segunda-feira, 29 de junho de 2009

"Projeto de Lei Paulo Maluf": tentativa de calar o Ministério Público (e a sociedade)!


Ao mesmo tempo em que lamentavelmente assistimos o Congresso Nacional mergulhado em sucessivos escândalos, dentre os quais ganha destaque a descoberta recente de atos administrativos “secretos” do Senado Federal, prática que faz triste resgate e memória dos “anos de chumbo” da nefasta Ditadura Militar, não causa nenhuma surpresa que, nesse contexto, das mesmas trevas democráticas seja exumado o Projeto de Lei n. 265/07, de autoria do Deputado Federal Paulo Maluf (PP/SP).

Trata-se de expediente a partir do qual o referido parlamentar, mediante indevida e desnecessária inclusão da possibilidade de sanção pecuniária e tentativa de “criminalização” de membros do Ministério Público que procuram agir diligentemente conforme sua consciência e dever na propositura das demandas que entendem adequadas em favor da defesa do interesse social, pretende, em verdade, enfraquecer conjunto de leis que instrumentalizam mínima possibilidade de combate à corrupção e desvios de recursos públicos (Lei de Ação Popular - 4.717/65, Lei Ação Civil Pública - 7.347/85 e Lei de Improbidade Administrativa - 8.429/92). Com efeito, quer o referido parlamentar autor da proposta apoio à sua desesperada e mesquinha tentativa de “calar”a legítima e constitucional função do Ministério Público brasileiro que, embora precise se aprimorar, como qualquer instituição republicana, já ostenta com felicidade e orgulho, no seu currículo, relevantes serviços prestados à sociedade brasileira, tanto que dela tem merecido crédito e confiança de acordo com diversas fontes de pesquisa e opinião.

A famigerada proposta legislativa, a despeito de seu teor prejudicial à concretização do Estado Democrático de Direito, inclusive, foi recuperada e resgatada da sua escuridão aparentemente com o apoio e chancela de outros parlamentares que teriam endossado sua apreciação em regime de urgência. Segundo noticiado pela imprensa, ao retomar sua manobra legislativa o Deputado Paulo Salim Maluf ganhou apoio explícito de pelo menos cinco “colegas” parlamentares, no caso: Lincoln Portela - PR/MG, Cândido Vaccarezza PT/SP Henrique Eduardo Alves - PMDB/RN, José Aníbal – PSDB/SP e Jovair Arantes –PTB/GO, os quais, inclusive, juntamente com o autor da projeto, podem e devem ter o seu histórico parlamentar consultado no site da Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br/ - seção Excelências), inclusive para que a sociedade verifique o registro de menção e envolvimento dos seus nomes eventualmente à algum tipo de irregularidade divulgada na imprensa, situação que, dependendo do caso, adianto, pode abranger tanto a menção do nome de parlamentares na recente apuração do uso supostamente irregular de passagens aéreas pagas com recursos públicos, como também envolver cartas de recomendação a ONGS tidas por fantasmas, existência de processos eleitorais por “caixa 2” e assim por diante.


O malsinado arremedo de “Projeto” legislativo nada mais é do que o uso de uma velha e surrada prática, da até hoje felizmente frustrada tentativa de intimidar e amordaçar os membros do Ministério Público brasileiro no cumprimento do seu papel constitucional de defesa do patrimônio público, que inclui exercício de atividades fiscalizatórias de defesa da legalidade de interesse geral e coletivo, que, dependendo do caso, pode contemplar tanto exercício de atribuições extrajudiciais resolutivas consubstanciadas em recomendações administrativas e a celebração de termos de ajustamento de condutas, bem como, obviamente, abranger propositura de demandas para punição de ilícitos cíveis de improbidade administrativa e oferecimento de denúncias para promover persecução penal de crimes de “colarinho branco”, trabalho árduo cujo resultado, apesar da morosidade do Judiciário no processamento e julgamento dos casos, ainda incomoda, e muito, os “poderosos” de plantão que, como se barões coloniais iludidos ainda fossem, acreditam-se excluídos do pacto social republicano.

A propósito, basta rápida leitura na superficial “proposta legislativa” para perceber que o parlamentar autor, conhecido “freguês” e habitual réu em diversas ações movidas pelo Ministério Público brasileiro, ao veicular sua pretensão nada mais faz do que legislar vergonhosa e descaradamente em causa própria, demonstrando interesse, aí sim, de “manifesta promoção pessoal”, “má-fé” e “perseguição política”, vícios que contraditória e falaciosamente alega pretender combater com sua “iniciativa”.

Se existe necessidade de aperfeiçoamento legislativo para evitar abuso, esta passa, no caso, pela necessidade de uma urgente e significativa Reforma Política que, inclusive, proponha mudanças profundas e estruturais na legislação eleitoral, dentre as quais, por exemplo, espera-se que não mais se permita que alguém com a “ficha” e o histórico político e processual do Deputado Maluf, tenha possibilidade de obter registro eleitoral de candidatura para disputar cargo público das mais altas esferas de poder, pois, certamente, não há maior desvio de finalidade do que alguém se valer de cadeira representativa de um Parlamento voltado à servir o povo para legislar de modo parcial e absolutamente favorável aos seus exclusivos interesses privados e pessoais, situação esta que, em tese, configura improbidade administrativa por violar os princípios constitucionais da administração pública inscritos no artigo 37 da Constituição da República.

