segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Limite de propriedade rural: uma alternativa para reforma agrária?




1. Por mais incrível e assustador que pareça, há quem pense que a causa da terra e da luta por efetiva reforma agrária não é uma prioridade nos (des) caminhos da República brasileira. Até mesmo no discurso necessários dos direitos humanos o tema parece um tanto quanto esvaziado...a ver.

2. 2. A temática da reforma agrária os mais ferrenhos racionalistas e “idiotas da objetividade” (Lobão), mesmo os homogêneos “pingüins” (Warat) dos interesses dominantes, deveriam ter em conta os dados comprobatórios de que, desde a colônia, desde o império, a concentração fundiária constitui um verdadeiro câncer na construção de um emancipatório projeto de sociedade brasileira. Em tempos de celebrarmos a “independência” (numa história desconhecida ou seletivamente esquecida pela maior parte da população), talvez seja o momento de pensarmos um pouco nisso. Lutar pela reforma agrária, por (re) distribuição das terras deveria ser um necessário e positivo clichê, um lugar-comum, mas infelizmente assim não acontece, ao contrário, movimentos sociais que levantam esta bandeira não raras vezes são criminalizados por suas ações, verdadeiramente colocados à margem...

3. 3.Não por acaso as instâncias políticas e estatais estão terrivelmente infestadas de personagens e bancadas representativas de interesses patrimoniais egoísticos de mercado, mesmo nos espaços onde a pauta de reivindicação deveria guardar coerência com as reais e existenciais pretensões da sociedade civil. A microfísica do poder (Foucault) as vezes parece estar próxima de tudo, menos dos verdadeiros e necessários anseios eminentemente sociais...sobra ranço e falta espírito critico na discussão deste problema nacional e, por conta disso, a sensação não pode ser outra a não ser de dupla crise: de representatividade e legitimidade.

4. 4. Recentemente, importante mobilização social tornou a dar voz e, porque não, uma certa dose de esperança para discussão e enfrentamento deste grave problema (http://www.limitedaterra.org.br).Conheça!

5. 5. A ideia é propor discussão e estabelecimento da alternativa de imposição de limite à propriedade rural no Brasil a partir de um número máximo de módulos fiscais. Ainda que a pretensão porventura não alcance nova formatação constitucional), se servir para problematizar a efetividade do que hoje temos como normatividade e política de Reforma Agrária (muito ou pouco, depende da perspectiva), talvez já tenha um grande e transformador sentido.

6. 6. O módulo fiscal é uma referência estabelecida pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) cuja dimensão é variável em cada região e localidade brasileira de acordo com várias regras e indicadores, dentre as quais a situação geográfica, qualidade do solo, relevo, condições de acesso.

7. 7. Num pais de quase 190 milhões (esperamos o CENSO 2010), mexer nesta estrutura impactaria pouco mais do que 50 mil latifundiários-proprietários de terras...

8. 8. A questão é de Justiça Social voltada a fazer valer a função socioambiental da propriedade, também destinada a assegurar meios de financiamento e de subsistência aos pequenos produtores rurais, que são os que verdadeiramente produzem a maior parte dos alimentos e trabalham para cumprir os objetivos da República (artigo 3o), para quem o Ministério da Agricultura e os Governos mais deviam ter “olhos” e “ouvidos”, porém infelizmente assim não acontece...

9. 9. Pensar no limite de terras a partir de um teto máximo de módulos fiscais (35 unidades) implicaria na (re) descoberta de 200 milhões e hectares para redistribuição, podendo a indenização hoje gasta com reforma agrária permitir outros benefícios para que a sua implementação constitua-se numa realidade....que tal passar o 07 de setembro pensando a perspectiva nacional a partir desta forma de “independência”?

10. 10. Dado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2006 indica que nada mais nada menos do que 2,8% das propriedades rurais brasileiras são latifúndios e ocupam mais da metade da extensão territorial agricultável no Brasil (56,7%), ainda que os meios de comunicação “social” deste tema não se ocupem.

11. 11. Falar no agronegócio/hidronegócio como eixo para sustentabilidade alimentar é uma grande ignorância, uma cínica falsificação da história, pois estas atividades, na verdade, ocupam-se mesmo primordialmente são da soja, da cana-de-açúcar e eucalipto, tudo o mais que for e puder permitir exportação em larga escala, ao passo em que é a agricultura camponesa familiar que gera 70% dos alimentos produzidos e consumidos pelos brasileiros. O caminho da soberania alimentar, como se vê, é o caminho da reforma agrária, passa longe do agronegócio...

12. 12. Agregar valor à matéria-prima nacional para desenvolvimento da indústria e fortalecimento do mercado interno, essa lamentavelmente não foi e ainda não é uma preocupação dos interesses dominantes... A propósito, a quem será que interessa manter tudo como está?

13. 13. Em tempo de renovação democrática, em época de Eleições 2010, talvez seja o caso de cada cidadão estudar com mais atenção os projetos dos candidatos no enfrentamento do tema, ainda que o conteúdo ou a simples omissão da questão possa ser uma questão imposta pela “ditadura econômica” responsável pelo financiamento das campanhas;

14. 14. Usted, “caro (e) leitor”@, o que pensa de tudo isso?

quinta-feira, 22 de julho de 2010

L’université d’aujourd’hui: “olho” na universidade de hoje...com Derrida


“Cuidado com o que abre a Universidade para o exterior e para o sem-fundo, mas cuidado também com o que, fechando-a em si mesma, não criaria senão um fantasma de cercado, a colocaria à mercê de qualquer interesse ou a tornaria perfeitamente inútil. Cuidado com as finalidades, mas o que seria uma Universidade sem finalidade?” Jacques Derrida – “As pupilas da Universidade”.

1. Num mundo cada vez mais marcado e atravessado pela necessidade de busca de cultura e conhecimento (knowledge), na denominada “era do vazio” (Gilles Lipovetsky), nunca podemos esquecer de repensar e enaltecer o valor macroscópico da universidade enquanto instituição. Afinal, como não falar, hoje, da universidade? Por que não discutirmos a universidade dos dias de hoje?

2. É A universidade, afinal, a ponte de integração entre objeto e sujeitos no caminho filosófico da “consciência” ou da “linguagem”, o prisma que permite que se tenha visão essencial da ciência, a instância interdisciplinar que encontra sua justificativa como palco para acesso a saberes e fazeres necessários para a modificação de nossa cada vez mais perversa e atroz realidade. O desafio é justamente partir deste conceito para verificar se temos hoje, de fato, uma universidade um tanto quanto “insolvente” e incapaz de cumprir responsavelmente com suas finalidades(Darcy Ribeiro), as quais, obviamente, precisam ir muito além do saber tecnológico e científico, buscando o fundamento dos seus fundamentos na cultura civilizatória do infinito, sempre um eterno projeto...

3. Por mais que a razão e a justificativa da universidade, da “academia” criada em meio ao período do Renascimento, esteja na sua origem, no seu próprio sentido, sem dúvida que sua (des) estrutura precisa ser repensada criticamente, tanto na simbiose corpo docente/discente, como, sobretudo, nas suas relações com a sociedade, no seu compromisso e responsabilidade com a formação humanística do futuro, enfim, com uma visão prospectiva do tecido social, algo muito diferente de uma lógica alienante de mercado com (más) intenções que não passam da superfície.

4. Dominar e cultivar os saberes humanos formativos em tempos de esvaziamento e de perda de referencial é a árdua missão da universidade da cambiante e mutante pós-modernidade, para a qual precisamos ter “olhos” bem abertos e críticos, sobretudo.

