domingo, 26 de julho de 2009

Engajamento em tempos de crise: quem nos "salva"?


O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fazem de nós. Jean-Paul Sartre


Poucos são os que se dedicam a agir de modo livre sobre problemas concretos da existência nos sombrios tempos pós-modernos, cada vez mais escassos para a reflexão, transformações e verdadeiras mudanças.
Nesse contexto, reclamar um novo projeto coletivo para se “viver junto” ainda parece algo distante, especialmente quando o consumo oprime, quando o regime de trabalho capitalista escraviza o "conviver", limita o "agir" e priva de substância o "pensar".

Falta de efetiva participação, ausência de compromisso e engajamento, viciado estado de coisas não pode ser definitivo, constatações capazes de exprimir o falido sistema neoliberal, exterminador de subjetividades e possibilidades de um mundo melhor e mais justo.

Romper zonas de conforto e acomodação, sair do egoísmo para atingir um grau maior de coesão e solidariedade, examinar com olhos críticos os acontecimentos históricos, políticos e sociais do nosso tempo, talvez aí resida parte do grande desafio, receita para tempos de crise, exceção e emergência.

Mais do que nunca, é preciso romper o campo imaginário para atingir ações concretas. A fórmula é velha, sabemos a receita para a prática necessária, mais ainda nos falta matéria-prima e ingredientes...
Lutar por políticas públicas educacionais efetivas que assegurem informação, forjem consciência e permitam concreta atuação: único e irremediável caminho.

Velhas necessidades para novos tempos, surdas promessas vazias para o deleite de governantes "silenciosos", omissos traidores do povo na sua vontade geral.

Existência, liberdade e alteridade, a propósito, eis as três grandes etapas da ideologia sartreana.
Ter consciência de ser-no-mundo, agir livre e criticamente, encontrar espaços e preencher lacunas de uma cidadania ainda vazia: missão para a existência.

Ser responsável pela permanente construção do caminho, da opção permanente na busca da melhor escolha, na procura do sentido à vida sem culpa, com seus riscos, perdas e ganhos: este o sentido da verdadeira liberdade.
Estabelecer relação de respeito e reciprocidade entre eu e o outro: tarefa para alteridade.
A única certeza é que estamos condenados a ser livres por mais que nos tempos atuais pensar nisso ainda pareça rematada utopia.

O processo de “maquinização” e a irrefletida existência parece deixar pouco espaço para crescimento da noção de participação, compromisso e engajamento, qualidades e sentimentos tão caros para que tenhamos uma verdadeira e material democracia capaz de concretizar direitos humanos.

Democracia participativa que, aliás, precisa existir com liberdade para que o espaço seja ocupado de modo legítimo pela sociedade, o “outro” que os governos teimam em não respeitar.

Será que estamos "comprometidos"?

Engajamento em tempos pós-modernos, um conteúdo a se buscar... quem nos “salva”?

sábado, 11 de julho de 2009

“Arte para crianças” (e adolescentes): lição do Estatuto da Criança e Adolescente, de Walter Benjamin e de Evandro Salles


Trata-se do preconceito segundo o qual as crianças são seres tão diferentes de nós, com uma existência tão incomensurável à nossa, que precisamos ser particularmente inventivos para distrai-las. Em seu preconceito, eles não vêem que a terra está cheia de substâncias puras e infalsificáveis capazes de despertar o interesse das crianças” Walter Benjamin

Para se ter acesso a conhecimento, cultura e arte, realmente não deveria existir tempo, preço ou idade. Para atender e fazer observar direitos fundamentais e humanos de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direito igualmente não poderiam faltar recursos, consciência e vontade. A realidade e o senso comum, porém, teimam em pensar e fazer diferente.

Apresentar e disponibilizar o mundo da arte ao universo infantil, permitir construção de cidadania e formação de espírito crítico a seres especiais em peculiar condição de crescimento e desenvolvimento sem dúvida contempla os princípios e as premissas da doutrina da proteção integral que os constituintes representantes do povo brasileiro tanto quiseram ver observadas quando da edição da Constituição da República em 1988 e, ano seguinte, na promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente, por mais que isso por vezes pareça uma grande e fantástica quimera.

Pois bem, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA - Lei 8.069/90) está prestes a completar 19 anos de aniversário no próximo dia 13 de julho e, infelizmente, muitas de suas premissas ainda são promessas e vazias retóricas, dentre as quais acesso ao conhecimento, lazer e cultura, dentro ou fora do ambiente escolar, inclusive no específico campo da arte.

Os motivos são muitos e abrangem certamente a falta quantitativa e qualitativa de políticas públicas eficientes, especialmente porque o orçamento voltado exclusivamente para criança e adolescente dos Municípios, Estados e da União, de forma mais aguda ainda no campo da cultura, ainda está muito distante de cumprir com os comandos constitucionais da prioridade absoluta (artigo 227 da CR) e destinação privilegiada e preferencial de recursos públicos (artigo 4º do ECA), inclusive para garantir acesso e conhecimento num elo fundamental: criança, juventude e arte.

Sendo assim, ideal seria se a sociedade política e civil direcionasse esforços para aproximar o universo e a linguagem da arte a crianças e adolescentes, pois, quem sabe assim a pátria do futuro poderá sonhar e acordar num mundo mais próspero e pleno de verdadeira e emancipadora cidadania, sentimento último que não pode ficar associado à criança e adolescente apenas uma vez por ano, quando da divulgação de determinado e específico programa “global”, "lembrado" talvez para esclarecer o grande "esquecimento" do tema nos outros 364 dias, especialmente quando as finalidades informativas, educativas, culturais e sobretudo artísticas dos meios de comunicação não rompem a tinta do artigo 221 da Constituição da República.