Da mesma maneira que parlamentares das esferas municipal e estadual não podem legislar de modo a favorecer o tráfico e influência de seus interesses mesquinhos particulares e pessoais, incrível que a inexistência de mecanismos que permita fiscalização popular dos mandatos chegue ao ponto de permitir a existência de parlamentares disposto a aprovar o perverso e bizarro projeto legislativo que, vale dizer, em último grau, não se destina a calar o Ministério Público e seus membros, mas sim prejudicar, amordaçar e amarrar a própria sociedade que, por sua vez, encontra nesta mesma instituição republicana, valorizada sobremaneira pela Constituição Cidadã de 1988 (vide artigos 127 a 129), um verdadeiro e intransigente“fiscal” e ombudsman encarregado de fazer a defesa dos seus mais elevados interesses.

Chama atenção, ainda, o fato de que o “epidérmico” e despropositado projeto, na sua minguada e praticamente inexistente fundamentação, não traga nenhum exemplo, caso ou processo que contenha os vícios que a ridícula iniciativa diz querer combater.

Não por outro motivo que a fundamentação e o “clamor” para que os pares legisladores aprovem o projeto, feito sem escrúpulos pelo Deputado Paulo Maluf, merece ser respondida com a voz forte das ruas, no tambor dos movimentos sociais e operários, nos passos e caminhadas da mobilização e articulação popular e, espera-se, da mídia responsável e capaz de compreender que, em verdade, repita-se, quem busca “promoção pessoal', tenta legislar de "má fé" e quer "perseguir politicamente" o Ministério Público é o próprio Deputado Paulo Maluf e, claro, quem mais que resolver e quiser lhe apoiar.

Muita tolice achar que o Projeto de Lei n. 265/07, vindo da autoria de quem vem, vai calar o Ministério Público e a sua intransigente defesa da sociedade brasileira que, aliás, precisa acompanhar muito bem esta iniciativa, e, sobretudo, guardar na memória o registro de todos os parlamentares que resolverem endossar e apoiar a indecente “proposta legislativa”.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A “farra” do petróleo: até quando?


Petróleo é produto estratégico, recurso natural finito, instrumento de exercício da soberania que, vale lembrar, é o primeiro valor e fundamento da República, conforme artigo 1º, I, da Constituição. Este mesmo petróleo que, a rigor, deveria constituir efetivo monopólio da União (artigo 20, da CR), talvez seja o mais significativo lastro econômico mundial na atualidade, a reserva que potencializa e dinamiza a possibilidade de desenvolvimento interno das nações mediante garantia de abastecimento energético.

Apesar disso, longe vai a consciência dos governantes, distante parece estar a preocupação do povo brasileiro com os efeitos terríveis das predatórias políticas do petróleo ativamente iniciadas durante o trágico Governo FHC e mantidas na era LULA sob o plano da omissão e ausência de reversão.
A não ser que se queira louvar premissas neocoloniais violadoras da soberania, constitui fato absurdo, quando não propriamente revoltante, saber que na história recente deste país, à revelia da conscientização e mobilização popular, sem que haja esclarecimento suficiente do tema de parte da quase sempre omissa mídia de banda larga, continue-se dando seguimento à mercantilização e alienação vil de nossas preciosas bacias de petróleo, situação grotesca que tem permitido que empresas estrangeiras venham explorar um produto que, por sua natureza, é estratégico sob o ponto de vista energético, econômico e social, particularmente porque o petróleo é produto mundialmente escasso e de ainda grande e quase irracional utilização e consumo...
Pior do que isso só mesmo descobrir que o resultado tributário e a “compensação financeira” que reverte para o Brasil é irrisória, beira a bagatela, tanto que não chega à metade da média internacional (acima de 80%), vale dizer, “eles” continuam nos dando espelhos, como se “índios” todos e tolos ainda fossemos. Igualmente angustiante é perceber que a população ainda não está vendo e percebendo a “doença” e nocividade desta perversa política privatista do interesse nacional. Em verdade, a constatação lamentável é que o pau-brasil, o açúcar, o ouro e os minérios “de ontem” hoje foram substituído pelo petróleo, produto que faz e alimenta e “farra” do capital na ausência de marcos regulatórios efetivos, na ausência de exercício de cidadania e no flagrante desrespeito da soberania como fundamento da República.
Basta assistir poucas cenas da imprensa internacional para perceber o quanto “eles” (especialmente os brothers ricos estadunidenses) preocupam-se com o tema (outro dia, para que se tenha uma idéia, a "enquete do dia" na rede CNN era justamente a discussão sobre o preço do barril de petróleo e o futuro). Ao contrário, nós, brasileiros, continuamos explorados, alienados e, mais grave de tudo, ainda sem consciência e mínima força de mobilização sobre o verdadeiro crime de responsabilidade e atentando contra a soberania nacional que está sendo cometido. Enquanto os “outros” ditos desenvolvidos, espertamente, mantém intangível e preservadas suas “reservas” de petróleo, nossos governantes continuam permitindo a devastação e exploração desmedida de nossas riquezas naturais na pior lógica do extravismo que aniquila perspectiva de um novo projeto de nação (que dizer da recente privatização das florestas?).

Apesar disso, infelizmente a imprensa, de modo geral, prefere ficar explorando detalhes e mais detalhes destroços de um trágico e pontual acidente aéreo para atração mórbida da patuléia ao invés de explorar e desenvolver uma leitura mais pedagógica e, sobretudo, cívica do tema do petróleo. Tudo é uma questão de consciência, de qualidade e controle da informação e, claro, de servir ao interesse (de classe, obviamente), de prestar contas a quem patrocina e financia toda esta “festa pobre” de um Brasil que ainda não mostra a sua cara, embora seja fácil saber e identificar “quem paga para a gente ficar assim”, como bem já afirmava a crítica emancipatória e reflexiva do saudoso músico-poeta CAZUZA.