5. Cristovam Buarque, ao escrever sobre a “aventura da universidade”, pensou esta de modo “tridimensional”, como instituição que deveria estar vocacionada para exercer tríplice gestos de realização da humanidade:

5.1) gesto técnico para manipular e transformar o mundo;

5.2) gesto epistemológico capaz de estimular a contemplação e o conhecimento;

5.3) gesto poético que magnifique a beleza do ‘deserto’ e mostre o prazer do conhecimento.

Essas três qualidades diferentes combinadas podem indicar um pouco do que seria a “universidade total “, algo capaz de estimular a “qualidade criativa” em detrimento da “mediocridade repetitiva” e um tanto quanto utilitarista, lamentavelmente tão presente aqui e acolá.

6. A propósito, num universo do ensino onde o público cada vez tem menos espaço frente ao privado (dados de 2000 indicavam um total aproximado de 1100 instituições de ensino superior – IES das quais 200 são públicas e 900 são privadas), para uma estrutura de acesso ao ensino superior ainda lamentavelmente “seletiva” (o último censo do IBGE revela que o Brasil possui apenas 6 milhões de cidadãos com curso superior), discutir a universidade é renovar a esperança pela formação de uma nova e revolucionária capacidade de cidadania, de mobilização, porque não dizer de modificação de pensamento, de sedimentação de uma cultura identitária e ao mesmo tempo emancipatória.

7. Certo é que investir em pesquisa, em produção científica, é apostar na formação e sabedoria de todo um povo nos seus projetos de futuro, ainda que isso dependa muito mais da qualidade do que da quantidade de trabalhos, algo de que deveria ser considerado para que houvesse menos pressão e opressão acadêmica por “publicações”, atitude que muitas vezes exerce efeito inverso de produzir conhecimento original e transformador, por mais que gere ilusórios dados e estatísticas...Não se pode querer progredir cientificamente por aparência, salvo se o objetivo for produzir uma estatística panfletária incapaz de dizer e traduzir efetiva melhora no “estado de coisas”.

8. Ambiente de descobertas, território de conhecimento, espaço de trama dos arcos da complexa e por vezes conflitante arquitetura do “saber” e do “poder”, certo é que os tempos pós-modernos de capitalismo exacerbado e de busca desvairada de “quantidade” numérica em detrimento da “qualidade”, num ritmo verdadeiramente “industrial”, podem impactar a universidade e o produto do seu resultado, afinal, é muito fácil, assim, legitimar a impostura e a farsa intelectual, especialmente quando um mesmo estudo “camaleão” pode assumir diversos títulos, formas e apresentações...a quem se quer enganar? É assim que legitimaremos a produção e legitimação dos títulos da universidade nos dias de hoje?

9. Há quem queira reforma, a repolitização social do espaço da universidade e das instituições de ensino superior, meios mais justos e equitativos de acesso, mas tudo isso representa apenas uma fração dos muitos temas que precisamos discutir quando falamos da universidade de hoje...

10. A universidade também é espaço da vaidade desmedida, muito longe da auto-estima saudável, vaidade esta que, infelizmente, as vezes é encontrada em muito maior profusão do que a desejável autoridade epistêmica e deôntica, esta sim qualidade própria dos verdadeiros e vocacionados Mestres, aqueles que plantam nos alunos aquilo que adquiriram de melhor, que aceitam a dúvida, que admitem não terem resposta para tudo, que adoram a divergência de posicionamento, professores na melhor acepção da palavra que marcam a passagem de cada um de nós pelo ensino superior, enfim, aqueles que fazem a universidade ainda ter crédito e o respeito institucional de sobra.

11. É justamente a comunidade acadêmica universitária engajada que sabe o quanto de responsabilidade social precisa ser resgatada na universidade, de preferência sob o foco critico “desconstrucionista”, no melhor estilo “derridiano”. Difícil é saber por onde começar...

12. Tal como o espaço escolar precisa ser preenchido e compartilhado com as famílias e comunidades, com elas estabelecendo verdadeiro nexo de pertencimento, da mesma forma a universidade precisa ser o espaço e a lente ajustada e equilibrada pela qual a sociedade pós-moderna vai repensar suas práticas, seus valores, enfim, os rumos e o trajeto para onde quer e deseja caminhar.

13. Dominar e cultivar saberes humanos em tempo de dissolução de referenciais e, mais do que isso, saber distribui-los, rediscuti-los para partilhá-los horizontal e democraticamente em prol de um projeto é um caminho e tato a seguir...por aí também passa o repensar da universidade e de suas relações com a sociedade.

14. Muitas perguntas reflexivas sobre o rumo da universidade podem ser feitas, dentre as quais, por exemplo:

- Como abordar o problema da responsabilidade da qualidade tanto do ensino e da pesquisa universitária num contexto atual de “crise”, no mar de “utilitarismo” sedante?

-Qual o grau de clivagem, de divisão, de fragmentação, entre corpo docente e discente?;

- O que faz uma boa aula? Transmissão de conhecimento ou de experiência?

- Qual é a cadeia identitária performática da universidade dos dias de hoje? Qual a “verdade” a ser buscada? Aliás, será que existe alguma “verdade” a ser buscada?

- Quais os termos e as condições da responsabilidade universitária? Qual a sua axiologia Que equilíbrio hoje temos entre graduação, pesquisa e extensão?

- Quais as fronteiras e os limites da universidade ideal? Quais são suas ideologia, as falas, os discursos dos vícios e das virtudes do ser-universidade?

15. Em suma, como questiona DERRIDA, “qual é a legitimidade desse sistema jurídico-racional e político-jurídico da universidade? (...) essa universidade (...) qual é a necessidade que se tem dela?”. Interrogar as formas de saber e as pretensas verdades, talvez aí esteja um dos seus múltiplos sentidos...

16. Muito melhor que sejamos otimistas repensando a questão do que simplesmente deixarmos as nossas oportunidades e chances civilizatórias no caminho do capitalismo e da nossa ainda um tanto quanto formal democracia, duas grandes idéias vitoriosas e hegemônicas do século XX ainda não postas totalmente à prova, mas pelo menos um pouco mais discutidas...

17. Discurso, fala e leitura capaz de articular teoria e práxis, isso também se espera da universidade, esta milenar instituição que, se antes era responsável pela busca da verdade, agora, com a retirada do véu do alcance impossível, hoje, precisa estruturar-se sobre outras bases. No caso particular do Brasil é de se pensar para onde vai a “autonomia” universitária assentada constitucionalmente... Será que esta autonomia é efetivamente exercida em favor da razão que inspira a universidade como local de convivência da diversidade, seja na graduação, na pesquisa ou no ensino? Será que todas as garantias servem para mostrar que a universidade não pode operar na lógica empresarial ou, pelo contrário, estimulam este desvio de perspectiva?

18. Tramar o arco complexo da arquitetura do saber e do poder para que a universidade seja o ideal espaço de liberdade criativa epistemológica, não mera repetição acrítica da doutrina dos “Mestres”, não uma reducionista cooptação intelectual manipuladora incapaz de conviver com uma desejável estão democrática do ensino capaz de gerar massa intelectual transformadora do Estado Democrático de Direito. Mais do que mera e mecânica transmissão de conhecimento, a universidade precisa ser palco humanizado para debates, espaço de superação da individualidade cega do homem moderno, correia para descoberta do senso de coletividade necessário para uma viver mais e melhor junto.