Dentre tantas carências materiais e intelectuais de um país que ainda busca um verdadeiro projeto, um dos novos caminhos civilizatórios pode passar pelo atrelamento da criança e adolescente a uma das maiores expressões de cultura a ser usufruída pela humanidade: a arte.

Sobram motivos para que assim se entenda. Primeiro, porque arte é não só uma forma de compreensão da história do passado, presente e futuro do mundo, como, sobretudo, liberdade e possibilidade de protagonismo, de opinião e expressão (artigo 16, II, do ECA), especialmente para os sujeitos de direito que já tiverem habilitados a participarem da vida política do país, que tanto precisa de novas caras, siglas, signos, símbolos e energias (artigo 16, VI, do ECA). Segundo, porque se o conceito de saúde contempla o bem-estar em todas as formas, e se crianças e adolescentes têm direito de proteção nesse aspecto (artigo 7º do ECA), ingressar no caleidoscópio das possibilidades do rico universo artístico é abrir portas e janelas para o mundo, comunicar e bricolar novos significantes e significados no caminho e no novelo da linguagem, como bem ensina Alexandre Morais da Rosa, ainda que falando de outro assunto. Terceiro, porque garantir acesso e participação da criança e jovem em atividades artísticas é assegurar educação que permita pleno desenvolvimento da pessoa, prepará-la para exercício da cidadania e, quem sabe, para o próprio trabalho, como bem diz o artigo 53 do mesmo ECA. Quarto, porque garantir acesso à arte é permitir e concretizar direito à informação, cultura e lazer assegurado pelo artigo 71 do mesmo ECA. Some-se isso tudo à idéia e previsão expressa de que as crianças e adolescentes devem dispor dos mesmos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (artigo 3º do ECA) e será difícil encontrar resposta para: 1) o fato dos equipamentos públicos (ex: museus, parques, etc), de modo geral, não guardarem a devida atenção para a importância da arte no desenvolvimento e educação infanto-juvenil; 2) o currículo escolar e profissional, da educação infantil ao ensino superior, não estar atento à necessidade de maior valorização da arte na sua articulação com a educação e as políticas públicas; 3) a constatação de que a iniciativa privada, o terceiro setor e as organizações não-governamentais, enfim, a sociedade em geral, não estão atentos e verdadeiramente despertos para valorizar a importância e a verdadeira "revolução" que pode ser para uma criança e adolescente acessar, experimentar, vivenciar e mesmo produzir arte sob todas as suas múltiplas formas e infinitos conteúdos.

Que logo isso tudo possa mudar e que o Estatuto da Criança e Adolescente, que já passou um ano da sua maioridade, possa ganhar cores mais vivas no direito achado (e encontrado) na rua, como quer Boaventura Santos, pois só assim esta preciosa legislação será conhecida, compreendida e respeitada pela sociedade e, sobretudo, pela hoje desacreditada classe política. A otimização da efetividade do Estatuto enquanto lei certamente contribuirá para reforçar a importância, o patrimônio e o legado extraordinário da experiência artística na formação pedagógica, no acesso ao conhecimento e na incessante busca de maior participação cívica- cidadã e pensamento crítico de parte de nossas crianças e adolescentes.

Nesse contexto, oportuno homenagear Evandro Salles, sua equipe e os mentores do maravilhoso Projeto “Arte para Crianças” que, sem pretensão de "infantilizar" a arte, não raras vezes vista como mercadoria de poucos privilegiados, percorreu algumas capitais brasileiras (São Luis, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo...) enfatizando importância da partipação, do protagonismo e da valorização e contribuição linguística e auto-explicativa da arte para o universo desta pequena gente-sujeito que, por incrível que pareça, nas palavras do próprio artista, constitui um público hoje quase totalmente impedido de assim proceder no seu âmbito. Ou seja, na restrição quando não impossibilidade do desfrute da arte pela criança e jovem, encontramos mais uma moratória infanto-juvenil perdida no baú das possibilidades.

Que os tempos possam mudar e que venha a necessária conscientização para que as famílias, as escolas, os museus e os mais variados espaços públicos e privados saibam valorizar e entender que através da arte com crianças (e adolescentes) é possível construir um novo e melhor futuro, uma verdadeira língua própria que muito contribuirá para o crescimento e desenvolvimento sadio e digno de nossas crianças e adolescentes, da sociedade do futuro.

A propósito, como bem ensina o artista suíço Paul Klee, segundo o qual a arte não reproduz o visível, mas torna visível, tendo em vista que a arte não serve para copiar as coisas que já existem, mas para criar as que ainda não existem, lembrado pelo talentoso Evandro Salles, talvez por isso que certamente muitos políticos, governantes e empresários deste país (que está longe de ser realmente de todos no acesso à cultura) ainda não querem investir ou mesmo acreditar na arte para (e com) crianças e adolescentes, horizonte que precisa urgentemente mudar, no concreto e no imaginário.

Afinal, nada melhor ou mais animador para embalar a esperança (e o sonho) de um mundo melhor e mais justo do que a combinação de uma criança e um adolescente fundidos na visão, no olhar, na escuta, na fala ou no silêncio de uma obra de arte...para pensar, criar e, sobretudo, transformar, ação última do Estado Democrático de Direito idealizado pela Constituição que não pode ficar para sempre adormecida.