Nesse contexto, que dizer da famigerada Lei 9.478/97? Que dizer da omissão e dos equívocos do STF, nossa Corte Constitucional, quando do controle de constitucionalidade by “jogo de palavras” feito na ADI 3.273 e 3.366, de Relatoria do Ministro EROS GRAU? Que dizer da falta de posição e postura do Ministério de Minas e Energia comandando pelo Senhor Ministro EDSON LOBÃO apesar de todo o seu histórico? Que dizer do papel pífio que está sendo exercido pela ANP – Agência Natural do Petróleo, Gás natural e biocombustíveis? Que dizer da nossa postura enquanto sociedade para este fato? Será que não está na hora de buscarmos e cobrarmos um novo marco regulatório para este relevante setor? O que estamos esperando para a saída às ruas, cadê a força de mobilização popular? A explicação, certamente, passa por educação (de novo e sempre ela), exercício de cidadania...

Afinal de contas, petróleo deveria ser efetivo monopólio da União, nos termos do artigo 177 “caput” da Constituição e seus incisos, nos termos da redação original do parágrafo primeiro, que bem dizia e garantia ser “vedado à União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo ou gás natural”, redação substituída pela lógica neoliberal da nefasta Emenda Constitucional n. 09/1995, a partir da qual se estabeleceu que “A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos artigos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei”.
Mais um caso de “retalhamento” da Constituição via poder constituinte reformador que mostra seus perversos efeitos (inclusive de inconstitucionalidade), mais um caso em que o interesse econômico está mostrando que ainda vivemos numa nação lamentavelmente “sem fronteiras” para a exploração, na marginalidade do interesse das metrópoles estrangeiras e dos grandes conglomerados econômicos.

Certo é que alguma coisa precisa ser urgentemente feita. O povo precisa ser informado e a mobilização enérgica da sociedade civil pode ser um caminho importante e marxiano de pressão transformadora da realidade, afinal, se dependermos e esperarmos que o Legislativo fiscalize a defesa do interesse nacional e da soberania, o máximo que podemos obter é a divulgação de relatórios e publicações “secretas” antidemocráticas e ímprobas que remontam ao tempo da “inquisição”, quiçá do império, mostrando e expondo os cancros do que talvez, pelos sucessivos escândalos, seja uma das piores e, porque não, mais “canalhas” legislaturas da história...Que possamos lembrar um pouco disso em 2010...

Lembremos, afinal, que, pelo menos nos termos da Constituição, no parágrafo único do seu artigo primeiro, todo poder emana do povo, por mais que o problema talvez esteja na delegação de parte do exercício destes aos tais “representantes eleitos” que, desde há muito, numa reforma política esperada (que verdadeiramente nunca chega), estes sim é que precisam ser chamados “às falas” quando descumprem defesa dos interesses da nação, mais ou menos como numa espécie de “recall”, direito do consumidor para produtos viciados...

Certo é que, em nome da soberania nacional, a vergonhosa e humilhante “farra” do petróleo precisa acabar, pois neste tema, infelizmente, parece que ainda não viramos a página histórica da maldita e nefasta exploração colonial...Mas, como diz o hino nacional, quem sabe a coisa um dia muda, afinal, de amor e esperança é que se vive e nesse céu risonho e límpido ainda há de sobrar espaço para alternativas de crítica e verdadeira transformação social, fundamento do Estado Democrático de Direito que ainda hiberna no desejo de uma bem intencionada, porém infelizmente descumprida Constituição, lei maior do país.

sábado, 6 de junho de 2009

O STF e a (in)constitucionalidade da Lei de Recuperação e Falência: nada, absolutamente nada julgado fora da "nova ordem econômica mundial"


Em 27 de maio de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF) contribuiu para manter no seu histórico mais uma injusta e grave ofensa aos direitos dos trabalhadores brasileiros.

Objeto do julgamento: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionando dispositivos da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/05).

Questionamentos principais no contexto da referida Lei: 1) Inconstitucionalidade do artigo 141, II, da Lei 11.101/05 que permite alienação de ativos de qualquer natureza da empresa em falência sem o ônus da sucessão e transferência das obrigações tributárias, trabalhistas e dos acidentes de trabalho; 2) Inconstitucionalidade do artigo 60, parágrafo único, da mesma Lei, que permite que, uma vez aplicado o plano de recuperação da empresa, sua alienação judicial de filiais ou unidades produtivas fique exonerado das obrigações do devedor, inclusive tributárias; 3) Inconstitucionalidade do artigo 83, inciso I, da referida Lei 11.101/05 que, na classificação dos ativos da falência, limita a apenas 150 salários mínimos os créditos preferenciais para pagamento de dívidas de origem trabalhista.

Resultado do julgamento: Por maioria, a Lei 11.101/05 e os dispositivos atacados foram tidos como constitucionais.

Curiosidades do julgamento: 1) segundo o Ministro Gilmar Mendes a Lei referida apresenta uma “belíssima engenharia institucional”; 2) já o Ministro César Peluso reconheceu que o objetivo da Lei em questão foi mesmo “preservar empresas como fonte de benefícios e de riquezas de caráter social”; 3) de acordo com o Ministro Eros Grau o texto da Lei é “plenamente adequado à Constituição Federal”; 4) o Relator do caso, por sua vez, o Ministro Lewandowsky, confessou que a Lei em questão surgiu da “necessidade de preservar-se o sistema produtivo nacional, inserido em uma ordem econômica mundial”; 5) somente os Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto ficaram vencidos em algum pequeno ponto.

