mais que diferenças significativas existam quando se encara a temática da lado ocidental ou oriental. Por aí já vemos que a morte não precisa significar pura e simples destruição, tudo depende da forma e da lente através da qual a encaramos, da visão em paralaxe, como bem ensina ZIZEK.


9. Ao mesmo tempo que constitui tema desolador, aceitar a morte integra temática de pré-compreensão estritamente necessária, unilateral certeza que temos em tempos de pós-modernos nos quais a (i) mortalidade pelo próprio modo de vida caracteriza típica ilusão vital (BAUDRILLARD) que um dia chega para cobrar o seu preço...


10. Não obstante constitua experiência indiscutivelmente dramática, vencido o efeito corrosivo da perda de alguém que amamos, sem dúvida que mesmo essa experiência pode ser enriquecedora e pedagógica, e porque não fortalecer a condição de ser-aí-no-mundo (HEIDEGGER), nem que seja para explicar a inexorabilidade de sua finitude e, por conta disso, a necessidade de aproveitarmos o tempo e a forma de nossa experiência, incluindo o modo como nos relacionamos com o terceiros, com a natureza, e porque não com o próprio mundo.

11. Nesse contexto, o maior "recado" que a morte pode dar, além da dor e eterna saudade de quem perdemos, do verdadeiro suplício que é a súbita sensação de irreversibilidade do desaparecimento físico de alguém, passa justamente pela absorção do sentido de que a vida existe para ser celebrada com intensidade, a cada momento simples, com seu sabor doce e também com seu gosto amargo, sem qualquer tipo de vinculação ou adiamento de felicidade. Afinal, não sabemos quando estamos vivendo uma experiência pela última vez ou quando estamos nos despedindo de alguém que amamos com o último beijo ou abraço...


12. Saber viver e conviver de modo inteligente com a mortalidade precisa ser nosso próprio horizonte de sentido (GADAMER), por mais que este desafio parece algo propriamente invencível... Queiramos ou não, vida e morte são aspectos inerentes ao percurso da existência...


13. Se a morte é uma viagem e seu culto a preparação para um verdadeiro rito de passagem, que saibamos levar conosco a lição de MACHADO DE ASSIS, no sentido de que o tempo é o ministro da morte, mais do que isso, o principal elemento para metamorfosear as suas sensações e efeitos. Daí porque é de se desejar que tenhamos a autenticidade, mais do que isso, a verdadeira sabedoria, para desfrutarmos dos momentos felizes no melhor de nossa subjetividade, até mesmo porque são as lembranças e as recordações desses eventos que, juntamente com o fluir do tempo e o passar das estações, ajudarão a amenizar, e muito, os reflexos da morte ou da falta de alguém que perdemos...

14. De qualquer modo, não necessariamente o término da existência precisa estar além da própria experiência. Não devemos esperar a morte para perceber com clareza a transitoriedade e a resolutividade de todas as outras coisas e problemas banais que não raras vezes indevida e cotidianamente superdimensionamos. Fazer do menos mais, a todo tempo, não deixa de ser uma forma tola de suicídio. Que ninguém negue a morte como possibilidade complexa e enriquecedora reflexão, ainda que forçada. Não necessariamente precisa ser assim...


15. Por essas e outras que precisamos ter a clareza de perceber e admitir a ideia da morte enquanto estamos vivos, justamente para que possamos definir, da melhor forma, o que queremos e onde pretendemos chegar com o "prazo de validade" indeterminado e incerto da nossa existência. Trata-se apenas de seguir a lição do saudoso GONZAGUINHA, de viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Por mais que saibamos que a vida podia ser bem melhor e será, apesar de tudo não podemos deixar de dizer e repetir que ela é bonita, é bonita e é bonita...


15. Na verdade, como bem ensina o lúcido escritor e cineasta GUILHERMO ARRIAGA, paradoxalmente é a morte que dá sentido à vida, revelando, ainda que de modo trágico e traumático, por vezes súbito, todo seu maravilhoso e muitas vezes esquecido e real sentido. Será que já não é hora de encararmos a morte (e a vida) como unidimensionais anseios metafísicos? Que é que estamos esperando? Sejamos sábios responsáveis pelas nossas escolhas, do nascimento à morte, da biografia ao epitáfio...


sábado, 3 de outubro de 2009

Fragmentos do jardim de inverno "nerudiano" em tempo de primavera



Pablo Neruda é uma daquelas personalidades que, sem dúvida, enaltecem e consolidam a crença de que um horizonte mais próspero e humano não só é verdadeiramente possível, como também constitui bruta e utópica necessidade para equilibrar tempos de excessiva liquidez.