E para quem, a estas alturas, ainda achar que arte é assunto de adulto, que criança e adolescentes ainda são tão objetos como uma simples e para muitos "incompreensível" obra de arte moderna ou pós-moderna, nada melhor que voltar a lembrar o valoroso Evandro Salles: A dimensão da arte é atemporal e sem gêneros. Como no que diz respeito às faculdades de pensar, ver ou falar, na arte não existem distinções dessa ordem. Todo ser humano indistintamente detém tais faculdades, e seu acesso a elas é irrestrito, desde que estejam asseguradas suas condições de desenvolvimento. Para que alguém viva a experiência da arte, basta que tenha um contato adequado e direto com os objetos que a engendram.
Parabéns ao Estatuto da Criança e Adolescente, na expectativa de que este constitua-se cada vez mais num instrumento de aquisição de direitos, de respeito à participação e protagonismo de crianças e adolescentes, tão ricas de alegria, mistérios, curiosidade, significados e significantes, territórios desconhecidos (Warat), verdadeiras obras de arte...

sábado, 4 de julho de 2009

Negativa oficial de voto ao preso provisório na ótica do TRE-SP: "conversa de clube" ou simples violação do art. 15, III, da Constituição?


“Os espelhos estão cheios de gente. Os invisíveis nos vêem. Os esquecidos se lembram de nós. Quando nos vemos, os vemos. Quando nos vamos, se vão?” Eduardo Galeano (Espelhos)

Não bastasse o seu campo não raras vezes simbólico e imaginário, forçoso constatar que fração da Justiça Eleitoral brasileira, por conta de resultado de julgamento realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), no último 16 de junho de 2009, perde mais uma significativa e franca possibilidade de ganhar um pouco mais de credibilidade e afirmação social em prol da concretização de direitos humanos fundamentais.

Após elogiável representação formulada pelo diligente representante do Ministério Público Eleitoral, na pessoa do Procurador Regional Eleitoral oficiante junto à referida Corte Eleitoral paulista, basta perceber o teor e a fundamentação das decisões e votos “vencedores” para constatar como é fácil no sistema jurídico brasileiro negar direito fundamental e derrotar a Constituição e a substancial democracia por trás da “burocracia” e, pior de tudo, do “preconceito” e “higiene” de classe.

Com uma linha de argumentação absolutamente reacionária e absurdamente preconceituosa, de baixíssima densidade jurídica e social, o referido Tribunal Eleitoral, por maioria, entendeu por bem em oficializar, mais uma vez, a negativa de um direito expresso, líquido e certo garantido pela Constituição da República de 1988 que, ao suspender direitos políticos do preso com condenação transitada em julgado (em relação a qual não cabe mais recurso), obviamente assegurou e contemplou tal direito fundamental de cidadania ativa aos presos provisórios. A despeito disso, sempre bom lembrar que segundo o artigo 15 da Constituição da República, somado ao seu inciso III, é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de (...) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos”.

Difícil imaginar que uma macroestrutura excessivamente onerosa como a Justiça Eleitoral, de trabalho periódico e praticamente bianual (Eleições a cada dois anos) e com volume de atividades infinitamente inferior ao destinado cotidiana e permanentemente aos demais ramos do Judiciário (onde muitas vezes falta mínima estrutura para garantir acesso qualitativo e célere ao desejo de Justiça), ao invés de se preocupar em maximizar meios de disponibilizar sua estrutura à serviço da democracia (incluída a disponibilização de equipamentos para eleições não-oficiais como de Conselheiros Tutelares), prefira o “conforto” e a “comodidade” da estagnação pífia que, ao negar direito humano fundamental de voto do preso provisório, ao violar garantia de cidadania e capacidade eleitoral ativa prevista pela Constituição, contribui para distanciar e desacreditar o Judiciário perante a sociedade, fato já constatado em diversas e recentes pesquisas de opinião.

Ouvir o áudio da sessão de julgamento do TRE sobre o tema em questão serve para evidenciar e demonstrar como pode ser preocupantemente baixo o senso e sentimento de constitucionalidade a julgar pela natureza e qualidade dos argumentos por vezes invocados pelo Judiciário brasileiro. Escutar o teor do julgamento em questão é a prova preocupante pronta e acabada de que não raras vezes argumentos reacionários e absolutamente menores servem de justificativa oficial à negação de um direito fundamental, o que muitas vezes não é objeto de conhecimento da sociedade ou divulgação da grande mídia.

Elogio mesmo merecem o Procurador Regional Eleitoral que propôs a medida e o único e solitário Juiz Eleitoral que, no enfrentamento do tema, entendeu e preferiu determinar o cumprimento da Constituição em lugar de apresentar supostas dificuldades operacionais para efetivação de uma medida cuja falta de implementação, por si só, considerando o tempo decorrido (passados mais de 20 anos da Constituição e muitas Eleições), já deveria ser motivo da mais absoluta vergonha.

A infeliz incapacidade de transformar a Constituição em realidade materializada pelo julgamento do TRE-SP é cotidianamente vivenciada num Judiciário brasileiro que, por vezes, parece viver intensa crise de funcionalidade, que inclui tanto necessidade de reflexão sobre a seleção e formação dos seus magistrados (incluidas as Cortes Eleitorais), como também sugere necessidade de se discutir o reduzido grau de efetividade e celeridade no processamento das tutelas coletivas, Poder Judiciário nacional que, por vezes, parece incapaz de desempenhar um simples e fundamental papel: observar e fazer cumprir a Constituição (tarefa que deve valer apenas para o Executivo e Legislativo, mas também precisa vincular a próprio Judiciário enquanto poder do Estado Democrático de Direito).