Paradoxos: 1) engraçado que o mesmo salário-mínimo que injustamente não serve como parâmetro para pagamento do adicional de insalubridade como direito do trabalhador, conforme teor da Súmula Vinculante n. 04 do STF, por outra mão, no caso da Lei em questão serve (e como), para limitar o direito dos trabalhadores; 2) engraçado que os créditos com garantia real, tão caros ao interesses das instituições financeiras e banqueiros, por sua vez, encontrem teto até o limite do valor do bem gravado (para eles, literalmente, o céu é o limite...).

Pois bem, temos aí mais um caso que comprova o quanto o principal Tribunal Judiciário do país, em verdade, nossa Corte Constitucional, realmente está “integrado” aos conceitos e aos valores da nova “ordem econômica mundial”...

Mais um precedente no qual o trabalho é derrotado pelo capital.

A propósito, o exemplo da escandalosa sucessão VARIG-GOL está aí para ser discutido no contexto não só da Lei, mas nos parâmetros do próprio julgado (exercício de memória: alguém lembra quanto era a dívida do Governo para com a Fundação dos funcionários da VARIG? Exercício de reflexão: alguém acha que a mega-sucessão empresarial em questão trouxe alguma vantagem para a ordem econômica nacional, social ou mesmo para o consumidor?).

Quando se começam a flexibilizar os direitos dos trabalhadores lá na Corte Constitucional do cerrado, o perigo não mais ronda, já mora e habita bem aqui ao nosso lado!

Nessas horas de “recortes críticos” do STF é de se ficar pensando na dimensão dos “valores sociais do trabalho” como fundamento da República (artigo 1º, IV, da Constituição)...

Com a palavra a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, os sindicatos, as associações e, principalmente, a sociedade.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Educação no Brasil: três provas, dois dizeres e uma conclusão


PROVA 1. Prova de que educação no Brasil não é prioridade está comprovada na vergonhosa (e criminosa) constatação de que o investimento nacional em educação atinge a miséria de 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto), por mais que a ONU/UNESCO garanta que o mínimo do investimento exigível seria nada mais nada menos do que o dobro deste percentual. Enquanto isso gasta-se mais ou menos 30% do orçamento no pagamento de uma dívida externa impagável e nunca auditada.

PROVA 2. Prova da falência gerencial do sistema público de educação reside no fato de quase 50% das unidades escolares públicas não conseguem ter turno escolar superior a três horas e meia, dado preocupante quando é pacífico entre especialistas que um sistema de educação eficiente e estruturado exige jornada mínima de seis horas. Enquanto isso, a corrupção segue circulando e os recursos que poderiam estar vinculados à educação são deslocados para projetos simbólicos de legitimidade duvidosa.

PROVA 3. Prova de que inexiste financiamento adequado do ensino público superior brasileiro, um dos mais desiguais e inacessíveis do mundo, reside no fato deste estar restrito ao privilegiado euniverso de 3% da população brasileira. Enquanto isso, quer-se enfraquecer a autonomia das universidades e ainda uniformizar o exame nacional do ensino médio sem a corresponde e necessária adoção de critério ou fórmula que atente e contemple a perversa desigualdade social brasileira.

DITO 1. Que dizer então da omissão e da falta de vagas no acesso da educação infantil que também constitui dever e obrigação do Estado? Mais uma lista de espera da cidadania...

DITO 2. Que dizer então da absoluta carência de estruturação de recursos humanos e equipes pedagógicas interdisciplinares (com profissionais da pedagogia, psicopedagogia, psicologia, assistência social, fonoaudiologia, etc) atuantes junto à rede do ensino público? Mais Professores angustiados não apenas com o salário indigno, com a biblioteca vazia (de bons livros e alunos), com a violência escolar, mas, sobretudo, com a necessidade cotidiana de cumprirem funções alheias ao seu verdadeiro papel.

CONCLUSÃO: Por essas e outras que ainda não somos "território livre" de analfabetismo como a Bolívia e Venezuela. Não por acaso este infelizmente ainda é o mesmo "campo minado" do Brasil neoliberal que continua colocando o "desenvolvimento econômico" à frente do desenvolvimento social do seu povo, para a farra dos bancos e multinacionais... Não por acaso este é o país ainda escravo do capitalismo dependente que continua deixando o capital intelectual de seu povo na senzala fria das oportunidades perdidas.

sábado, 30 de maio de 2009

Simplesmente Nei Lisboa: o “Rei” de Porto Alegre



Pausa no direito, na política, na arte e outros temas para mais um “recorte crítico” musical, afinal de contas, como já dizia Nietzsche, em frase que aprendi com minha mãe (pianista "de primeira" e também filósofa nas horas vagas), “a vida sem música seria um erro”. Alguém dúvida? Sabe como é, mãe é mãe, tem sempre razão...

Gaúcho, nascido em 18 de janeiro de 1959, conhecido muito mais dentro do que fora do Rio Grande do Sul (especialmente porque, reza a lenda, gosta tanto da “terrinha” que não faz muita questão de “expandir fronteiras”), a música, a prosa e a poesia inteligente e particular de Nei Lisboa é certamente parte significativa do que há de mais original e precioso no cenário da música brasileira contemporânea.

Tal como a famosa “Estátua do Laçador” situada nas cercanias do aeroporto Salgado Filho, como as ruas simbólicas do tradicionalíssimo Bairro Bonfim, como o azul, preto e branco do glorioso Grêmio Futebol Porto-Alegrense, como a alegria e a genialidade do escritor Peninha, a figura marcante de Nei Lisboa e suas maravilhosas canções tem a melhor “cara” da capital dos gaúchos, onde o músico, não por acaso, mantém um público apaixonado e fiel (mais ou menos como a torcida "Geral" do imortal tricolor).