Chileno, nascido em Parral (12 de julho de 1904), o genial poeta Ricardo Neftali Reyes Basoalto, brindado com o célebre e imortal apelido em homenagem ao theco Iovato Jan Neruda (também poeta), teve vocação para viver com intensidade, inteligência e sensibilidade suficiente, virtudes que lhe permitiram descrever de modo concreto a paradoxalmente abstrata essência das coisas, até o limite...

Tanto é assim que a vida de Pablo Neruda não resistiu muitos dias mais ao genuinamente catastrófico 11 de setembro de 1973, data marcante do histórico golpe militar que sacou seu amigo pessoal Salvador Allende do então democrático e emancipatório governo chileno, mais uma cínica cena entre tantas violências patrocinadas pelo sistema-mundo estadunidense no restante da América Latina.

Em tempos de globalização neoliberal desumanizante, recortar e bricolar um pouco desses fragmentos pode fazer toda a diferença. Assim, se recordar, na origem do termo, é, como ensina Galeano, transpor fatos e lembranças pelo coração, que venha o sabor de “salteados” fragmentos da poética nerudiana em tempo de primavera....


No falta nada en jardín
Y no fuímos capaces de perder la mirada
Y me acostumbré a caminar consumido por mis pasiones

Hay que conocer ciertas virtudes
normales, vestimentas de cada dia
que de tanto ser vistas parecen invisibles

Pero no tuve tiempo ni tinta para todos

Llaman em circunstancias solitárias
Y hay que abrir, hay que oír os que no tiene voz
Hay que ver estas cosas que no existen

Ahora la verdad es el regresso
Mi única travesía es um regresso

Yo soy uno de aquellos que no alcanzó a llegar al bosque
El pan de la palabra cada dia

No hay salida para este volver

A uno mismo, a la piedra de uno mismo

Ya no hay mas estrella que el mar

Apropriação minimamente criativa e subjetiva da sábia filosofia “nerudiana” pode revelar múltiplos emancipatórios sentidos e significados no complexo universo da linguagem...A propósito, será que já não chegou a hora de acordarmos para o amanhã a partir de alguns pontos comuns e de consenso?

Não há maior risco a não ser a própria imaginação e paciência de esperar....

Que tenhamos a sabedoria de não deixar faltar nada de humano ao nosso jardim de cada dia, longe do materialismo banal que nos enfraquece.

Que, mesmo em tempo de pós-modernidade, tenhamos a sabedoria de não perder o olhar sensível, crítico e subjetivo, por mais que a pseudo-segurança das falaciosas interpretações monolíticas estejam de guarda-chuva aberto em cada esquina.

Que saibamos caminhar pela vida consumidos pela paixão no compromisso permanente de nos tornarmos mais solidários, desafio insólito em tempos de individualismo egoísta e desagregador.

Que saibamos conhecer as virtudes e as verdades possíveis com suas roupagens variáveis e relativas de cada dia, sempre duvidando do seu conteúdo e de tudo aquilo que parece claro e indiscutível.

Que a fraternidade não seja invisível e que a exposição midiática dos temas que ocupam o cotidiano permita verdadeira percepção e conscientização do tanto que há por fazer (dizer que "ainda há muito a fazer" seria demasiado otimismo revelador de que estamos fazendo alguma coisa).

Mais...

Que tenhamos tempo e tinta para todos aqueles que gostamos, com os quais compartilhamos os pedaços felizes e substanciais da existência.

Que saibamos ser humildes e tenhamos a esperada alteridade para ouvir os que não tem voz, para ver aqueles que muitos material e economicamente não existem na lenta míope de muitos governos.

Que deixemos um pouco a estética para repensar a ética de uma existência de verdadeira libertação.

Que saibamos a importância do regresso na travessia quando se quer chegar no bosque da simplicidade como caminho.


Que saibamos valorizar a necessidade do pão de cada dia sem outras e menores preocupações, colocando no seu devido lugar excessos supérfluos dispensáveis ou puramente ornamentais.

Que saibamos ver que a saída para uma nova ordem civilizatória está gravada na pedra e na existência de cada um de nós...em nenhum lugar mais.

Que possamos apreciar a criatividade e a força da vida e dos sonhos que se renovam no brilho das estrelas e na força e imensidão do mar...

Fragmentos “salteados” do fértil jardim nerudiano em tempo de florescer a primavera permanente das ideias...