Pior de tudo é ter de ouvir magistrado eleitoral justificando a impossibilidade prática da medida de se assegurar voto aos presos provisórios sob o argumento da existência de uma “série de coisas constitucionais que não se aplicam”, como consta do próprio precedente. Igualmente preocupante é escutar sustentação de que a discussão em pauta a partir da representação feita revelaria “colidência de direitos”, pois no artigo 15, III, da Constituição haveria um direito que não seria exeqüível na sua totalidade em virtude do direito de segurança da sociedade que, no caso, supostamente impediria a possibilidade de exercício do voto ao preso provisório.

Duro de ouvir argumento de autoridade de que assim se faz ou assim se vota com a pseudo e implícita experiência e sabedoria de quem acompanha eleição “desde o tempo das cédulas”, quando talvez melhor e mais verdadeiro fosse reconhecer adormecimento de consciência no passado anterior à própria Constituição de 1988, no que se inclui a dívida histórica de quase quatro séculos de escravidão e aproximadamente vinte cinco anos de Ditadura Militar.

Terrível, ainda, ouvir Juiz Eleitoral justificar seu posicionamento de vedação de voto ao preso provisório sob argumento de que esta situação cumulada com a parcial obrigatoriedade do voto seria uma espécie de incentivo ao "voto de protesto", raciocínio que, segundo confessado pelo próprio magistrado, teria sido extraído de uma consulta que este afirmou certa vez ter feito com pessoas do seu mesmo nível social, curiosamente feita em um clube (quem sabe de tênis ou golfe, desses esportes mesmo que só a elite costumeiramente pratica). Segundo o mesmo Juiz, na sua aparente “cegueira” (ou seria "treva branca"?) interpretativa, não haveria sequer garantia e direito fundamental ao preso provisório votar, pois isso não estaria expresso na Constituição.

Complicado, ainda por cima, ter de ouvir questionamentos do tipo “em quem o preso vai votar?”, preocupação que, se vale para o sujeito privado da liberdade, pode ser estendida à sociedade brasileira como um todo, risco inerente à própria democracia que, obviamente, não pode ser invocado apenas para determinada categoria de pessoas hipossuficientes e em situação de vulnerabilidade. Afinal de contas, não é preciso muita perspicácia e luz para perceber que a mesma ideal restrição de “liberdade” eleitoral incide não apenas para o preso, como também invade potencialmente todos os rincões e bolsões de pobreza e miserabilidade do nosso país, onde a influência, a cooptação e a captação ilícita do sufrágio ainda ocorrem nas barbas e nos olhos da, por vezes literalmente "cega" (ou seria simplesmente daltônica?), Justiça Eleitoral, a quem ainda falta ideal estrutura de organização, fiscalização e efetividade para fazer valer a democracia substancial.

Verdadeiramente abominável ouvir o áudio da sessão e perceber que determinado Juiz, talvez para suprir o seu excessivo esvaziamento ou despreparo técnico-jurídico para discussão constitucional do tema, tenha preferido destilar veneno ironizando o Estado do Rio Grande do Sul, espaço no qual já houve experiência positiva para o voto dos presos provisórios, magistrado esse que, aliás, demonstra curiosa e profunda ignorância com o direito alternativo e, inclusive, com a própria hermenêutica.
Talvez para o referido julgador interpretar a lei como se quer ou, em suas palavras, contornar a lei, somente deva ser uma opção legítima e válida para negar a Constituição, nada mais. Segundo este mesmo Juiz eleitoral, garantir a concretização de direito fundamental aos presos provisórios seria o mesmo que “dar direito aos piores”, o que realmente encerra a possibilidade de se continuar querendo fazer qualquer compreensão mais democrática e imparcial do seu relato, afinal, o próprio magistrado, em seu voto, em certo momento reconheceu estar vendo caso pelo conceito (ou seria pré-conceito?).

De outro lado, alegar que “preso não votaria bem”, justamente por não dispor de acesso à informação e propaganda eleitoral, soa como uma cínica ironia, não só porque aos analfabetos é assegurado a facultatividade do voto, como bem apontado pelo valoroso julgador vencido na oportunidade, mas também considerando (e aqui o fundamento é nosso), que a Corte Eleitoral em questão está situada justamente no Estado da Federação que exemplificativamente elegeu os “polêmicos” Paulo Maluf e o falecido e exótico estilista Clodovil para a Câmara Federal dos Deputados.
Talvez seja justamente pelo fato de o direito de voto do preso provisório estar esquecido numa verdadeira "arca perdida", que a execução e os estabelecimentos penais brasileiros são a verdadeira expressão da barbárie, estado de exceção (AGAMBEN) permanente que nega cumprimento à Constituição, solidifica a ausência do Estado e, aí sim, permite o nocivo desenvolvimento de organizações criminosas sob a “roupagem” de partido voltado aos interesses da massa e comunidade carcerária.

Difícil acreditar que haveria “enorme dificuldade para fazer presos provisórios votarem” nas Eleições de 2010, especialmente para um Judiciário brasileiro que já teve, no seu quadro, juízes como a saudosa Professora Cleusa Mariza Silveira de Azevedo, que durante todo seu tempo de vida, na jurisdição, na sala de aula e em diversos eventos de execução penal, sempre foi uma briosa e corajosa defensora do direito de voto e protagonismo aos presos provisórios que, talvez para desespero de muitos, pela Constituição, tiveram sim assegurada sua capacidade eleitoral ativa, o que também, no caso concreto, foi acertado e elogiável entendimento do Procurador Regional Eleitoral Luiz Carlos dos Santos Gonçalves e do Juiz Eleitoral Walter de Almeida Guilherme.