Com ele, na aura levitan dos viajantes, é possível percorrer “Telhados de Paris”, nos quais “Venta, ali se vê, onde o arvoredo inventa um ballet, enquanto invento aqui um para mim, um silêncio sem fim, deixando a rima assim, sem mágoas, sem nada, só uma janela em cruz e uma paisagem tão comum”. Quem preferir destino mais exótico, que tal passar “um bom verão em Calcutá, ao som do mar”.....

Em suma, assistir um show de Nei Lisboa, como ensina sabiamente uma de suas melhores canções (Pra te Lembrar) pode ser realmente algo “mais leve que o ar, tão doce de olhar, que nem um adeus pode apagar”.

A propósito, cenário sonoro comum e mesmice rítmica é tudo o que seus arranjos e acordes não são. Basta vê-lo destrinchar seu violão e soltar a voz para ver que toda sua performance é recheada de uma dose cavalar de talento, virtuosismo e tranquilidade... a tranquilidade própria daqueles que amam e, sobretudo, dominam o seu negócio, seu ofício, verdadeira arte e “metiê” de quem exercita o talento como se estivesse em estado de férias permanente.

Não por acaso, além de ter lançado nove discos complexos e singulares em uma carreira exitosa e plena de quase três décadas, Nei Lisboa ainda acha tempo (e qualidade) para escrever. Quem quiser conferir que o seu talento também vale na escrita, confira o romance “O morto pula a janela” (Editora Sulina) ou mesmo a excepcional coletânea de crônicas “É Foch” (Editora LPM).

Em suma, Nei Lisboa é um músico que exala versatilidade, humanidade, sensibilidade e outras boas coisas que, com ele, não se perdem, ao contrário, melhoram com a idade...

E para quem quiser abrir uma janela com o Direito ou só mesmo lembrar um pouco da original desobediência civil de Henry David Thoreau, Nei trata de advertir: “não ando do lado da lei, a lei não foi idéia minha, lamento que o mundo não gire, na velocidade que eu queria...”. Tá aí o recado que muitos fetichistas da “norma” precisariam escutar...

Em Porto Alegre, não por acaso, não por “bairrismo”, mas certamente por originalidade, mérito e qualidade, uma coisa é certa: Nei Lisboa é simplesmente...“Rei”, um "monarca-democrata" capaz de mandar muitos “concorrentes” para a “guilhotina” da vitrola.

Definitivamente, a obra de Nei Lisboa é daquelas marcam um tempo, assinalam uma época, uma geração, carregam uma história, como um bom disco dos Beatles que, como tal, vale a pena guardar como legado de carinho e aprendizado aos filhos... Afinal de contas, como os "anos de chumbo"ensinaram, não esqueçamos que a música pode ser o começo da revolução, uma forma nova, revolucionária e solidária de descobrir e aprender a ver ou buscar um mundo melhor e mais justo. A velha limusine da canção não pode virar lambreta de segunda mão, do contrário, restarão apenas rescaldos de uma mágoa a La Vandré, que tanto mais feroz, tanto mais passa...

Gosto e admiro Nei Lisboa porque ele certamente ajuda a pensar na necessidade de “combater a pobreza das idéias dessa gente que comanda o shopping-center do país”, enquanto “aos poetas, luz e sombra, chatôs e chandons; aos piratas do subúrbio, galeras do rei; às piranhas, carne fresca, turistas no Rio; aos carecas da Jamaica, nada”... Por isso que “cada vez que a corja fala de cultura, Glauber quer quebrar a tampa do caixão”... Por isso que “cada povo tem o novo que merece e o menudo vem com tudo e com razão”... Sempre Nei Lisboa! Esse sim precisava de um “especial” todo final de ano... (garanto que ele não estaria “de” ou passaria “em” branco).

O cara é tão completo e ideologicamente centrado que, claro, tira uma boa “casquinha” e sarro dos irmãos do norte estadunidenses. Assim conta a didática “Deu na TV”: “O presidente dos Estados Unidos, salvou a Terra do choque de um cometa e eliminou os terroristas malvados que ameaçavam dominar o planeta. O Presidente não poupou esforços arremessando aviões e foguetes e embora errando uns tantos alvos mereceu dos seus os seus aplausos. Eu vi, deu na TV, veja você, quase acreditei, mas é de se perguntar: onde é que Watergate foi parar?”

Este sim... this is the man!

Quem ainda lamentavelmente não conhece (e a estas alturas já sabe ou calcula o que está perdendo), convido a experimentar. Justamente esta a serventia dos democráticos (talvez nem tanto) canais e tempos de revolução digital, afinal, como ensina o homenageado Nei Lisboa, no seu primeiro CD, pra viajar neste cosmos não precisa gasolina, tudo no melhor estilo Hi-Fi, um dos grandes discos desse verdadeiro gigante da MPB, infelizmente (ou felizmente) ainda adormecido para a “grande mídia”). Mas, enfim, quem precisa dela?

Obrigado Nei Lisboa! (http://www.neilisboa.com.br/)

Que venha o próximo CD!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O caso Berlusconi, a corrupção, a independência da mídia e o sistema de justiça em jogo: paralelo com o Brasil



Na mesma terra em que CESARE LOMBROSO pensou equivocadamente a idéia do “criminoso nato”, sustentando maior propensão à criminalidade de determinados sujeitos portadores de um específico biotipo físico, o atual caricato Presidente direitista SILVIO BERLUSCONI, não apenas tem semelhança estereotipada com a amaldiçoada ilicitude do “colarinho branco” como está envolvido até a “testa”, com bastante verossimilhança, em verdadeiro e grave escândalo de corrupção.