19.Estabelecer mecanismos e discursos que permitam repensar o princípio e o fim da universidade como instituição produtora e não simplesmente reprodutora de conhecimentos e competências capaz de integrar e superar a dicotomia teórico-prática em benefício de um novo projeto de sociedade. Compreender a universidade e seus corpos como um simples “papel em branco” a ser progressivamente instrumentalizado e funcionalizado na busca de conhecimento transformador da humanidade. Esse o desafio...Mais do que nunca (des) construir é preciso... lição de Derrida.

sábado, 22 de maio de 2010

Ainda os Beatles...40 anos depois



“living is easy with eyes closed - viver é fácil com os olhos fechados

misunderstanding all you see - sem entender tudo o que você vê

it’s getting hard to be someone - está ficando difícil ser alguém

but it all works out(...) - mas tudo parece funcionar bem

it doesn't matter much to me - e isso não importa muito para mim"

(strawberry fields forever)



  1. Eles revolucionaram a música mundial. Compuseram um marco difícil de ser superado em muitas dimensões e direções, mais do que isso, foram um verdadeiro e singular fenômeno.
  2. Os tempos eram justificadamente de histeria, da procura de novos símbolos e significações... Depois da “beatlemania” o mundo nunca mais foi o mesmo. O brilho dos Beatles é a prova viva de que Nietzsche estava particularmente certo ao afirmar que a vida sem música seria um erro. Para muitos, a “maior banda de rock” de todos os tempos é um paradigma imbatível e insuperável, bússola e termômetro do passado que ainda ilumina presente permitindo projeção de um novo futuro....
  3. A personalidade e o pensamento crítico-reflexivo de John Lennon, a musicalidade criativa de Paul McCartney, os bons arranjos de guitarra do também compositor George Harrison e o ritmo firme da alegria contagiante de Ringo Star deixaram, de fato, muita saudade. Já são duros 40 anos sem a lucidez dos Beatles e a impressão é de que nunca haverá tanta genialidade musical reunida.
  4. John e Paul se conheceram em 1957. Juntos, somavam apenas 32 anos. Eram, portanto, precoces na deflagração de uma grande parceria, ainda que posteriormente tumultuada e recheada de brigas. Em 1958 esta próspera dupla Lennon-McCartney é reforçada pelo ingresso de George Harrison, então com 15 anos.
  5. A partir de 1961 mudanças significativas ocorreram com os “Fab Four”. Dali para diante apareceu o grande “manager” Brian Epstein, que assumiu a criação e os mais importantes conceitos de identidade do quarteto mais famoso de todos os tempos. Ao lado de um competente e leal empresário, tiveram os Beatles o produtor musical George Martin, para muitos uma espécie de “quinto” integrante, responsável pela assunção de Ringo Star na bateria. Tinha tudo para dar certo, e assim foi. Estamos falando dos idos de 1962 e o quarteto já estava completo.
  6. Na trajetória de sucesso dos Beatles houve mais de uma dezena de discos (Please Please Me, With the Beatles, A Hard days night, Beatles for sale, Help, Rubber Soul, Revolver, Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band, Magical Mistery Tour, The Beatles, Abbey Road e Let it be), álbuns de inúmeros e multifacetados conceitos, marcantes e diferentes capas. Foi mais de uma década fabulosa de letras, ritmo, música e, sobretudo, descobertas.
  7. Eles revolucionaram uma época de muitas transformações e reivindicações, souberam conciliar a condecoração junto à Rainha da Inglaterra com a exótica visita à Índia e, apesar de tudo, tiveram muito mais encontros do que desencontros...
  8. Não por acaso, sinalizaram um caminho singular “across de universe” (aliás, está aí um ótimo filme do gênero musical contemporâneo para reviver e refletir com os Beatles)....As canções partiram do trivial, começaram falando de amor, de romantismo adolescente, mas logo depois já saiam dos chavões juvenis apelativos do “please please me”, do “love me do”, do “can’t buy me love”, do “i wanna hold your hand”m, do “she loves you” para horizontes muito mais críticos, para letras um tanto quando densas e reflexivas sobre os conturbados anos 60, tempo de Vietnã, de busca dos direitos civis, de Luther King, da revolução cultura chinesa, dos progressos espaciais russos, e de tanta coisa mais, algo bem propício para que se pensasse em “help”... No ápice da efervescência cultural dos Beatles, não é difícil compreender suas canções como verdadeiras aulas de crítica social, de sociologia, de metafísica, de espiritualidade e, porque não, de muita filosofia, de lição de vida... Afinal, é exatamente dessa possibilidade de múltiplas interpretações e versões que se alimentam os clássicos.
  9. Os Beatles marcaram a história... deram vida, cor e sensibilidade a uma geração toda de pós-guerra, que queria muito mais do que “a day in the life” (“i saw a film today, oh boy..the english army had just won the war..a crowd of people turn away, but i just had to look... uma sociedade que pretendia libertação, não se contentava com o que tinha, que aspirava mudar e revolucionar o mundo (“you said you want a revolution... well you know, we all want to change the world...you tell me that it’s evolution... well, you know, we all want to change the world...
  10. O engajamento rebelde e positivamente transgressor dos Beatles permitiu que o sentido e o “recado” da banda representasse arte para além do palco e dos sucessos nas rádios. Os Beatles inovaram conceitos, invadiram o cinema, fizeram filmes de vários gêneros, incluindo desenhos animados, souberam direcionar o talento para encantar e hipnotizar toda uma geração, ensinando-a a atravessar a “hard days night” pela “faixa de segurança” da Abbey Road, sem esquecer da fantasia infantil do “yellow submarine”... and “the magical mistery tour”. Com eles aprendemos que a vida guarda coincidências e muitas surpresas, tudo depende de onde e como se está. Não por caso esses célebres britânicos permanecem no imaginário coletivo da música mundial com uma atualidade impressionante e inquestionável: a marca da imortalidade.
  11. Ouvir Beatles, mais do que resgatar uma febre nostálgica do passado, é não só viajar no tempo mas, sobretudo, aprender meios de superar, com sensibilidade, os muitos momentos difíceis da existência, saber buscar força na frustração... Com Beatles podemos ir da reflexão pessimista ao otimismo desenfreado, firme na crença de que nunca, por nada, devemos nos deixar derrubar. Se alguém duvidar, que ouça a busca de forças de aprimoramento nas estrofes simétricas de “Hey Jude”... saiba esperar o calor da hora da chegada do sol para ver que dará tudo certo (“he comes the sun”), sem esquecer de experimentar a melódica ideia de perseverança acima de tudo (“don’t let me down”). Fugindo do senso comum e do cotidiano, os Beatles deixaram mensagem, a sabedoria de saber que tudo pode ser transformado, modificado, a depender da forma como enxergamos as coisas, do prisma, desafio de paralaxe....
  12. De Liverpool para o mundo, do “Cavern Club” para a BBC e os estádios de futebol, certamente não são poucos os qualificativos que fizeram (e fazem) dos Beatles, para muitos, simplesmente o maior conjunto musical de todos os tempos!
  13. Eles definitivamente puderam dizer muito mais do que as coisas de todos os dias (things we said today), proporcionando uma experiência musical até então inédita e extraordinária. Sentir os Beatles é mais ou menos como começar uma viagem sem fim, cheia de dúvidas, criatividade, sinais de de duplo sentido (“Lucy in the Sky with Diamonds...tangerine trees and marmalade skies” - precisa dizer mais?)
  14. Partir de uma música triste para algo melhor, saber enfrentar a vida com coragem, superar dificuldades sem medo, apanhar, colher, encontrar, conquistar, aprender sempre a melhorar, por aí se vê apenas algumas passagens de um grande aprendizado..”hey jude, don’t make it bad, take a sad song and make it better, remember, to let her into your heart, then you can start to make it better (...) hey jude, don’t be afraid, you were made to go out and get her.
  15. Até mesmo a busca de um melhor caminho para a humanidade, com Beatles, pode ser um pouco mais fácil do que parece. Quem sabe uma fração importante do tanto que hoje nos falta esteja em lembrarmos de ter um pouco mais de “amor” e olhos pelo outro, na diferença, na convicção humilde de que “there’s nothing you can make that can’t be made. No one you can save that can’t be saved. Nothing you can do, but you cant learn how to be you in time...it’s easy. Nunca é demais lembrar que ainda estamos longe de viver tempos de paz...
  16. Embora haja muita polêmica sobre as causas do fim e da separação dos Beatles (abril de 1970), ainda que a busca desesperada de culpa oscile do ingresso de Yoko Ono na vida de John Lennon à vaidade egoísta e antiética de Paul MacCartney na busca de sua carreira solo, entre diversas outras versões, o fato é que eles tiveram o mesmo fim, o mesmo ponto final que existe para tudo que um dia começa... A finitude que permite a atribuição de sentido (Heidegger), inclusive, para os 40 anos de saudade e de paciente espera para que algo de novo possa acontecer na música mundial...
  17. Não esqueçamos porém que a música não vem isolada do seu contexto e das suas circunstâncias... e nesses tempos difíceis, a falta de novos “Beatles” não são nada mais do que reflexo da pós-contemporaneidade, período em que nos falta "pertencimento" na mesma proporção doente que nos sobra alienação e desvio de perspectiva.
  18. Enfim, com os Beatles reside uma parte de toda nossa grande angústia, a lição e o desafio do porvir, de nossas históricas e existências. All we need is love! Ou será que precisamos de uma mensagem melhor para o mundo de disputa atômica, do capitalismo desenfreado, de cega intolerância racial, étnico-religiosa, da destruição do planeta pela contínua e desvairada devastação ambiental?
  19. E por falar em amor, amar os Beatles, mais do que tudo, “it’s a love that last forever, it's a love that has no past” (é um amor que dura para sempre, um amor que não tem passado). Já se foram 40 anos e o legado do quarteto continua transcendendo, teimosamente embalando e oxigenando os anseios das novas gerações...