A única enorme e insuperável dificuldade, no caso, parece ser que o Tribunal Regional Eleitoral (e outros que eventualmente possam comungar do mesmo entendimento) respeitem a Constituição e a façam cumprir deixando de lado argumentos absolutamente reacionários e preconceituosos. Tem-se no caso do TRE-SP mais um lamentável precedente que coloca óbices operacionais à frente da Lei Maior, situação que somente pode encontrar alguma "explicação" na interdisciplinaridade circular de outros campos do conhecimento, quem sabe filosofia, sociologia e psicologia.

Quem quiser conferir que o referido julgamento que, embora não pareça, constitui fato lamentavelmente verídico, fique à vontade (ou não) para acessar o áudio da sessão (http://s.conjur.com.br/dl/julgamento-tre-sp-di.mp3 ou mesmo verificar um dos votos “vencedores” (http://s.conjur.com.br/dl/voto-baptista-pereir.pdf), tudo para que, desse histórico, cada leitor extraia suas próprias conclusões e recortes críticos. Afinal, este breve ensaio não passa da fantasia de se tentar exercitar a lição deixada por Saramago, a responsabilidade de ver, nada impedindo que, democraticamente, alguém possa, como sugerido por um dos Juízes do caso, preferir conversar sobre o tema, de preferência, claro, apenas “com pessoas do nosso nível, não jurídico, mas nosso nível social, num ambiente social, evidentemente, num clube (...)”.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

"Projeto de Lei Paulo Maluf": tentativa de calar o Ministério Público (e a sociedade)!


Ao mesmo tempo em que lamentavelmente assistimos o Congresso Nacional mergulhado em sucessivos escândalos, dentre os quais ganha destaque a descoberta recente de atos administrativos “secretos” do Senado Federal, prática que faz triste resgate e memória dos “anos de chumbo” da nefasta Ditadura Militar, não causa nenhuma surpresa que, nesse contexto, das mesmas trevas democráticas seja exumado o Projeto de Lei n. 265/07, de autoria do Deputado Federal Paulo Maluf (PP/SP).

Trata-se de expediente a partir do qual o referido parlamentar, mediante indevida e desnecessária inclusão da possibilidade de sanção pecuniária e tentativa de “criminalização” de membros do Ministério Público que procuram agir diligentemente conforme sua consciência e dever na propositura das demandas que entendem adequadas em favor da defesa do interesse social, pretende, em verdade, enfraquecer conjunto de leis que instrumentalizam mínima possibilidade de combate à corrupção e desvios de recursos públicos (Lei de Ação Popular - 4.717/65, Lei Ação Civil Pública - 7.347/85 e Lei de Improbidade Administrativa - 8.429/92). Com efeito, quer o referido parlamentar autor da proposta apoio à sua desesperada e mesquinha tentativa de “calar”a legítima e constitucional função do Ministério Público brasileiro que, embora precise se aprimorar, como qualquer instituição republicana, já ostenta com felicidade e orgulho, no seu currículo, relevantes serviços prestados à sociedade brasileira, tanto que dela tem merecido crédito e confiança de acordo com diversas fontes de pesquisa e opinião.

A famigerada proposta legislativa, a despeito de seu teor prejudicial à concretização do Estado Democrático de Direito, inclusive, foi recuperada e resgatada da sua escuridão aparentemente com o apoio e chancela de outros parlamentares que teriam endossado sua apreciação em regime de urgência. Segundo noticiado pela imprensa, ao retomar sua manobra legislativa o Deputado Paulo Salim Maluf ganhou apoio explícito de pelo menos cinco “colegas” parlamentares, no caso: Lincoln Portela - PR/MG, Cândido Vaccarezza PT/SP Henrique Eduardo Alves - PMDB/RN, José Aníbal – PSDB/SP e Jovair Arantes –PTB/GO, os quais, inclusive, juntamente com o autor da projeto, podem e devem ter o seu histórico parlamentar consultado no site da Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br/ - seção Excelências), inclusive para que a sociedade verifique o registro de menção e envolvimento dos seus nomes eventualmente à algum tipo de irregularidade divulgada na imprensa, situação que, dependendo do caso, adianto, pode abranger tanto a menção do nome de parlamentares na recente apuração do uso supostamente irregular de passagens aéreas pagas com recursos públicos, como também envolver cartas de recomendação a ONGS tidas por fantasmas, existência de processos eleitorais por “caixa 2” e assim por diante.


O malsinado arremedo de “Projeto” legislativo nada mais é do que o uso de uma velha e surrada prática, da até hoje felizmente frustrada tentativa de intimidar e amordaçar os membros do Ministério Público brasileiro no cumprimento do seu papel constitucional de defesa do patrimônio público, que inclui exercício de atividades fiscalizatórias de defesa da legalidade de interesse geral e coletivo, que, dependendo do caso, pode contemplar tanto exercício de atribuições extrajudiciais resolutivas consubstanciadas em recomendações administrativas e a celebração de termos de ajustamento de condutas, bem como, obviamente, abranger propositura de demandas para punição de ilícitos cíveis de improbidade administrativa e oferecimento de denúncias para promover persecução penal de crimes de “colarinho branco”, trabalho árduo cujo resultado, apesar da morosidade do Judiciário no processamento e julgamento dos casos, ainda incomoda, e muito, os “poderosos” de plantão que, como se barões coloniais iludidos ainda fossem, acreditam-se excluídos do pacto social republicano.

A propósito, basta rápida leitura na superficial “proposta legislativa” para perceber que o parlamentar autor, conhecido “freguês” e habitual réu em diversas ações movidas pelo Ministério Público brasileiro, ao veicular sua pretensão nada mais faz do que legislar vergonhosa e descaradamente em causa própria, demonstrando interesse, aí sim, de “manifesta promoção pessoal”, “má-fé” e “perseguição política”, vícios que contraditória e falaciosamente alega pretender combater com sua “iniciativa”.