O fato: nesta semana foi divulgada decisão de segundo grau do Tribunal de Milão (por sua 10ª Seção Criminal) condenando o advogado inglês DAVID MILLS por ter prestado falso testemunho para encobrir fraudes em operações financeiras ilícitas de milhões de dólares envolvendo negócios da família Berlusconi e a financeira Fininvest (evasão fiscal, lavagem de dinheiro, etc).

Os advogados e seguidores políticos do premier italiano BERLUSCONI (e o próprio) alegam que a Justiça tomou uma decisão “absurda” e “escandalosamente política” em nome da “oposição”, mas os argumentos apresentados são aparentemente inconsistentes frente a uma decisão judicial colegiada fundamentada e idealmente imparcial.

Mesmo assim, parte da grande mídia italiana divulgou o fato e, ao mesmo tempo, propôs a pauta do assunto buscando enfatizar, de modo “sensacionalista” e “barato” a idéia da guerra entre o sistema de Justiça e o Presidente BERLUSCONI (em italiano: I giudici X Berlusconi), temática logo conectada à discussão sobre a forma de provimento dos cargos da “magistratura” (que, bom lembrar, na Itália contempla tanto as carreiras do Ministério Público quanto do Judiciário).

Pior do que isso só mesmo o fato de parte significativa da imprensa italiana der dado vazão ao monolítico e desesperado argumento de BERLUSCONI, insinuando que a magistrada presidente do órgão colegiado determinante de sua condenação seria sua “inimiga” política declarada por ser adepta ideologicamente de linhas políticas esquerdistas (la sinistra, como dizem os italianos).

Determinado e famoso programa da televisão italiana (que de modo geral, aliás, é de baixíssima qualidade), ao invés de explorar e aprofundar o fato na sua essência, dedicou tempo precioso para discutir o fato da magistrada presidente do Tribunal (NICOLETTA GANDUS) ter participado do Fórum Mundial de Juízes realizado em Porto Alegre em evento paralelo ao Fórum Social Mundial, como se isso denunciasse certa tendência sua a contrariar a linha política de BERLUSCONI...lamentável.

O episódio permite extração de lições boas e más.

Dentre as boas, importante ver que a Justiça Italiana consegue ter rapidez, celeridade e discernimento suficiente para assegurar, em decisão colegiada de segundo grau, uma sanção criminal que, na sua origem, implica e constrange, ainda que indiretamente, ninguém menos do que o Presidente da República de um dos principais países europeus. Igualmente animador é ver que a corrupção (além de não ser privilégio do Brasil), mesmo nas mais altas esferas, apesar de todas as dificuldades, pode ser alcançada e efetivamente perseguida. Verticalizando o tema, forçoso reconhecer que a idéia exorta a importância da independência do Judiciário e do Ministério Público enquanto instituições fundamentais para resguardo do bem comum e do interesse público, seja na Europa, no Brasil, onde for...

Por outro lado, é de se lamentar que o sistema de justiça brasileiro ainda esteja longe, muito longe, de conseguir julgar e efetivar casos desta dimensão com a mesma celeridade e eficiência, a começar pelo fato de o Poder Judiciário não ter regras claras e objetivas que permitam prioridade no julgamento de delitos envolvendo corrupção ou crime de “colarinho branco” (o único critério “tradicional” ainda seguido é o de “réu preso”, classificação que, pela seletividade do sistema penal, raramente ocorre com os criminosos que desfilam de terno e têm largos braços na mídia e nos poderes constituídos).

No contexto do caso, mais uma vez, é de se lamentar a forma tendenciosa que a imprensa de massa explora o episódio, perdendo a essência na particularidade e no subjetivismo, preferindo enfatizar mais uma manchete sensacionalista beligerante de suposta “guerra” ou mesmo insinuar qual seria a opção ou preferência ideológica política de uma das magistradas julgadoras do que, propriamente, explorar a gravidade das provas e do fato em si.

Aliás, é de esperar que o fato de qualquer membro do sistema de Justiça buscar estudar ou pensar criticamente a sua instituição em um Fórum de debates não possa ser tido como vinculação ou “politização” capaz de gerar perda da imparcialidade, mas sim como consciência do dever de aprimoramento e aperfeiçoamento, além de dever de exercício responsável da cidadania, para o bem da própria instituição e, sobretudo, da sociedade.

Tendo Brasil e Itália mais pontos comuns do que a própria e histórica emigração e os laços culturais, sem dúvida que a maneira através da qual determinado fato de corrupção envolvendo alta escala de poder repercute na Itália permite algumas reflexões críticas “tupiniquins”.

Lamentavelmente, não por acaso, recentemente, o operoso (e corajoso) Juiz Federal FAUSTO DE SANCTIS que julgou e condenou um conhecido e poderoso empresário por corrupção, teve sua independência e fundamentação afrontadas dentro da própria cúpula do Judiciário por Ministros do Supremo Tribunal Federal. O mesmo magistrado chegou a ser questionado na sua “ideologia” por parte da imprensa simplesmente porque citou ou utilizou, na fundamentação de sua decisão, argumento de renomado jurista constitucionalista alemão. Nada seria mais surreal se, recentemente, juízes federais que assinaram manifesto de apoio a este mesmo juiz não tivessem sido instados a prestarem “esclarecimentos” pela Corregedoria do Tribunal ao qual estão vinculados... Como já lembrou CAETANO VELOSO, alguma coisa deve estar mesmo fora da ordem, fora da nova ordem mundial...