domingo, 9 de maio de 2010

"Sociologizando" sobre a “arte” do “viver junto”: legado de Roland Barthes




“tomaremos o viver junto como fato essencialmente espacial (viver num mesmo lugar)... em estado bruto, o viver junto é também temporal” (Roland Barthes)

“O que eu quero é que o engajamento e o vazio - postos juntos - criem um sentido” Thomas Hirchhom

1. Certa feita já se disse que se alguém pode ser qualquer um, todo e qualquer um também pode ser alguém. Tudo depende do “script” e dos papéis, de “onde” e “como” cada indivíduo encara a responsabilidade do seu existir, do seu atuar cotidiano, esteja ele agindo só ou, especialmente, experimentando a vida gregária. Hora de pensar na “contemporaneidade”, colocar Roland Barthes "debaixo do braço" e aproveitar a relatividade do tempo e do espaço para (re) pensar e (re) projetar os termos do nosso atual “contrato social” (Rousseau), que talvez já esteja clamando por uma revisão. Afinal, não se desconhece todos nós precisamos de um vínculo em comunidade (Ahlam Shibli). A questão é: "how to live together"?

2. Vivenciamos duros tempos pós-modernos de individualismo exacerbado, de impaciência, de angústia, de escassa e mínima solidariedade. Os elos sociais estão cada vez mais atenuados. Pensar em si soa quase como monolítica obrigação, verdadeiro imperativo categórico (Kant). Definitivamente, o contexto dá a falsa impressão de que não compensa atuar coletivamente. Dilui-se, cada vez mais, reconhecimento da importância da vida em comunidade (o filme argentino “Luna de Avellaneda”, a propósito, propicia uma qualificada reflexão nesse sentido).

3. A impressão que é que estamos perdendo a coesão social e, nesse contexto, aprender a “viver junto” parece ser cada vez mais difícil. Precisamos de uma solução política que melhore e estimule o bem-viver e a convivência em todos os níveis, enfim, algo precisa se mover no (des) encaixar de peças da (des) agregação. Entre ordem e caos, do individual ao social, há de se encontrar o ponto de equilíbrio.

4. Os subsistemas família (socialização primária) e escola (socialização secundária) ainda não assimilaram as mudanças e transformações paradigmáticas necessárias, estando ambos em crise e à espera de necessária e urgente reformulação. Fazer com que a família esteja funcionalizada para estabelecimento das margens e dos limites necessários, bem como propiciar reconstrução do processo “ensino-aprendizagem” com internacionalização de diferencial pedagógico para aqueles alunos que não se enquadram nos formatos convencionais, sem dúvida, são dois enormes desafios que temos pela frente, seja para o núcleo familiar, seja para a escola. A família e a escola, aliás, mais do que nunca, precisam articular-se na ótica do “viver junto”.

5. Apesar disso teimamos e hesitamos... Reproduzimos, de modo automático e acrítico, já há algum tempo, pretéritos e embolorados pensamentos, assumimos atitudes impostoras de senso comum e, por isso, somos incapazes de reconhecermos a visibilidade do “outro” que, quanto mais próximo, mais real, mais “terrorifica” nosso existir "de rebanho" (Nietzsche). Ou buscamos um foco comunitário baseado na alteridade ou então seremos permanentes “estrangeiros” de nós mesmos.

6. Há de se enfrentar, com saber e sabedoria, o desafio conciliador da busca moderna mítica e utópica da razão com o imprevisível com o imaginário do cotidiano, ao sabor dos acontecimentos não planejados, dircernindo teoria da aplicação prática, tudo com a prevalência da criatividade sobre a “standartização”, certos de que a estabilidade e segurança desejadas devem ficar no campo do inalcançável, eterno devir...

7. Nesse balanço, hora de "sociologizar" e discutir qual é o ponto de gravidade central nas relações sociais, se conflito (luta), cooperação ou outra alternativa. Onde é que crescemos mais e em quais alternativas apostamos para aprendermos a compartilhar a existência, para cada um assumir o protagonismo da sua própria história.

8. É justamente partindo da análise das relações sociais como verdadeiro campo de interação e integração de sensações individuais e coletivas, de objetivos e subjetividades que, mais do que nunca, precisamos enfrentar os duros problemas dos “novos-velhos” tempos.

9. Violência, drogas, corrupção, desmobilização, perda de valores, tudo passa por verdadeiro processo de desagregação, de perda alienada e gradativa da humanidade derivada da falta de um projeto comum compartilhado, da carência de um mesmo horizonte de sonho para a humanidade.

10. O modelo macroestrutural de sociedade no qual estamos inseridos não está nos ensinando e preservando a convivência, de modo que cada vez mais sabemos menos sobre o segredo e a estratégia de “como viver junto”. Em uma palavra: intolerância.

11. No âmbito de um particular recorte, a sensação é de alienação e de impotência frente a existência de uma enorme demanda de problemas para insuficientes/deficientes políticas públicas, qualquer que seja o viés (quantitativo/qualitativo). Na sociedade de massa, saímos do individual para o coletivo, com perda de subjetividade e sem ganhos....

12. Nessas horas que a sociedade precisa cobrar e mostrar sua voz. As estruturas sociais da família, da escola, dos bairros, dos grupos, das ruas, precisam ser estimuladas, fortalecidas, empoderadas, por mais que muito longe disso ainda estejamos.