Se existe necessidade de aperfeiçoamento legislativo para evitar abuso, esta passa, no caso, pela necessidade de uma urgente e significativa Reforma Política que, inclusive, proponha mudanças profundas e estruturais na legislação eleitoral, dentre as quais, por exemplo, espera-se que não mais se permita que alguém com a “ficha” e o histórico político e processual do Deputado Maluf, tenha possibilidade de obter registro eleitoral de candidatura para disputar cargo público das mais altas esferas de poder, pois, certamente, não há maior desvio de finalidade do que alguém se valer de cadeira representativa de um Parlamento voltado à servir o povo para legislar de modo parcial e absolutamente favorável aos seus exclusivos interesses privados e pessoais, situação esta que, em tese, configura improbidade administrativa por violar os princípios constitucionais da administração pública inscritos no artigo 37 da Constituição da República.

Da mesma maneira que parlamentares das esferas municipal e estadual não podem legislar de modo a favorecer o tráfico e influência de seus interesses mesquinhos particulares e pessoais, incrível que a inexistência de mecanismos que permita fiscalização popular dos mandatos chegue ao ponto de permitir a existência de parlamentares disposto a aprovar o perverso e bizarro projeto legislativo que, vale dizer, em último grau, não se destina a calar o Ministério Público e seus membros, mas sim prejudicar, amordaçar e amarrar a própria sociedade que, por sua vez, encontra nesta mesma instituição republicana, valorizada sobremaneira pela Constituição Cidadã de 1988 (vide artigos 127 a 129), um verdadeiro e intransigente“fiscal” e ombudsman encarregado de fazer a defesa dos seus mais elevados interesses.

Chama atenção, ainda, o fato de que o “epidérmico” e despropositado projeto, na sua minguada e praticamente inexistente fundamentação, não traga nenhum exemplo, caso ou processo que contenha os vícios que a ridícula iniciativa diz querer combater.

Não por outro motivo que a fundamentação e o “clamor” para que os pares legisladores aprovem o projeto, feito sem escrúpulos pelo Deputado Paulo Maluf, merece ser respondida com a voz forte das ruas, no tambor dos movimentos sociais e operários, nos passos e caminhadas da mobilização e articulação popular e, espera-se, da mídia responsável e capaz de compreender que, em verdade, repita-se, quem busca “promoção pessoal', tenta legislar de "má fé" e quer "perseguir politicamente" o Ministério Público é o próprio Deputado Paulo Maluf e, claro, quem mais que resolver e quiser lhe apoiar.

Muita tolice achar que o Projeto de Lei n. 265/07, vindo da autoria de quem vem, vai calar o Ministério Público e a sua intransigente defesa da sociedade brasileira que, aliás, precisa acompanhar muito bem esta iniciativa, e, sobretudo, guardar na memória o registro de todos os parlamentares que resolverem endossar e apoiar a indecente “proposta legislativa”.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A “farra” do petróleo: até quando?


Petróleo é produto estratégico, recurso natural finito, instrumento de exercício da soberania que, vale lembrar, é o primeiro valor e fundamento da República, conforme artigo 1º, I, da Constituição. Este mesmo petróleo que, a rigor, deveria constituir efetivo monopólio da União (artigo 20, da CR), talvez seja o mais significativo lastro econômico mundial na atualidade, a reserva que potencializa e dinamiza a possibilidade de desenvolvimento interno das nações mediante garantia de abastecimento energético.

Apesar disso, longe vai a consciência dos governantes, distante parece estar a preocupação do povo brasileiro com os efeitos terríveis das predatórias políticas do petróleo ativamente iniciadas durante o trágico Governo FHC e mantidas na era LULA sob o plano da omissão e ausência de reversão.
A não ser que se queira louvar premissas neocoloniais violadoras da soberania, constitui fato absurdo, quando não propriamente revoltante, saber que na história recente deste país, à revelia da conscientização e mobilização popular, sem que haja esclarecimento suficiente do tema de parte da quase sempre omissa mídia de banda larga, continue-se dando seguimento à mercantilização e alienação vil de nossas preciosas bacias de petróleo, situação grotesca que tem permitido que empresas estrangeiras venham explorar um produto que, por sua natureza, é estratégico sob o ponto de vista energético, econômico e social, particularmente porque o petróleo é produto mundialmente escasso e de ainda grande e quase irracional utilização e consumo...
Pior do que isso só mesmo descobrir que o resultado tributário e a “compensação financeira” que reverte para o Brasil é irrisória, beira a bagatela, tanto que não chega à metade da média internacional (acima de 80%), vale dizer, “eles” continuam nos dando espelhos, como se “índios” todos e tolos ainda fossemos. Igualmente angustiante é perceber que a população ainda não está vendo e percebendo a “doença” e nocividade desta perversa política privatista do interesse nacional. Em verdade, a constatação lamentável é que o pau-brasil, o açúcar, o ouro e os minérios “de ontem” hoje foram substituído pelo petróleo, produto que faz e alimenta e “farra” do capital na ausência de marcos regulatórios efetivos, na ausência de exercício de cidadania e no flagrante desrespeito da soberania como fundamento da República.
Basta assistir poucas cenas da imprensa internacional para perceber o quanto “eles” (especialmente os brothers ricos estadunidenses) preocupam-se com o tema (outro dia, para que se tenha uma idéia, a "enquete do dia" na rede CNN era justamente a discussão sobre o preço do barril de petróleo e o futuro). Ao contrário, nós, brasileiros, continuamos explorados, alienados e, mais grave de tudo, ainda sem consciência e mínima força de mobilização sobre o verdadeiro crime de responsabilidade e atentando contra a soberania nacional que está sendo cometido. Enquanto os “outros” ditos desenvolvidos, espertamente, mantém intangível e preservadas suas “reservas” de petróleo, nossos governantes continuam permitindo a devastação e exploração desmedida de nossas riquezas naturais na pior lógica do extravismo que aniquila perspectiva de um novo projeto de nação (que dizer da recente privatização das florestas?).