Em suma, o mais recente “episódio Berlusconi” e seus reflexos na realidade italiana, como se vê, é um significante a partir do qual, sempre no novelo complexo da linguagem, bricolando de cá e de lá (como ensina o Mestre ALEXANDRE MORAIS DA ROSA), podemos construir vários e atuais significados, mais do que isso, verdadeiros “recortes críticos”. O mesmo pode ser dito e feito a partir dos inspiradores horizontes e sugestivos landscapes do talentoso e singular pintor inglês J.M.W. TURNER, especialmente se tivermos firme a idéia de que a literatura, o direito, a arte, o cinema assim como outras expressões culturais, estão (ou precisam estar) em permanente diálogo de fontes...

sábado, 9 de maio de 2009

A crise e os meios de comunicação: a hora de se aprender com Kandinsky...


Por trás do termo genérico “crise”, de se notar que os meios de comunicação de massa, de modo geral, têm exagerado na sua capacidade e poder de (des) informar. Muitos desses veículos de imprensa, na estreiteza de ângulo que lhes é peculiar, ao mesmo tempo em que realizam bombardeio de notícias aludindo ao tema “da crise”, não produzem suas matérias com conteúdo minimamente suficiente e qualitativo para que a sociedade pense o problema com propriedade, a partir da raiz e origem das coisas.

De outro lado, enquanto falta aprofundamento da discussão do alcance e das múltiplas razões e causas “da crise”, nos mesmos jornais, noticiários e periódicos sobra espaço para desfile das vaidades (quando não frivolidades) dos representantes políticos governistas de plantão, intervenções que, por sua vez, não são submetidas ao debate crítico e construtivo junto com a população, no máximo sendo "mediadas" com as intervenções de alguns selecionados “especialistas”, que são quase sempre os mesmos.

O ambiente é de total falta de legitimidade democrática. A pauta da imprensa nacional, inclusive internacional, copia os piores “tablóides” ao se preocupar com as últimas fotos íntimas que foram descobertas envolvendo a esposa de um determinado governante conservador “de direita” ou mesmo com os filhos reconhecidos posteriormente por outro Presidente latino-americano identificado como “de esquerda” do que, propriamente, com a discussão da diferença dos seus governos e discursos. A pessoalidade é a nota predominante. Qualquer reprodução e acompanhamento de encontro ou visita simbólica aqui e ali fica resumido em cumprimentos, fotos, aperto de mão, quando não propriamente limitado à transcrição de frases de ocasião repetidas exaustivamente sem mínima contextualização, como se todos fossemos idiotas.

Muito se diz, muito se fala da tal “crise”, mas dela pouco verdadeiramente se informa.

As cenas, entrevistas, justificativas e múltiplas projeções ordinariamente teimam em limitar o tratamento da “crise” a motivos econômicos pontuais, postura canalha que, de certa forma, mais parece desesperada tentativa de preservar e esconder a verdadeira ruína patológica do sistema capitalista na metodologia neoliberal e sua forma viciada de funcionamento.

Presenciar os noticiários televisivos, abrir os jornais e boa parte das revistas “de massa” é quase como assistir um filme repetido ou reler determinado livro com a diferença de que o roteiro e a pauta dos assuntos pecam sempre pela falta de originalidade, repetem e “papagaiam” sempre mais do mesmo vazio intelectual no qual nada se aprofunda, nada se discute, nada se problematiza, ao mesmo tempo em que tudo é simplificado a pretexto de que esta é a “vontade geral” (será mesmo?).

Tanto é assim que a “milagrosa” receita revelada para evitar maior desemprego e excesso de produção para falta de demanda de bens de consumo produzidos em ritmo industrial é o ópio alienante e desestruturante da sociedade pós-moderna: consumo, de preferência desnecessário e conduzido impulsivamente pelas necessidades artificiais do mercado, ainda mais se for época de Natal, Páscoa ou mesmo Dia do Trabalhador, datas cujo significado social, político e filosófico, de modo geral, passa ao largo de reportagens minimamente criteriosas e informativas.

De outro lado, generoso espaço é dado para que empresários e banqueiros, que até ontem enchiam os bolsos com os benefícios do sistema de exclusão social, apresentem "apelo público" a subsídios governamentais com a chantagem cretina de que, se assim não for, haverá desemprego. Que dizer então quando a imprensa resolve mostrar a "injustiça" e desnecessidade que é se prender uma milionária empresária acusada de sonegar milhões em impostos ? Do mesmo modo, qualquer “pacto” simbólico selado entre chefes de poder ganha apenas destaque inicial sem nenhum tipo de monitoramento e acompanhado da efetividade do que foi proposto, mostrando que a memória deste tipo de mídia costuma ser altamente fraca e "seletiva".

Todavia, por mais que a grande imprensa pareça ignorar, há quem diga e sustente que o problema “da crise”, muito mais do que passageira tempestade financeira e econômica, passa pela constatação de fracassos da ordem civilizatória.

A falta de identidade, a perda de sentido e sensibilidade nas relações humanas, o fracasso do Estado no cumprimento do seu papel de transformar a realidade somados à ausente quando não propriamente inexistente regulação econômica e financeira da lucratividade do capital parecem ter maximizado os problemas da “globalização” como fenômeno feito para dividir o planeta dialogicamente entre ricos e pobres, entre os que consomem e os que precisam aprender a conviver com a miséria e falta de oportunidades.

A falta de uma imprensa “engajada”, livre, conectada com a população e comprometida com todos os valores do Estado Democrático de Direito pode ser o último ingrediente que falta para que, dentre muitos e plurais problemas, o caos esteja cada vez mais instalado entre nós...

Todavia, caminhos equivocados até aqui seguidos cegamente e não raras vezes sem críticas precisam ser revistos.