13. A grande “matrix” do sistema-mundo precisa de um “choque” revolucionário de humanidade. É hora de fincarmos nossos olhos na realidade “tragédia”, assistirmos e nos preocuparmos com os dramas e a decadência, dos mitos gregos aos super-heróis, do contrário o verdadeiro e incontornável fim pode estar mesmo próximo (Watchmen), especialmente se acabarmos sem uma ideologia para viver, sem um convincente e persuasivo “discurso de justificação”.

14. O perigo parece estar por toda parte. Mais do que os pseudos e simbólicos inimigos passageiros de uma sociedade contemporânea esvaziada de qualificados referenciais (as drogas, as armas, os terroristas etc), o maior risco (e verdadeiro medo) pode estar na lacaniana falta de esperança de um horizonte melhor entre indivíduo e sociedade.

15. Pequenos gestos são necessários. Refletir pode ser o melhor caminho..Logo ali do outro lado da esquina pode estar a chance da grande e necessária“ virada de mesa”, o reencontro do laço perdido no passado, o ponto em que perdemos o sentimento de interdependência, a expectativa e crença na necessidade do “aprender a viver junto” (tema da 27a Bienal de São Paulo, em 2006, prova de que a arte pode ser importante ferramenta para a reconstrução político-social tão almejada, o começo de um novo movimento...

16. O método a seguir precisa ser livre, contando que saibamos onde queremos chegar, desde que possamos fugir do dualismo sujeito-objeto, seguindo o percurso livre e caótico da linguagem e suas possibilidades. Se conseguirmos ingressar no ciclo de pesquisa de uma nova base para o “viver junto” já terá valido a pena...trata-se apenas de “refletir sobre o que nós estamos fazendo”(Hannah Arendt) e reconhecer o valor da experiência.

17. Fragmentos de um tecido social que precisa ser trabalhado, (re) construído e (re) inventado...custe lo que custe.....espaço para a “imaginação sociológica”, sempre transgressora...

18. Nesse contexto, basta ingressar na complexa causa Israel-Palestina para mostrar as idas e vindas do mundo nas origens e na sua multiplicidade, na investigação sociológica sobre os lugares distintos da história (sempre feita pelos mais fortes) e solidariedade com seus respectivos agentes e sujeitos. Se estamos diante de “refuseniks” ou “trackers” é do jogo, isso está entre as possibilidades...tudo é questão mais de escolha, mais do que origem. Em último grau, trata-se de responder a questão de Barthes: “A que distância devo me manter de meus semelhantes para construir com os outros uma sociabilidade sem alienação?"

19. Buscar uma nova vida coletiva num bloco-mundo cada vez mais verdadeiramente sem fronteiras para a solidariedade é especialmente recomendável, especialmente quando se quer buscar a senha criptografada do “viver junto”, utopia de todos os ciclos da história. Que cada um possa ir “sociologizando” e refletindo à sua maneira no percurso da sua existência, de preferência sem perder a dimensão da comunidade, da permanente e desafiadora busca de novos parâmetros para inspirar nova circularidade para o “viver junto”, tal como já fez Roland Barthes...

domingo, 18 de abril de 2010

Haiti: angoisse, tragédie et desespoir (angústia, tragédia e desespero)




“um terremoto dilacerou um país que já estava de joelhos”

Dany Laferriève - escritor haitiano


1. Recentemente parece que o mundo acordou e passou a ter olhos para o Haiti, ainda que só por alguns dias...Data: 12 de janeiro de 2010. No mínimo 150 mil mortes num terremoto de aproximadamente 7,3 graus na Escala Richter, devastador evento da natureza que motivou recente e destacada “visibilidade” para o país mais pobre das Américas. Talvez 1/3 da população do país desabrigada (3 milhões de pessoas)...Difícil encontrar palavras para definir o que aconteceu...;


2. Tratou-se do PIOR terremoto ocorrido no país com o PIOR Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do hemisfério ocidental!


3. O Haiti, ex- colônia francesa (cedida à França pela Espanha em 1697, muito próspera no século XVIII devido a exportação e açúcar, cacau e café), além de inúmeros golpes de Estado (mais ou menos 32), já desafiou a escravidão, tendo sido o primeiro país do mundo a aboli-la, posteriormente conseguindo independência heróica diante do simbólico Império de Napoleão (representado por seu cunhado Charles Lecrerc, por uma batalha de 1802...Tanto assim que já em 01 de janeiro de 1804 proclamava-se a independência da primeira República da América Latina: o Haiti.


4. Mas a boa parte da história parou por aí. Apesar desse começo promissor, tudo o que houve posteriormente não foi nada promissor para a civilização haitiana;


5. O massacre do Haiti não passa apenas pelo recente e terrível terremoto, tendo começado muito antes...Para que se tenha uma ideia, em 1825 já tinha o Haiti que pagar pesada indenização à França, de quem antes era colônia. Posteriormente, sucederam-se intervenções militares americanas por aproximadamente 20 anos até 1934, substituídas por abomináveis e cruéis ditaduras nepotistas da família Duvaliers, no caso, François (Papa-Doc) e seu filho Jean-Claude (Baby Doc), isso já nos idos de 1957-1986;


6. Após grande período de instabilidade política, o Conselho de Segurança da ONU aprovou em 01 de junho de 2004 a MINUSTAH, Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, assumindo o Exército Brasileiro papel destacado, ainda que a eficácia da ajuda humanitária deva ser criticamente pensada, refletida e questionada;


7. Muito antes do terremoto, a miséria a a pobreza extrema absoluta há tempos já estão instalados no código genético do Haiti. Afinal, também desde muito antes do terremoto, assiste-se a passividade e insuficiência dos esforços “globais” do mundo dito “desenvolvido” e “civilizado” para trazer melhores condições de vida ao povo haitiano;


8. Para uma população que aumentou dez vezes em menos de uma década, o caos urbano de Porto Príncipe (quase 2 milhões de habitantes), agora, pior de tudo, além de escombros, de miséria, de cemitérios por todos os lados, mescla violação de soberania militarizada travestida de auxílio comunitário...algo a se pensar;


9. Ao invés de ajuda solidária ou humanitária, “ajuda” militarizada, especialmente de parte dos norte-americanos (bases na Colômbia, golpe de Honduras, quarta frota próxima da Venezuela...), é o que mais se vê nas ruas empoeiradas e destruídas do Haiti, onde atualmente existem quase mil pontos de barracas, notícias de necessidade de assentamentos de milhares e milhares de famílias, tudo agravado pela experiência da estação chuvosa, pelo risco da temporada de furacões que inicia em junho....a tarefa não será nada fácil;


10. Como questiona Sandra Quintela, como explicar que a longínqua China envie alimentos que chegam mais rápido que os dos EUA, que está a menos de uma hora de vôo de Porto Príncipe?” São os Estados Unidos de sempre, agora sem Bush, mas ainda tratando o mundo como uma mera extensão do seu quintal...Será que se faz verdadeira ajuda humanitária com “militarização”? E esta é só uma parte do problema;


11. Analfabetismo de quase 50%, mortalidade infantil nas alturas, mais de metade da população na extrema pobreza, população eminentemente urbana para um país contraditoriamente vocacionado para produção agrícola, são esses apenas alguns índices da desgraça humana e do paradoxo que é o Haiti enquanto nação;


12. O terremoto, como se vê, foi apenas mais uma tragédia entre tantas desgraças que há aconteceram para o Haiti, que parece “pagar elevado preço” por ter um dia ousado desafiar a a escravidão e a independência...