Apesar disso, infelizmente a imprensa, de modo geral, prefere ficar explorando detalhes e mais detalhes destroços de um trágico e pontual acidente aéreo para atração mórbida da patuléia ao invés de explorar e desenvolver uma leitura mais pedagógica e, sobretudo, cívica do tema do petróleo. Tudo é uma questão de consciência, de qualidade e controle da informação e, claro, de servir ao interesse (de classe, obviamente), de prestar contas a quem patrocina e financia toda esta “festa pobre” de um Brasil que ainda não mostra a sua cara, embora seja fácil saber e identificar “quem paga para a gente ficar assim”, como bem já afirmava a crítica emancipatória e reflexiva do saudoso músico-poeta CAZUZA.

Nesse contexto, que dizer da famigerada Lei 9.478/97? Que dizer da omissão e dos equívocos do STF, nossa Corte Constitucional, quando do controle de constitucionalidade by “jogo de palavras” feito na ADI 3.273 e 3.366, de Relatoria do Ministro EROS GRAU? Que dizer da falta de posição e postura do Ministério de Minas e Energia comandando pelo Senhor Ministro EDSON LOBÃO apesar de todo o seu histórico? Que dizer do papel pífio que está sendo exercido pela ANP – Agência Natural do Petróleo, Gás natural e biocombustíveis? Que dizer da nossa postura enquanto sociedade para este fato? Será que não está na hora de buscarmos e cobrarmos um novo marco regulatório para este relevante setor? O que estamos esperando para a saída às ruas, cadê a força de mobilização popular? A explicação, certamente, passa por educação (de novo e sempre ela), exercício de cidadania...

Afinal de contas, petróleo deveria ser efetivo monopólio da União, nos termos do artigo 177 “caput” da Constituição e seus incisos, nos termos da redação original do parágrafo primeiro, que bem dizia e garantia ser “vedado à União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural”, redação substituída pela lógica neoliberal da nefasta Emenda Constitucional n. 09/1995, a partir da qual se estabeleceu que “A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos artigos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei”.
Mais um caso de “retalhamento” da Constituição via poder constituinte reformador que mostra seus perversos efeitos (inclusive de inconstitucionalidade), mais um caso em que o interesse econômico está mostrando que ainda vivemos numa nação lamentavelmente “sem fronteiras” para a exploração, na marginalidade do interesse das metrópoles estrangeiras e dos grandes conglomerados econômicos.

Certo é que alguma coisa precisa ser urgentemente feita. O povo precisa ser informado e a mobilização enérgica da sociedade civil pode ser um caminho importante e marxiano de pressão transformadora da realidade, afinal, se dependermos e esperarmos que o Legislativo fiscalize a defesa do interesse nacional e da soberania, o máximo que podemos obter é a divulgação de relatórios e publicações “secretas” antidemocráticas e ímprobas que remontam ao tempo da “inquisição”, quiçá do império, mostrando e expondo os cancros do que talvez, pelos sucessivos escândalos, seja uma das piores e, porque não, mais “canalhas” legislaturas da história...Que possamos lembrar um pouco disso em 2010...

Lembremos, afinal, que, pelo menos nos termos da Constituição, no parágrafo único do seu artigo primeiro, todo poder emana do povo, por mais que o problema talvez esteja na delegação de parte do exercício destes aos tais “representantes eleitos” que, desde há muito, numa reforma política esperada (que verdadeiramente nunca chega), estes sim é que precisam ser chamados “às falas” quando descumprem defesa dos interesses da nação, mais ou menos como numa espécie de “recall”, direito do consumidor para produtos viciados...

Certo é que, em nome da soberania nacional, a vergonhosa e humilhante “farra” do petróleo precisa acabar, pois neste tema, infelizmente, parece que ainda não viramos a página histórica da maldita e nefasta exploração colonial...Mas, como diz o hino nacional, quem sabe a coisa um dia muda, afinal, de amor e esperança é que se vive e nesse céu risonho e límpido ainda há de sobrar espaço para alternativas de crítica e verdadeira transformação social, fundamento do Estado Democrático de Direito que ainda hiberna no desejo de uma bem intencionada, porém infelizmente descumprida Constituição, lei maior do país.

sábado, 6 de junho de 2009

O STF e a (in)constitucionalidade da Lei de Recuperação e Falência: nada, absolutamente nada julgado fora da "nova ordem econômica mundial"


Em 27 de maio de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF) contribuiu para manter no seu histórico mais uma injusta e grave ofensa aos direitos dos trabalhadores brasileiros.

Objeto do julgamento: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionando dispositivos da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/05).