Qualquer que seja o prisma do exame, dependendo da “paralaxe” e da perspectiva, na melhor expressão de ZIZEK, afastado o mito histórico e ilusório da liberdade da auto-regulação do mercado como princípio (tanto é que se voltou a falar de KEYNES como nunca) e muitas outras premissas repetidas sem massa crítica, reforçada a crença de que a atmosfera de um mundo mais justo não só é possível como algo urgente e necessário, é de se lamentar o fato de que os atuais representantes dos países historicamente imperialistas (e também a imprensa), no fundo, pareçam estar mais preocupados com o seus problemas egoístas e comerciais internos do que, propriamente, investidos de solidariedade necessária para buscar soluções “globais” de redistribuição de renda e fundos que permitam romper com o desemprego, com o trabalho escravo, com os bolsões de pobreza, com a desaceleração da economia, com a xenofobia, com o financiamento da indústria da arma e da guerra (que faz o verdadeiro terrorismo oficial) e tantos outros problemas vinculados à crise, que, para quem quiser e puder “ver", certamente, vão muito além do que tem sido cotidianamente reproduzido quase xerograficamente...

Basta olhar de modo crítico o quadro que temos para se perceber que a superação da tal “crise” vai muito além de alguns cênicos e cínicos quadros midiáticos que, no fundo, escondem a preocupação de se manter a hegemonia de um sistema que, até aqui, em muitas dezenas de anos de utilização, fez poucos prosperaram ao custo de determinar que muitos tenham de nadar no meio da miséria...


Nesse prisma, não é exagero entender que os mesmos privilégios da monarquia e as mesmas deficiências do Estado Absolutista do Antigo Regime continuam sendo mantidos, ainda que sob “máscara” e "roupagem" atualizada.


O que a maior parte (senão a totalidade) dos países ricos estão tentando fazer até agora, não passa de uma “improvisação” borrada e insuficiente para melhorar um quadro que precisa de traçar novos contornos, de preferência com outras e mais democráticas cores...

Assim, se o efeito impactante da crise demonstra a desgraça de um modelo econômico injusto e perverso, somente a mudança radical de paradigmas poderá permitir a abertura de um novo panorama, o que não se faz com puro e vazio simbolismo, mas sim com uma ação virtuosa, criativa, continuada, eficaz e, sobretudo, libertária (o trabalho do gênio russo KANDINSKY que o diga...).

É hora de se rever o pacto entre as nações ricas e pobres, incluindo as relações de cidadania, comércio a relações exteriores. É hora da imprensa cumprir com o seu papel de permitir a discussão destas questões com o conjunto das forças vivas da sociedade.

Vale arriscar alguma perspectiva. Enquanto, por exemplo, os países historicamente imperialistas e ricos (notadamente o vizinho norte-americano e os gigantes eurocentristas) e também a imprensa não tiverem a alteridade verdadeira (não simplesmente oportunista), de enxergar a África, a Ásia, a América Latina e a parte “marginal” do resto da Europa como espaços de necessário fortalecimento da dignidade dos seus povos, nada virá de novo.

Nesse contexto, recomendável que cada cidadão tenha extremo cuidado para não ser seduzido pelo "canto" simplistas aparentemente persuasivos, porém desacompanhados de base teórica ou medidas práticas adequadas para a sua concretização. Sugestivo que cada “ser-aí” trate de otimizar seu tempo para escolher muito bem o que lê e o que assiste para (re) determinar suas idéias e ações na vida em coletividade.

Sem mudanças estruturais no projeto da sociedade, sem a percepção de que “a crise” do capital financeiro também parece ser resultado do colapso de valores e de objetivos de um modelo de sociedade “doente” e plena de desigualdades, tudo continuará exatamente mal e ao mesmo tempo "fácil" como está.

“A crise” externa não pode ser desculpa para todos os problemas, mas sim ser o ponto de partida para a discussão e busca de uma nova constelação de modelos de ser e estar em sociedade.

É preciso que a imprensa divulgue bases teóricas e práticas para surja novo e libertador projeto coletivo capaz de permitir uma convivência mais equilibrada ou, do contrário, o estado de crise e exceção que hoje vivemos (AGAMBEN) pode se tornar permanente, a face dura e cruel do verdadeiro e oficial “terror”, que não pode continuar sendo patrocinado pela omissão de grande parte dos meios de comunicação.

A cruel ditadura do mercado financeiro precisa ter fim e limite na busca da dignidade e no reconhecimento do “outro” como também “meu” espaço de realização.

Enquanto isso, de se acreditar que minoritária fração “livre” da imprensa possa exercer o papel pedagógico e crítico de catalisar e problematizar estas questões. Abastecer a população de informações eficientes para estruturação dos sentidos e das percepções capazes de conscientizar a coletividade da necessidade de se construir uma nova agenda pode ser importante e decisivo caminho para se construir algo novo.

Veja só como isto é! Será que no efeito e no tempo global já não chegou a época da imprensa livre fazer a diferença?

Enquanto se pensar que a solução para a crise está em se aceitar na simplista injeção de recursos públicos, nos bancos, nas multinacionais e em todos aqueles outros organismos que já se beneficiaram histórica e parasitariamente desse mesmo sistema, tudo o que estará fazendo é continuar dando mais, justamente para quem menos precisa, o que infelizmente não é nenhuma novidade.

A “crise” pode ser uma oportunidade de transformação, mas isso para quem quiser ou tiver meios de entender que o seu alcance e os motivos de seu estrago vão muito além do Estado continuar vivendo mais para servir o mercado financeiro e os interesses do capital do que para executar as políticas públicas necessárias para maior igualdade social.

Que a imprensa “informe” para que o povo, cada vez mais e melhor habilitado e capacitado no exercício do seu discernimento democrático (como sempre tudo passa pela educação), possa tomar sua consciência e cobrar dos governos mudança de rumo que entender necessárias para construção de maior justiça social.