13. Não passados muitos dias da Páscoa, celebração religiosa marcada pelo renascimento, pela solidariedade, pela esperança, fé, não é muito exigir pensamento e reflexão sobre as perspectivas de melhora das condições de vida e direitos humanos da população do Haiti...lembrando que lá a população dos católicos é de quase 70%....(a propósito, qual foi a ajuda mesmo do Vaticano?); talvez George Samuel Antoine, Cônsul do Haiti em São Paulo, devesse ter pensado sob este prisma antes de emitir suas lamentáveis e estúpidas declarações logo depois da tragédia; segundo ele, a culpa seria da “maldição do africano” e da "macumba: ABSURDO!;


14. Final de março reunião da ONU em Nova Iorque indicou que 60 países ajudarão com um total de 5,3 (cinco vírgula três) bilhões de dólares nos próximos 18 meses, mas será que isso é suficiente e proporcional à necessidade do Haiti e à possibilidade de grandes economias, como Estados Unidos, por exemplo? Se atentarmos para o fato de que a República Dominicana foi o país que proporcionalmente mais ajuda ofereceu comparativamente à sua riqueza, diferente será a constatação...Estima-se que só os prejuízos do terremoto foram da ordem de oito bilhões ...e aí


15. Pior de tudo é pensar que a corrupção e a ausência de fortalecimento das instituições não trará melhor horizonte ao país, ainda que a prometida ajuda comunitária se efetive no patamar anunciado; não se vê e não se fala no fortalecimento e no empoderamento da população local;


16. Até porque, sem estrutura de fiscalização, mesmo a aplicação de um valor ainda muito insuficiente para cobrir as necessidades da população, não há como se pensar que o combate à corrupção e o fortalecimento das instituições do Haiti não deva ser uma prioridade da ajuda internacional, do contrário não haverá espaço para “políticas públicas”... se a ONU quiser mesmo ajudar a emancipar o Haiti (e não explorá-lo mais), terá de enxergar muito além de uma assistência financeira temporária e superficial que, a rigor, não ataca a causa do problema...


17. Há um governo, um país e um povo hoje a ser fortalecido, teste de fogo para a solidariedade global, para testar se a ONU pode cumprir minimamente com a sua finalidade...e este lugar é o Haiti, lá numa parte da Ilha de São Domingos...


18. (Re) construir um país depois de uma tragédia, em meio a angústia, tragédia e desespero, este o tamanho do desafio do Primeiro-Ministro Haitiano Jean Jacques Bellerive, do Presidente Rene Preval, do enviado pela ONU Bill Clilton e, sobretudo...do mundo....de cada um de nós protestando e interpretando a situação à sua maneira....


19. A situação do Haiti é tão preocupante que, por ela, podemos medir o grau de (in) sensibilidade global para as catástrofes coletivas;


20. Afinal de contas, podíamos estar na condição do “outro” (povo haitiano)... Como é que lidamos com isso? Não por acaso, o que acontecerá para o Haiti pode ser um grande prenúncio do (des)caminho da humanidade...O Haiti está aí para colocar a prova o “espírito de cooperação” (Fidel Castro);


21. “Pense no Haiti, reze pelo Haiti...o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui” (Caetano Veloso)


22. E no meio da angústia, tragédia e desespero, para um país em estado de luto permanente, vamos acompanhar o que virá. A propósito: Conta da Embaixada do Haiti no Brasil - SOS HAITI: Banco do Brasil: CNPJ 04.170.237/0001-71 - agência 1606-3 -c/c 91.000-7 (quem arrisca o saldo da conta?). Contato: embhaiti@terra.com.br.






sábado, 27 de março de 2010

A “democratização da comunicação (social?)” em jogo: a opressão da “grande mídia” - pautas cheias de ideias vazias e, pasmem, recheadas de censura!


“(...) o mundo foi rodando, nas patas do meu cavalo, e nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando, as visões se clareando, até que um dia acordei (Geraldo Vandré)

“Do que vale olhar sem ver?” (Johann Wolfgang Von Goethe)