Questionamentos principais no contexto da referida Lei: 1) Inconstitucionalidade do artigo 141, II, da Lei 11.101/05 que permite alienação de ativos de qualquer natureza da empresa em falência sem o ônus da sucessão e transferência das obrigações tributárias, trabalhistas e dos acidentes de trabalho; 2) Inconstitucionalidade do artigo 60, parágrafo único, da mesma Lei, que permite que, uma vez aplicado o plano de recuperação da empresa, sua alienação judicial de filiais ou unidades produtivas fique exonerado das obrigações do devedor, inclusive tributárias; 3) Inconstitucionalidade do artigo 83, inciso I, da referida Lei 11.101/05 que, na classificação dos ativos da falência, limita a apenas 150 salários mínimos os créditos preferenciais para pagamento de dívidas de origem trabalhista.

Resultado do julgamento: Por maioria, a Lei 11.101/05 e os dispositivos atacados foram tidos como constitucionais.

Curiosidades do julgamento: 1) segundo o Ministro Gilmar Mendes a Lei referida apresenta uma “belíssima engenharia institucional”; 2) já o Ministro César Peluso reconheceu que o objetivo da Lei em questão foi mesmo “preservar empresas como fonte de benefícios e de riquezas de caráter social”; 3) de acordo com o Ministro Eros Grau o texto da Lei é “plenamente adequado à Constituição Federal”; 4) o Relator do caso, por sua vez, o Ministro Lewandowsky, confessou que a Lei em questão surgiu da “necessidade de preservar-se o sistema produtivo nacional, inserido em uma ordem econômica mundial”; 5) somente os Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto ficaram vencidos em algum pequeno ponto.

Paradoxos: 1) engraçado que o mesmo salário-mínimo que injustamente não serve como parâmetro para pagamento do adicional de insalubridade como direito do trabalhador, conforme teor da Súmula Vinculante n. 04 do STF, por outra mão, no caso da Lei em questão serve (e como), para limitar o direito dos trabalhadores; 2) engraçado que os créditos com garantia real, tão caros ao interesses das instituições financeiras e banqueiros, por sua vez, encontrem teto até o limite do valor do bem gravado (para eles, literalmente, o céu é o limite...).

Pois bem, temos aí mais um caso que comprova o quanto o principal Tribunal Judiciário do país, em verdade, nossa Corte Constitucional, realmente está “integrado” aos conceitos e aos valores da nova “ordem econômica mundial”...

Mais um precedente no qual o trabalho é derrotado pelo capital.

A propósito, o exemplo da escandalosa sucessão VARIG-GOL está aí para ser discutido no contexto não só da Lei, mas nos parâmetros do próprio julgado (exercício de memória: alguém lembra quanto era a dívida do Governo para com a Fundação dos funcionários da VARIG? Exercício de reflexão: alguém acha que a mega-sucessão empresarial em questão trouxe alguma vantagem para a ordem econômica nacional, social ou mesmo para o consumidor?).

Quando se começam a flexibilizar os direitos dos trabalhadores lá na Corte Constitucional do cerrado, o perigo não mais ronda, já mora e habita bem aqui ao nosso lado!

Nessas horas de “recortes críticos” do STF é de se ficar pensando na dimensão dos “valores sociais do trabalho” como fundamento da República (artigo 1º, IV, da Constituição)...

Com a palavra a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, os sindicatos, as associações e, principalmente, a sociedade.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Educação no Brasil: três provas, dois dizeres e uma conclusão


PROVA 1. Prova de que educação no Brasil não é prioridade está comprovada na vergonhosa (e criminosa) constatação de que o investimento nacional em educação atinge a miséria de 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto), por mais que a ONU/UNESCO garanta que o mínimo do investimento exigível seria nada mais nada menos do que o dobro deste percentual. Enquanto isso gasta-se mais ou menos 30% do orçamento no pagamento de uma dívida externa impagável e nunca auditada.

PROVA 2. Prova da falência gerencial do sistema público de educação reside no fato de quase 50% das unidades escolares públicas não conseguem ter turno escolar superior a três horas e meia, dado preocupante quando é pacífico entre especialistas que um sistema de educação eficiente e estruturado exige jornada mínima de seis horas. Enquanto isso, a corrupção segue circulando e os recursos que poderiam estar vinculados à educação são deslocados para projetos simbólicos de legitimidade duvidosa.

PROVA 3. Prova de que inexiste financiamento adequado do ensino público superior brasileiro, um dos mais desiguais e inacessíveis do mundo, reside no fato deste estar restrito ao privilegiado euniverso de 3% da população brasileira. Enquanto isso, quer-se enfraquecer a autonomia das universidades e ainda uniformizar o exame nacional do ensino médio sem a corresponde e necessária adoção de critério ou fórmula que atente e contemple a perversa desigualdade social brasileira.

DITO 1. Que dizer então da omissão e da falta de vagas no acesso da educação infantil que também constitui dever e obrigação do Estado? Mais uma lista de espera da cidadania...

DITO 2. Que dizer então da absoluta carência de estruturação de recursos humanos e equipes pedagógicas interdisciplinares (com profissionais da pedagogia, psicopedagogia, psicologia, assistência social, fonoaudiologia, etc) atuantes junto à rede do ensino público? Mais Professores angustiados não apenas com o salário indigno, com a biblioteca vazia (de bons livros e alunos), com a violência escolar, mas, sobretudo, com a necessidade cotidiana de cumprirem funções alheias ao seu verdadeiro papel.

CONCLUSÃO: Por essas e outras que ainda não somos "território livre" de analfabetismo como a Bolívia e Venezuela. Não por acaso este infelizmente ainda é o mesmo "campo minado" do Brasil neoliberal que continua colocando o "desenvolvimento econômico" à frente do desenvolvimento social do seu povo, para a farra dos bancos e multinacionais... Não por acaso este é o país ainda escravo do capitalismo dependente que continua deixando o capital intelectual de seu povo na senzala fria das oportunidades perdidas.