  1. Em tempo de opressão da “grande mídia”, simples passeio tópico pelo noticiário cotidiano mostra o quanto estamos imersos em pautas cheias de ideias vazias, contaminados por uma imprensa de memória curta, horizontal (não propriamente na igualdade, mas na superficialidade do conteúdo) e cuidadosamente “seletiva”...
  2. A sistemática necessidade de reprodução do pensamento dominante no sistema-mundo não poderia encontrar fluxo mais fácil e livre de qualquer reflexão do que a assepsia dos meios dominantes de comunicação social (social? será mesmo?);
  3. Se a notícia deveria valer pela informação e aprendizado que contém, a regra que assistimos é a mera transmissão de um fato sem a devida exploração das causas e recortes críticos que o tema comportaria;
  4. Ainda que algumas informações possam queimar como fogo em jornal, não é preciso passar muito tempo para que tudo vire brasa, sem direito a “retrospectiva”;
  5. Fala-se em cidadania, em democracia, mas pouco se mostra do absurdo que cerca cada caso. Mesmo o que tem início, perde sua informação lá no meio, num fim que nunca chega...
  6. A reprodução histérica e incessante de uma mesma notícia sob o mesmo enfoque sem profundidade de conteúdo é algo tedioso, quando não propriamente abominável, tendo um sentido muito mais de dominação do que efetiva “informação”, os exemplos estão aí;
  7. Crimes violentos perpetrados sem reflexão sobre o motivo de tanta barbárie na dita sociedade pós-moderna civilizada, mas o que vale (vende) é a histeria de cada caso, de cada crime, as vidas ali em jogo destroçadas, não o contexto...Até mesmo quando se trata de fazer a cobertura de um Júri popular de repercussão, perde-se o espaço da essência, de discussão e esclarecimento sobre o macro (funcionamento do Tribunal, se deve ser mantido ou não, se poderia ser ampliado para outros crimes, se a fundamentação das decisões viola ou não a Constituição) para ficar no micro, no particular, nos detalhes do caso, etc;
  8. Que dizer do caso do “Mr. Arruda”, eleito para o Governo do DF depois de ter comprovadamente mentido no escândalo e participação no episódio da “violação do painel do Senado”, temática esquecida pela mídia gorda, tanto assim ao ponto da Revista Veja (cada vez mais um amontoado de papel cegamente conservador e reacionário) ter lhe dedicado uma capa dias poucos dias antes falando de sua “volta por cima” (aham...vai nessa!);
  9. Entre rádio, internet e tv, sem dúvida que esta última é o meio que mais aliena e desinforma. Nada mais se trata do que uma constatação. Por conta disso todos nós somos um pouco “vidiotas”, como na literatura de Jerzi Kosinki previu...com a diferença que não estamos cuidando do nosso “jardim”, mas tão-só da televisão...
  10. Em suma, há uma total falta de sentido social no controle dos meios de comunicação e, enquanto isso, valores, sistemas e espaços de participação popular seguem sendo ilustres desconhecidos, como os conselhos sociais, as regras básicas da integralidade e gratuidade do SUS (Sistema Único de Saúde), a necessária rede de proteção da infância e juventude, o direito de vagas na educação infantil com parte do ensino fundamental e muito mais;
  11. Infelizmente, na raiz das coisas e dos problemas, da (des) esperança costumeira, ainda mais em ano de Eleição, está a constatação de que falta responsabilidade dos meios de imprensa, a verificação de que ainda pagamos o preço do “jornalismo canalha”, conforme lição de José Arbex Jr;
  12. A velha máxima de que o brasileiro tem “memória curta” é mais viva, cultural e real do que nunca, especialmente quando se constata que José Roberto Arruda ganhou mandato no Executivo, o mesmo tendo ocorrido no Legislativo em relação a Fernando Collor e Paulo Maluf, e assim poderíamos citar outros tantos casos...(e família Sarney, toda de volta ao poder, dizer o quê?)
  13. Por que será que a memória da imprensa é tão “seletiva”? Por que as grandes redes de comunicação do país deixam tanto de lado a “verdade”? Qual o (des) caminho de tanta “manipulação”?
  14. Certo é que alguma coisa precisa mudar na regulação dos meios de comunicação social...há de se determinar o que não pode ser esquecido, o que precisa ser lembrado, até mesmo como aprendizado histórico (trata-se de continuar a aprender com o passado, o que não se faz sem um jornalismo ético, compromissado e responsável).
  15. Fala-se todo dia em terremotos, enchentes, mas, em compensação, nada se diz sobre a degradação ambiental de todo dia, do lixo à extração mineral, da poluição hídrica ao leilão das bacias de petróleo...mas, afinal, a quem isso importa quando a mais destacada manchete “da semana” quer mesmo é explorar e quantificar a fortuna do empresário Eike Batista?) E o que dizer do “silêncio” constrangedor da grande mídia sobre o massacre dos pescadores na Bahia de Sepetiba, da degradação ambiental “autorizada” da construção da Usina de Belo Monte?
  16. Assim como a indiferença e a omissão não deixam de ser uma forma de violência, ainda que não tradicional, salutar que possamos questionar o fato de que a “censura” incide não apenas sobre o que não pode ser visto, mas também sobre o que se quer e se deseja “mostrar”....as vezes de modo explícito, as vezes de forma velada...
  17. O que dizer do Haiti, país focado sobre o que ele é, não o que ele foi e podia ser..país que pagou alto preço histórico por ter desafiado a escravidão, pleno de miséria e desigualdade, que somente ganha destaque (e temporário, de algumas semanas) por conta de um desastre da natureza, ainda que a verdadeira e maior barbárie ali tenha sido provocada pelo homem, de carne e osso, não raras vezes travestida de “paz”....
  18. Como afirma Arbex Junior, longe e não raras vezes promíscuas são as relações entre mídia e poder...dias atrás o foco esteve na Itália, mais uma vez com Berlusconi, a duas semanas das Eleições, flagrado e envolvido numa interceptação telefônica mostrando como se dá a regulação e os assuntos do governo com a grande mídia...cosí...
  19. Cuidado com os conceitos...”censura” não é apenas aquilo que não se vê, mas algo que também se quer mostrar hegemonicamente, num sentido só, sem pluralidade;
  20. Muito do que o mundo é hoje passa pela omissão dos meios de comunicação, que descumprem explicitamente sua função social...mas cuidado Questionar esse estado de coisas é querer fazer retornar a “censura”....aceitar que tudo assim continue medida autoritária...que bela e paradoxal conceituação.
  21. Eis o admirável mundo novo Huxley...quanta confusão...que falta faz a verdadeira “democratização” da informação.
  22. Com bem lembra Michelangelo Bovero, “uma regime não é democrático se não vive uma atmosfera de liberdade, e essa atmosfera não existe se não forem asseguradas as condições mínimas de pluralismo dos e nos meios de informação e persuasão. De que forma? Primeiro, vamos começar proibindo as grandes concentrações da mídia e excluindo da competição política todos que tiverem alguma ligação ou controle, mesmo mínimo, nesse setor”.
  23. Até mesmo porque a liberdade pressuposta na democracia tem como pré-condição adequado acesso e disseminação de educação e cultura, fundamentais ingredientes para desenvolvimento da cidadania, para o despertar de consciência, para afastamento da alienação que tanto prejudica a construção de um projeto nacional efetivamente voltado ao interesse da coletividade; mas isso não se consegue com a leitura de “Veja”, mas sim com busca de meios contra-hegêmonicos, por exemplo, com disseminação de cultura indígena posta na raiz nacional, com promoção e facilitação ao advento de rádios comunitárias; Mas quem de verdade está disposto a apoiar essas iniciativas? Certamente não a “indústria cultura” pautada pela lógica do mercado;
  24. Perceba-se, nesse contexto, o quanto importante foi a edição da primeira Conferência Nacional da Comunicação (CONFECON), realizada de 14 a 17 dezembro de 2009, em Brasília, sob o tema “Comunicação: meios para construção de direitos e de cidadania na era digital”, evento, claro, praticamente sabotado e não divulgada pelas grandes “redes de comunicação”, a quem não interessa nenhuma mudança, especialmente se a ideia vigente for a de que a democratização dos meios de comunicação contribui para verdadeira democratização do Brasil (para que se tenha uma ideia, no só sistema brasileiro os Grupos Abril e Globo controlam aproximadamente 150 veículos); nessas horas é de se perguntar até quando a Constituição da República será “letra morta”, afinal, segundo ela, no seu artigo 220, parágrafo quinto, “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”); que dizer, então, do que consta nos princípios do artigo 221 da mesma Constituição, dispositivo que deveria ser fiscalizado nas emissoras de rádio e televisão, tudo para que houvesse ”preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente”, “regionalização da produção cultural, artística e jornalística”, “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”...
  25. Por falar em “monopólio da comunicação”, hora de resgatar a história... (um convite, que tal começarmos desbravando “A História Secreta da Rede Globo”, de Daniel Herz, Editora Dom Quixote, Porto Alegre, 2009?; recomenda-se também leitura e acompanhamento dos sítios virtuais do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação -http://www.fndc.org.br/, Observatório de Imprensa (http://observatoriodaimprensa.com.br/) e da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária -(http://redeabraco.org.br/)
  26. Nesse contexto, buscar a implementação de um Conselho Nacional de Comunicação, um dos indicativos da conferência do ano passado, pode ser tudo, menos “censura”; a liberdade de expressão vai muito além do sentido tradicional que a ela a comunicação hegemônica quer atribuir; a comunicação hoje, mais do que nunca, precisa ser compartilhada, precisa criar uma agenda de “responsabilidade social”, o povo precisa cobrar!;
  27. A emancipadora comunicação social será aquela que permita fugir da “cega necessidade de incontrolados laços econômicos” em busca da “realização programada das possibilidades humanas” (Marcuse); não há liberdade de expressão sem liberdade intelectual, e a lição aqui também é de Spinoza, filósofo holândes que tanto se debruçou sobre a complexa compreensão do que é ser livre;
  28. Quem detém a (des) informação?...Watch out! Em jogo está a “democratização da comunicação” e sua importância estratégica para mudança do nosso país.

domingo, 7 de março de 2010

A Alemanha, o nazismo e o que restou de Auschwitz: em jogo a capacidade da humanidade enfrentar e aprender com o passado


“(...) enfrentar psicologicamente o que aconteceu não é fácil para muitos alemães. Gerações chegam e passam. Têm de se debater repetidamente com o fato de que a imagem que os alemães possuem de si mesmo está manchada pela lembrança dos excessos perpetrados pelos nazistas, e que outros, e talvez até suas próprias consciências, os culpem e condenem pelo que Hitler e seus seguidores fizeram (...) É uma questão em aberto se, e em que medida, os alemães digeriram seu próprio passado e, em particular, as experiências da era Hitler. (...) o passado de um povo também aponta para diante: o seu conhecimento pode ser de uso direto para construir um futuro comum” Norbert Elias


  1. Grande questão histórica reside em saber se as barbáries e atrocidades do movimento nacional-socialista (nazismo) teriam o mesmo impacto tivessem ocorrido em outro palco que não a Grande Alemanha, terra do Império medieval Romano Germânico e sua duração de séculos, origem da mortífera Guerra dos Trinta Anos (1618/1648) que se alastrou pela Europa, do Segundo Império (Kaiserreich) que foi de 1871-1919, da história de um povo marcado por conflitos, rupturas e descontinuidades, que para muitos sempre teve na sua raiz a busca de hegemonia, hierarquia, supremacia....
  2. A “culpa” e o estigma de alemães terem preconizado a maldição do nazismo ainda haverá de povoar as mentes até hoje abaladas e impressionadas por tanta desumanidade e incivilidade concentrada, sempre desafiando explicação, questionamento e perplexidade. Basta percorrer a literatura e o cinema para que se perceba o quão fértil é o solo do nazismo para reflexões contemporâneas, certo de que o passado deixa “marcas” que precisam ser cicatrizadas para construção de um novo futuro.
  3. Seria o genocídio nazista algo que poderia ter ocorrido em qualquer território ou uma “excepcionalidade” e “particularidade” que somente chegou onde chegou por ter ocorrido no peculiar e complexo processo de formação do Estado Alemão? Difícil encontrar onde está a “verdade” deste “objeto”...(que o diga o brilhante Karl Jaspers, filósofo criador do existencialismo e perseguido pelo regime totalitário de Adolf Hitler)...
  4. Unificada tardiamente em 1871, com destaque para a figura de Otto Von Bismarck e a vitória sobre a França, vencida na Primeira Grande Guerra (1914-1918) com devastadoras conseqüências de dívidas, perda de território e prejuízo marcante na auto-estima, incontestável que Adolf Hitler foi astuto o suficiente para explorar a “derrota” e a crise mundial vigente no período para sustentar que o Tratado de Versalhes (1919) e o que decorreu da próspera República de Weimar (1919-1933) teriam conduzido o povo alemão à fraqueza e à humilhação...Foi assim que o subestimado Hitler construiu a ideia de que o retorno a mais um Império era necessário, inclusive para retomada do “orgulho nacional”...e logo de início veio a invasão da Polônia, o implemento do Estado de Exceção, dentre outras medidas autoritárias negligenciadas num primeiro momento aos olhos das outras grandes nações...(falta de alteridade pela qual a humanidade pagou elevado preço).
  5. Foi na Alemanha que o pretexto estúpido e absurdo de se combater comunistas (que supostamente teriam incendiado o “Reichstag” - sede do parlamento alemão) deu origem ao “terror” de um regime totalitário construído sob medo e marcado por substancial apelo popular da classe média na suposta perspectiva da valorização desse “orgulho nacional” (qualquer semelhança com a ditadura brasileira pode não ser mera coincidência).
  6. Ainda que as razões de perseguição aos judeus remontem a um anti-semitismo vivenciado pela própria história do cristianismo, tamanha era a manipulação e propaganda (Goebbels), tal era a dimensão e o contexto de um nacionalismo historicamente identitário e exacerbado no seio de um povo reconhecidamente marcado por ter psicologia guerreira e bélica, que realmente é difícil saber qual seria o nosso real comportamento se fossemos alemães nos idos do nacional-socialismo praticado entre 1939-1945, entre a ascensão e a queda do Reich...Tudo não passa do desafio da perspectiva, da paralaxe, do desafio que é se colocar na condição do “outro” e de suas circunstâncias.
  7. Como explicar que tanta crueldade foi praticada no âmbito de uma sociedade historicamente desenvolvida e intelectualizada na perspectiva “civilizatória”, berço de expoentes e expressões da intelectualidade mundial? (Lutero, Goethe, Schiller, Weber, Brecht, Wagner, Marx, Beethoven, Kant, Marx, Nietzsche, Heidegger...)
  8. Difícil de entender, da mesma forma, como Hitler pode ter tanto espaço, especialmente quando já havia confessado seu anti-semitismo e seus propósitos quando da publicação da sua obra “minha luta” (Mein Kampf), publicado entre 1925/1926?
  9. No contexto da polêmica, conferir a opinião abalizada do sociólogo Norbert Elias (1897-1990) pode ser um bom começo para melhor compreensão do tema, da herança e do “passado” alemão...Segundo ele, no habitus alemão, “os modelos militares de comando e obediência prevaleceram em vários níveis sobre os modelos urbanos de negociação e persuasão”. Por mais que aí possa residir boa dose da disciplina elogiada dos alemães, que construíram, apesar de tudo, uma nação rica e altamente desenvolvida, a “natureza descontínua do desenvolvimento alemão” é uma realidade que não deixa de ser uma entre tantas causas enraizadas aos acontecimentos.
  10. Pior do que isso, só mesmo a impressão que o “campo de concentração” apenas mudou de nome, lugar, de vítima...o mesmo “mal” lá reproduzido hoje continua sendo praticado, ainda que não tão explícito, de modo mais desconcentrado e disperso, num sistema-mundo ainda rematadamente injusto e cruel, permeado de “micro-guerras” e de conflitos;
  11. Ocorreu o julgamento de Nuremberg, foi-se o muro de Berlim (1989 - e com ele a última divisão que a Alemanha experimentou entre República Ocidental e Oriental), mas a verdade é que o nazismo continua eternizado nas consciências e nas páginas da história, sempre à espera de um novo olhar, de uma nova visita, de uma nova compreensão, especialmente para que a atmosfera nele reinante “nunca mais “se repita...
  12. Como bem ensina Agamben, não foi pouco o legado que restou de Auschwitz e, nesse sentido, talvez a mesma passividade condenada no passado hoje ainda ocorra e se reproduza, apenas sob diferente roupagem...
  13. Que a Alemanha parece ter aprendido o “recado” de lidar com o seu passado para construir um novo e melhor futuro, parece não haver dúvida. Todavia, o mesmo não pode ser dito de outras nações que enfrentaram ou enfrentam questões traumáticas...Em duas palavras: que dizer da impunidade da ditadura militar no Brasil e a angustiante situação atual da causa Palestina?
  14. Ao contrário do que fez a Alemanha, difícil compreender que estejamos realmente preparados para o porvir, especialmente quando os pelo menos vinte e um anos de Ditadura Militar (1964/1985) ainda não foram depurados, continuando como “ferida” nacional aberta impune e latente....(e para mostrar o quanto estamos atrasados para enfrentar este fantasma, basta olhar para a polêmica criada e fomentada pela grande mídia em torno do “Plano Nacional de Direitos Humanos).
  15. De outro lado, a marginalidade da causa Palestina, a compreensão do muçulmano como “terrorista”, a intolerância com a diferença e a necessidade de entendimento sobre divisão de território, são apenas algumas questões marcantes (e preocupantes) no contexto da geopolítica mundial,quase toda ela totalmente favorável ao que está sendo feito por Israel, verdadeiro processo de inversão histórica em que as vítimas de ontem estão assumindo a posição dos algozes de hoje, tudo isso ocorrendo com a omissão e a inércia da ONU
  16. Never more... Será mesmo? Muitos exemplos atuais dão conta de que a humanidade parece não ter aprendido com as agruras do nazismo, o que por vezes impede a construção de um futuro melhor e comum....Tempo de repensar e aprender com os alemães. Hora de buscar lição no passado para enfrentar o presente e construir um futuro melhor. Afinal, como ensina Eduardo Galeno: "Se o passado não tem nada para dizer ao presente, a história pode permanecer adormecida, sem incomodar, no guarda-roupas onde o sistema guarda seus velhos disfarces. (...) As tragédias se repetem como farsas, anunciava a célebre profecia. Mas entre nós, é pior: as tragédias se repetem como tragédias".